30 November 2006

BITTERSWEET


Quem me falou de alegria
Não foi o menino no sinal jogando malabares
Nem foi a faxineira do oitavo andar que só cantava
Ou a risada patética da mulher à beira de um ataque
Foi meu espírito que se assoberbou
E decidiu assim ser mais caliente
E pôs um dedo de moça no meu ventre
E uma pitadinha de sal no meu viver
Fiquei assim agora,
A fina flor dos sentidos temperada
Mais picante perfume do que doce
E me tornei então,
O bittersweet da simplicidade.

FAVOR



Me faz só um agradinho
Escreva meu nome em z
Me leva pra Aricanduva
Me liga debaixo de chuva
Me beba com gosto de uva
Me tira da sensatez
Um agradinho somente
Nunca me chame de santa
Não se afaste se eu não for
Não grite em som de soprano
Porque eu estou tão destemperada
Tenho uns cortes desalmados
Tenho uma vida suspensa
Num varal reinventado
E um futuro quebrado
Igual ao vaso de barro
Nos cacos da indecisão
Me salva da impiedade
Me livra da minha maldade
Não se assuste com meu medo
Nem me dê o seu sossego
Me dê vida, vida mansa
Aquela vida de rei
A vida que nunca tive,
A vida que não conheço
A vida que eu terei.

29 November 2006

VIAGEM


Vou viajar
Sabe que contentamento há nisso?
Saber que há uma bagagem
O ajuntamento das roupas que tenho
O ticket comprado
Os meus sapatos de verão já nos meus pés
E as novas paisagens agora instaladas na cabeça

A viagem que começaria qualquer dia
Veio-me ao contrário
A satisfação do término da jornada
É que o me eletriza agora
E estou cansada,
E estou em casa,
Já por ter um dia viajado.

28 November 2006

RECOMEÇOS


Hoje eu desejaria falar de recomeço, porque há recomeços bons e há os que são custosos até a alma. O recomeço a que me refiro hoje é aquele que retrocede mal, joga pra trás, minimiza e humilha. É o recomeço da jornada, mas não no seu início, mas da pré-jornada, que é preparação para a estrada, com as indagações que lhe são inerentes, as dúvidas, a ansiedade e a coragem.
Todo recomeço devia ter um fim, ou seja, devia-se recomeçar já se sabendo do seu término, mas comigo não é assim. É um recomeço de primeiro ajuntar as pedras, observá-las, classificá-las por tamanho, cor e qualidade, e depois, lá na frente, perdê-las todas para depois, estupidamente, voltar a juntá-las.
Recomeços são penúria para mim; eles são o movimento pesado e vagaroso de quem tem poucas mãos e nenhuma idéia.
Mas não me deram outro trabalho que ao menos me dignificasse.
Amanhã cedo apanho a primeira pedra.

DISTRAÍDA


Não soube de nada até agora
Nunca soube de nada
Nem nada saberei um dia
É o meu vício e o meu disfarce
Ignorar até a própria imagem
Se falam de mim
Ou se não falam
Se eu até me zombo
Em momentos raros
Ignoro-me
Ignoro-te
E não vejo nada
Penso que um dia
Quando eu for embora
E já estiver transpondo o umbral da morte
Ainda não saberei o que é morte
O que é treva ou o que foi luz
Sairei despercebida desta vida
Onde fiquei tanto tempo distraída
Sem saber o que sou
Ou o que eu fui

RECADO


Esse é o recado que lhe mando
A vida nos separa
E eu aparo
Cada ponta que se desviou de nós
Minha faca de aparar está ficando cega
As tesouras unidas já não dão pro gasto
E o tempo, o afiado aço
É o jardineiro do amanhã.

MEU ESPÍRITO HOJE


Meu estado de espírito hoje é como a minha pátria
Nas lonjuras tem as variedades do que é grandioso
E do que seria grandioso
Não fossem as inferências superiores
Nos espaços tem a desolação de saber-se grande
Numa grandeza ainda seca,
Contraste de luxo e de pobreza
E com essa impossibilidade de mostrar-se.

A PENÍNSULA E O MAR


Ah, se eu pudesse lhe falar de solidão
E se você me entendesse,
Poderíamos varar a madrugada agora
Eu lhe contando o que é ser península
E você me dizendo como é sentir-se mar!

CANTO DA MADRUGADA


Hoje fui dormir com uma falinha doce
Que batia incessante em meus ouvidos;
Podia ser a falinha de um pensamento fixo
Recorrente, repetitivo
De que tudo que estou vivendo é nada
Perto do que ainda vou viver
Acordei agora de repente
A falinha cessou de sussurrar
Há um vazio dentro do meu peito
O que viverei me fez em sombra
O que eu serei me fez desalentar

Tudo o que ouço agora dentro da madrugada
É o fiu fiu liso e amoroso
De uma rola que ficou presa no quintal
Um pio longo e desajeitado
Intermitente e acomodado
De quem cansou de chamar
Também me cansei;
Ninguém veio e me tirou do abandono.

27 November 2006

CLARISSA, COISINHA LINDA


Não é uma coisinha
Essa filha minha?
Noivinha de bolo
Carinha de anjo
Glacê em pessoa
Beijinho melado
Cacau importado
Um luxo de alma
É tão responsável
Coisinha dengosa
É tão agitada
Com os brilhos que traça
É tão espaçosa
Com as linhas da mente
É tão afetiva
Com os meus sentimentos
É mel e ação
Coisinha tão linda
Essa filha minha
E que um dia já coube
Na palma da mão.

26 November 2006

PERDÃO, VOLTE AMANHÃ


Hoje tudo o que escrevo não está bom. Já comecei um poema, resolvi colocar nele o titulo de “ Inacabado!”, mas não tive coragem de publicá-lo. O inacabado está inacabado demais. Depois me voltei para uma crônica que venho tentando terminar a tempos, cujo título quero e devo desenvolver “As curvas das Estradas de Santos”, mas o texto está tão ruim que somente tentando consertá-lo me irritou um monte e deixei pra lá. Agora mesmo resolvi escrever sobre o tédio domingo, achei óbvio demais e parei.
Escrever é o ofício mais desgastante que conheço. Não ser por pesado ou aborrecido, mas porque muitas das vezes não depende de nós, que escrevemos, mas de uma força externa que nos leva a desenvolver idéias. Se a força não está conosco, não adianta clamar por santos e nem acender velas. Sinto uma pena imensa por quem tem como profissão escrever e pior, prazo para entregar. Deve roer as unhas e lamber as orelhas em dias como esse que estou vivendo.
Dias em que não há nada pra se falar a não ser que as idéias não vêm e que é preciso escrever para não perder a prática.
Mesmo sem assunto, sente-se uma impulsão danada para a escrita, então assim, o escritor fica dando voltas em cima de um tema que às vezes não sai suco. Tenta-se, tenta-se e sai isso o que estou escrevendo, ou seja, nada. Mariposa em cima de lâmpada, nunca assenta nem descansa.
Mas porque queria escrever, basta dizer hoje que clamarei pelos deuses, berrarei ao infinito e me prepararei para dormir, na esperança urgente que amanhã as palavras e os assuntos voltem, porque escrever assim forçando a mão é martelar em ferro frio ou fazer careta pra cego.
Não sou escritora de verdade, sou uma farsa, e com essa farsa escrevi aqui alguma coisa pra não frustrar meus pouquíssimos leitores. Perdão se estou vazia e sem graça; isso acontece com qualquer um numa noite de domingo em que me deixaram sozinha, e até as letras se foram sem remorso.
Boa noite.

MODISMO


Dona Mariquinhas mantinha um retrato
De Jesus Cristo com dois dedos apontados
Como se estivesse dizendo “ Paz e Amor”
Dona Mariquinhas não entendia de modismos
Não sabia da revolução do mundo
Nem que a simbologia dos dedos estirados é casual
“ De dois mil não passará”,
Passou;
Passou dois mil
E dois mil sonhos meus também passaram
Porque meus sonhos não conhecem a revolução
Conhecem a farsa de um retrato meu
Por sobre a minha cômoda,
Sem paz, apenas no modismo das paixões.

DESCOBRIR O AMANHÃ


Depois de um certo tempo
Depois de bater a cabeça cem vezes no muro
Depois de me arrebentar pensando o tudo
Depois de me comover com as atitudes mais banais
Depois de comer até as tampas um prato que nem gosto
Depois de ter amado alguém e não ter visto o troco
Depois de me achar arrasada com o mal
Depois de ter me dado um átimo de tempo
De ter-me vestido de rainha
E me despido em monge
Para uma única noite de amor
Depois de tudo, desses anos longos
De vinagres e orgasmos
De sal e talco,
De açoites e assombros,
Descubro-me no mais frenético prazer
Prazer que não dói e onde não faz pecado
Que é o acordar cedo,
E ver o fim da madrugada
Que não me pergunta o que sou
Nem me responde que nem sim, nem não
É a oferta honesta do meu dia
É o dia de hoje,
Se o amanhã existe,
Já inexiste em mim nesta manhã.


PREMATURA


Eu nasci de sete meses
Penso que foi a mais espantosa coisa
Vir ao mundo perguntando o porque
De me tirarem de um mundo repleto de sossego
Pra esse carnaval de socos e agressões
Por que mais cedo?

25 November 2006

CONFISSÃO


E se eu confessar
Que fica proibido se despedir de mim
Antes que eu me despeça primeiro
Que as amorinhas doces do jardim
Já viraram o fruto perfurado dos pardais
E que o jasmim que perfumava a sala
Virou um agridoce insuportável
Se eu confessar
Que eu mesma já me adulterei em muitas
Já me menti,
E já me conformei com a minha canalhice
Que de dia chora,
Mas que à noite, se arruma em saia e castanhola
Se eu confessar
Que já me mordi de ódio
Descendo as paredes onde eu moro
Mas me tratei a pele em peças de veludo
Se eu me confessar contraditória
Fica proibido que me julguem
Porque eu confesso tudo;
Não há escapatória.

SAUDADE

Poema para o André, que não veio e não me ligou hoje. A gente sente saudade, André, e nem galo eu tenho aqui pra me sossegar, sabia?




Saudade é uma coisa esquisita
Alguém que não sai de nós
Vai embora, diz que volta
Mas fica dentro da gente
Feito o galo quando canta
Plantado em cima do muro,
Que chama o dia,
Que fecha a noite,
Sem propósito e sem descanso
Feito a saudade que tenho
De manhã é vigorosa
Á noite, é preguiçosa
Mas não sai do meu sossego
É a minha saudade cantando.

ESPERANDO


Escrevo, enquanto espero
E quanto há esperar ainda!
Esperei o espigão do milho
Que brotou na terra
Esperei que águas do riacho se baixassem
Que o carteiro passasse e nada entregasse
Esperei o sono, que de repente veio
Esperei por mim, inutilmente,
Mas eu me atraso sempre,
O esperar é meu;
O atraso é pressa.

VIVER A VIDA


Quando se tem uma vida
E for necessário vivê-la
Bem vivida
Joga lá fora, no terreiro da sua casa
Onde você morou um dia
As desalegrias
E fica com o centro da sua alma
Que é o amor por você mesmo
Sua imperiosa ação de buscar o novo
E assim, sossega;
Porque a vida passa
O mundo passa
Você, entretanto, não passará
Estará aqui para sempre,
Ora neste mundo torto e feio
Mais tarde, em forma de estrela.

VONTADE


Bastou um segundinho
De um carinho que está longe
Tentar a proximidade da minha mão
Um certo amor de meiguice que já existia
E o coração de pedra despertou
O bate-que-bate ficou acelerado
Bati-bum, bati-bum, bati-bum
Igual ao samba do crioulo doido
Doido de amor
Doido de vontade.

TRISTEZA NECESSÁRIA


Não quis deixar de ser poeta
Portanto, escondi, bem escondido,
Com a mão fechada,
Braços estirados para trás
Um restinho de tristeza do passado,
Só um pouquinho,
O tanto necessário
Para evocar palavras que já não são mais minhas
Tão sumidas e tão raras,
São o tesouro das palavras de uma vida torturada.

24 November 2006

JÁ ACABOU?



Não sei se acabou
O sentimento lá do fundo
Que me atingia
Não sei se virou meia poesia
Ou meia lua,
Como quer que queira
Sei que acabou diferente
Do que vinha
Ficou um gosto quente
Pelo céu do de dentro dessa boca
Um estômago embrulhado
Em vísceras da serpentina
E um olhar meu,
Tão estranhado
Tão distante
Tão acomodado
Um olhar
Vazio, sem luz
E sem razão
Um olhar de aço,
Desapegado,
Desapaixonado.

23 November 2006

ESPERA, PITANGUEIRA


Espera, pitangueira, espera,
Porque não vejo frutos a colher em ti;
Nem ontem, nem hoje e nem agora
E não sei se nunca mais
Vou buscar outras paragens
Que podem trazer choro convulsivo
Ou um sofrimento manso e abafado
Mas é com alegria que me adianto
Será uma tristeza única e esperançada.

18 November 2006

FELIZ


Feliz, feliz, feliz;
Não sabia que a felicidade era só a ausência da dor
Tão feliz que não posso escrever
Nem sentir
Nem descrever,
Só sentir
A paz que já estava aqui
E que foi só encoberta
Pela máscara do continuo sofrimento
Acho que deixei de ser poeta
Mas ser feliz é bem melhor

16 November 2006

CHORO BOM


Hoje que precisava das minhas lágrimas
Elas se foram,
Para aquela parte do país onde há inundação
Que vejo pela TV, e sei que são minhas águas
Estou seca por dentro,
Estou ainda árida
Busco meu choro antigo, meu choro benfeitor,
Mas meu choro não vem,
Está devastando e assustando os lugares mais distantes
E quando está comigo,
Não me assusta, não me atormenta,
Só me confere quietude e graça.
Só entende de seu choro quem o sofre
E bem conheço o meu,
Sei das suas torturas e doçuras;
O meu choro é chuva de verão,
Quem vem a qualquer hora, mas passa,
E torna a voltar em forma de ameaça
É choro do passado, da tristeza,
E do que foi mais do que tristeza, foi terror
É choro de momento,
É choro bom.

14 November 2006

INSÔNIA


Terça feira de crônica insônia
A segunda já havia sido apavorante
E o domingo anterior fora de terror
Chamo a minha velha avó,
A quem eu respeitava como santa
Pra me mandar dormir,
E eu, incrivelmente conseguir dormir
O sono de quem carregara
O fardo mais pesado das prisões.

Chamo a minha velha avó,
Que já não ouve mais
Visita agora paragens estrangeiras
Falasse outras línguas
Rezasse o credo torto
Ou o Latim remado das declinações
Quem sabe dorme minha avó,
O sono de quem carregará
A leveza das paixões
Minhas paixões, minha avó,
Foram levadas,
Foram-me roubadas
Minhas poucas e estúpidas paixões.

13 November 2006

POEMA DA SOLIDÃO



Rogo um pouco de vida
Por onde passou um trem
Que apitando,
Levou os meus projetos
As aspirações primeiras
Promessa de realização;
E que só deixou a pena
Pena ser tão sozinha
Pena ser tão pequena!

12 November 2006

HORA DE DORMIR


É quase meia noite, Ceci
E um gato preto já cruzou o meu portão
Vamos dormir mais cedo
Para não aproveitar a vida
A vida é do gato preto,
Não é de poeta, não.

POEMINHA PRA SONHAR



Se tivesse que pedir alguma coisa à vida
Eu pediria que antes que eu morresse
Eu tivesse uma rede pra descansar a noite toda,
Uma bananeira no fundo do quintal a assanhar as folhas
Um livro de memórias que não fossem as minhas
E um amor bobinho,
Desses que ficam no portão
Pra que eu experimentasse a maciez da vida
Que nunca tive,
Que nunca me darão.

A LEALDADE DA POESIA


A fera que mora em nós
É o pedacinho do ego que eu mostro agora
Ruge, range, apavora
O ser mortal que eu sou
E que fui outrora
Não me creio impura,
E nem beatificada
Não me creio amarga,
Creio-me alucinada,
Pela poesia viva,
O vértice da minha lealdade
Lealdade para comigo mesma
Lealdade para a minha própria humanidade
A poesia em mim é a abertura exata
Dos sonhos de delírios
Que se o homem vive,
Eu os tenho;
Ou se o homem sofre,
Eu me compadeço.

AMOR VERDADEIRO


Que gostoso ler você!
Pode me chamar de tio puxa-saco. Não faz mal. Vai ver que sou mesmo! Mas o fato é que gosto do que você escreve, mesmo que muita vez não consiga alcançar o âmago de seu sentir...Gosto do que leio em você. Me faz lembrar da saudosa mana que a gerou! E você sabe o carinho que eu tinha por ela... E ainda tenho em minhas memórias.
Lendo você, hoje, seus escritos de novembro, não pude evitar o choro. Também evitar por que? Faz bem aos olhos e à alma.
Lendo "À francesa", lembrei-me da célebre frase de Jesus Cristo: Clarissa "escolheu a melhor parte". E é verdade!
Parabéns, Cilinha. Arranje sempre um lápis e um papel...Não perca um sequer de seus estros! Ou melhor, não o esconda de seu próximo.
Beijos do tio e padrinho que a abençoa hoje e sempre.

Amilton

LOUCA


A louca de pedra que sou eu
Levou-me a conhecer a sanidade
Não gostei de ser saudável mentalmente
São todos muito loucos, na verdade.

POEMA DO CAMINHAR


Minhas pernas me levam a caminhar agora
Que doidas pernas, que esforço inútil
Não sabem minhas pernas que eu vou
Mas a cabeça fica aqui, no escuro,
Não importando o sol que há lá fora?

11 November 2006

SEM CHORO


Há dois dias que não choro
Há nisso uma importância universal
Se não choro
É porque a pomba descansou
O homem já arribou o seu arado
O amante da aranha negra já foi devorado
O rio voltou ao curso original
Os jornais já foram todos editados
Meu tornozelo ferido se curou
A vida entrou pra dentro do teclado
As notas se enfileiraram de dó a dó
E a viúva se casou com chuva e sol
Se não choro, venta
Se choro, há chuva
E há crise, há tormenta,
E a chuva não vem de cima;
Sou eu quem chove a chuva que me dói.

10 November 2006

CHEGA!


Por hoje, chega de escrever
Hoje é sexta feira, Ceci
É dia de lua cheia
Os lobisomens atacam
E a minha alma está cheia de pudor.
Vamos para a cama, Ceci
Não há lobisomem sobre o seu telhado
Há somente a luz
Clarinha e pálida da noite
Para lhe levar pro sono dos mortais
Os lobisomens não gostam de poetas, Ceci
Gostam das demais.

MARACUJÁ AZEDO


O maracujá azedo
Que se definhou por sobre a geladeira
Deu-me a idéia de me pensar mais velha
Amassadinha, corcomidinha, feia,
Mas tão suave por dentro,
Caroço melado de alma
Que o tempo intacto, amaciou.
Quanto mais velho, maracujá azedo,
Mais doce lhe faço no meu interior.

SORRINDO


Aprendi que falar sorrindo
É a coisa mais doida que uma pessoa pode fazer
Digo luz, e digo rindo
E gargalhando, digo mar
Para depois dizer
A luz no mar
O mar na luz
Luzmar
Minha boca se abre num sorriso bom agora
Palavra que inventei
Sorriso meu de ponta a ponta
Ainda aprendo sorrindo
A dizer “não” ao invés de “já”.

09 November 2006

O DIA MAIS TRISTE


De todos os dias que venho vivendo
Hoje é o dia mais triste
Não tenho um gato que me lamba a mão
Não tenho um espelho que me reflita oblíqua
Não tenho uma fita para adornar-me a saia
Não tenho o oleiro da bica pra me encantar à tarde

Hoje certamente será o dia mais triste
De todos que venho vivendo
Se há dor na humanidade, eu sinto
Se há amor, eu sinto
Se há desprezo, é o que mais tenho.
De todas as dores humanas,
Tenho a mais feroz no meu peito
E que destrói e faz em pedacinhos lentamente;
A desesperança de continuar vivendo

Viver me dói,
Como me doeu hoje quando vi na rua
O pobre gatinho atropelado e espalhado pelo chão
Ele quis a liberdade,
Pagou e se arriscou por ela.
Dói-me a minha, dentro da minha alma,
Por um dia eu achar que tive,
E louca,
Por nunca realmente tê-la possuído;
A liberdade era a chave do portão.

MEA CULPA


Meu coração se fechou e se abriu nessa manhã
Como o botão da minha blusa,
Que se infiltra e se expõe por meio da ranhura
Nunca imaginei tamanha comoção
Entre ganhar e perder
Ver e rever
Sair e ter que voltar

Não ouso chamar de amor o que eu sinto
Atrevo-me a chamar de compaixão
Por uma vida inteira de submissão e culpa
Culpa por me caber inteira num espaço
Onde não havia o mínimo de abertura.

À NOITE


Mesmo no meu sono de hoje eu lhe procurei
Não foi um sono profundo
E denso como antes
Foi espichado e breve ao mesmo tempo
Entre o meu desaparecimento e o despertar suave,
Do nada.

Talvez você estivesse se escondido debaixo do colchão
Ou por entre a lingerie marrom que descansava
Calma, ao lado do batom
Seu eu lhe acho, me perco
Se me perco, me mato.

06 November 2006

À FRANCESA

Dedico este poema a minha filha, Clarissa, que está sempre do meu lado, de dia, durante o trabalho, no MSN, de noite me rodeando por aqui. Hoje, ela desapareceu, junto com a chuva que caiu.... Chuva triste, Clara...
Minha filha saiu à francesa agora à noite
E nem pra me perguntar
Se eu morreria
Se eu sonharia
Ou se acordaria mais sozinha
Também vou sair à francesa de mim mesma nessa noite
Não vou me despedir de mim
Porque se eu sonho, eu morro,
Já basta a solidão,
De quem eu me despeço toda noite,
Porém, que teima em ficar comigo,
E que não dá a mínima

O PRIMEIRO DIA


Para o poeta, por que a felicidade do mundo é tão difícil?
É que o poeta conhece o coração do mundo
Sem ter vivido muito ou ainda ter visto tudo
O mundo é essa promessa tola e abobalhada
De se viver o dia como se fosse o último
O poeta, embevecido com a vida,
Maravilhado com o esplendor das coisas
Vive a transformar o cotidiano simples
Na serena meditação da fantasia
A vida é o descobrimento todo dia
De coisas velhas transformadas em magia
A xícara de chá agora é uma bacia
O céu é o manto da Nossa Senhora da Abadia
A chuva, lágrimas choradas por Maria
Não há futuro para nós, poetas
A vida para nós é o primeiro dia.

MILAGRE EM ASA


O dia de hoje passou por sobre mim
Como uma única asa de um pássaro imenso
E que cobriu o sol tão esgotado do meu peito
Me dando por alguns instantes uma onda de frescor,
E uma esperança que eu não via há tempos.

Precisava hoje desta asa com o pássaro
E ela veio,
Não somente para me refugiar do medo
Mas para eu me aninhar em busca de um alento
Conhecimento de proteção e calma
Por baixo da única, larga e expandida asa,
Planando vigorosa e lenta,
E que pôde aparecer do nada.

Veio trazendo um refrigério novo,
Em mim, agradecido e chorado
E que eu agradeci, chorando, como sempre;
O milagre que eu pedi,
É o milagre revelado.

04 November 2006

OVO QUENTE


Minha mãe, minha mãe,
Hoje acordei com saudade
Do tempo lá trás, um tempo que não esqueço
Quando o seu cuidado comigo era me trazer um ovo quente
E quebrar a casquinha com a ponta da colher
Para trazer assim à vida
A viscosa gema entremeada à clara
E eu, maravilhada,
Por voce ser também a modificadora das coisas
E de vir a tornar o ovo líquido
À massa magicamente transformada.

Não como mais ovos quentes, minha mãe,
Você bem sabe,
E não aprendi a quebrar a casquinha para ver o meu interior
Se me julgo líquida,
Posto que tenho um rio em choro
Me creio massa,
Impactada, dura e irremediavelmente
Sem retorno
E o medo pavoroso de me constatar
Amorfa e confinada

Aprendi poucas lições, minha mãe,
E do pouco que aprendi,
Modifiquei parte da realidade em refúgio insano
Num lugar bobo e infantilizado
Que como o interior do ovo,
É um mistério a ser modificado.
Se ora sou quente,
Sou também o peso frio e massificado do passado.

02 November 2006

FRUSTRAÇÃO


É que um poeta como eu
Que vive das palavras que aprendeu
Não soube sequer ser capaz de utilizar
Um único verso que lhe edificasse
Sinto tudo
Sonho o absurdo
Mas a vida,
Eu ainda a desconstruo nos parágrafos.

PARABÉNS, TRISTEZA


Quando, um dia
Meus poemas forem publicados
E houver uma festa de apresentação
Todas as pessoas me parabenizarão
E eu olharei em volta,
Entre aturdida e envergonhada
Por me darem congratulações
Por só ter escrito sobre a tristeza,
O desânimo,
A desesperança;
E as pessoas acreditarem que foi pura arte
Ter escrito avidamente sobre uma vida manca
Por ter perdido tudo,
Dos bons sentimentos à razão.

A FURADEIRA


Tem alguém no apartamento ao lado usando uma furadeira
Ininterrupta, abrupta,
Que não me deixou dormir
Há também uma maquininha dentro de mim
Ligada todo o tempo

Não param com a furadeira
Que fura e fura;
Não sei também como desligar a minha,
Que nunca termina,
Que me incomoda,
Que não me deixou viver.

MINHA MÃE


Oh, minha mãe, minha mãe,
Se o seu colo que me falta hoje
Se o seu jeito de me aconselhar
Avisando-me que é pra deixar tudo pra lá
Se o seu jeito de coçar a cabeça
No seu dizer manso e nada emocionado
Viessem me visitar hoje, minha mãe
Eu lhe diria, desconsolada
Que seus avisos ainda não me consolaram
Que a minha mente ainda roda ao contrário
E que ainda sou aquela criancinha, minha mãe
Que você concebeu,
Cheia de cuidados.

O UNIVERSO CONSPIRA


Quando encontramos alguém
Com os mesmos trejeitos nossos
Que é tudo o que gente quis
Que gruda em nós feito cola
Que termina uma frase
Quando nós mal começamos
E nós, ambos gargalhamos
E dizemos à mesma hora
Meu Deus, como somos iguais!
É aí que o planeta se zanga
O Universo reclama
E imediatamente fecha a tranca
Pro amor que seria feliz

01 November 2006

A PREGUIÇA


Minha estrela da sorte no chinês é o Macaco
Mas minha história de vida no presente é a preguiça
Preguiça de pensar no meu passado,
Preguiça de pensar no ano que vem
Na velhice dos outros, na juventude dos bebês,
Preguiça de abrir a janela do today.
No signo chinês, a malícia é a chancela do Macaco
No signo da minha testa, bem no entremeio dos meus olhos
Há o simbolo da indolência, da moleza e do ócio
Marcado assim,
“Estou comigo mesma,
E nao estou pra mais ninguém”

QUANDO EU MORRER


Quando eu morrer, não me tragam flores naturais
Que exalam o cheiro da morte
E que lembrará aos vivos que eles também morrerão
Tragam-me rosas artificais
De uma cor só;
Não profanem o cenário com a poluição exagerada
De cores berrantes e faixas encomendadas
Que sejam rosas brancas,
Pouco verde, nenhum ramo,
Para que a minha morte seja como foi a vida;
Monocromática.