12 January 2007

AMOR DE CÃO

Não sei porque ainda permito que me deitem amores a vida afora.
Arrumaram um cachorro e o cachorro se apaixonou por mim. Onde quer que eu vá, o cachorro está comigo. Se eu durmo, vela meu sono logo abaixo da minha cama. Se eu saio; em breves ausências, ele se queda, entre silente e atento, à beira da porta, e me espera, e me espera, até quando finalmente volto, para demonstrar um torpor de emoções, orelhas, lambidas, desespero, paixão e rabo por sobre mim.
O ciúme do cachorro por mim é pistola de fogo contra os mais chegados e os estranhados. Ciúme para o cachorro é assim; não há o que disfarçar, nem explicar, nem do que se envergonhar. O cachorro me ama então dentro do cardápio completo; ele me quer ao alcance de todos os possíveis sentidos: olhar, falar, ouvir, sentir, tocar.
O amor do cachorro é modelo da antítese de amor humano. É fiel. É resgatador. É intenso. E de boa memória; passam-se os anos, o amor não muda, nem se transmuta ; conserva-se forte.
Posso lhe passar uma reprimenda, posso me cansar dele, posso lhe exigir que se cale quando quero estar sozinha, posso lhe dizer o quanto ele me aborrece com esse amor sufocado, basta que ele volte seus olhos para a parede e recue por alguns instantes; seu amor decerto não desaparecerá. Conto com isso, eu conto com ele, conto com sua oferta de atenção a cada dia.
Se eu pudesse exigir algo dessa vida, exigiria que o amor do cão viesse hoje me visitar.
Será o amor escolhido e nunca o amor sôfrego e rasteiro que me foi imposto. Exigiria agora um amor de liberdade e sem razão. Amor por amor. Amor sem troco.
Mas o amor do meu cão por mim, cuja dedicação me foi imposta, me ama do jeito certo; concluo agora que os homens amam pouquinho demais...
Neste momento, meu cachorro está deitado no meu colo enquanto escrevo. Posso lhe sentir a respiração morna e cadenciada, segura de que seu amor por mim está aqui, presença conquistada.
Jamais terei um amor assim de novo. Os amores que conheci, vieram, mas se foram; não souberam fazer do meu colo um lugar de repouso. E de paz. E de sossego. Um amor que não fosse nada exigente; um amor desinteressado e largo.
Também eu não sei amar meu cão como devia. Não tenho essa humildade, nem essa potência, nem a habilidade de esperar por alguém, por coisa alguma; me perdoe, sou tão pouca, e tão direta e tão parca.
Se quero o agora, e se o agora não vem, rosno até o fim da minha alma, respiro angustiada, nem me contento com o único amor que tenho. Amor que está aqui, o companheiro.
Pobre do meu cão, que se destina a me amar na desmedida da minha consideração.
Minha dedicação a ele é parcial, minha dedicação aos outros é mais que parcial, e se me canso, logo abandono a causa. Mas se precisasse aprender com esse ser, com esse pedaço de doação que vive à minha sombra, aprenderia a esquecer o que presentemente me fazem, o que me anteriormente me fizeram, o que eu repetidamente fiz e faço por falhas de caráter.
Essa é a única lição que tento aprender; eu tento.
Mas e eu, que ainda não aprendo?



3 comments:

Anonymous said...

Vc Sabe que eu também tenho um amor assim. E por isso creio que está certíssima!
Zazá

Anonymous said...

ah se nos soubessemos amar assim....

Anonymous said...

Eu e a Célia nos sentimos incluidas no seu mundo e adoramos.
Vickie