28 January 2009

AUTO-RETRATO


Quanto mais tenho indolência
mais meu pensamento acelera...
O melhor para mim seria ter nascido poeta,
na sacrossanta preguiça.
Por obra fatal do destino
nasci do olho do mundo
mas tenho aqui por dentro,
na certidão de nascimento,
um lugar chamado Vazio.

26 January 2009

VAI-SE


Se a vida lhe dá uma escolha
porque partir para a vicinal?
Uma escolha é uma escolha,
única, íntegra e senhora
Não há quem lhe mande ou desmande;
vai-se.

POEMA DA TRANSCENDÊNCIA


Não me venha falar de arado
se você nunca foi boi.
Só sabe de si aquele que se trabalhou...
Eu ainda não sei tudo de mim;
tudo é muito,
e o muito fica aquém
da transcendência das coisas.

25 January 2009

SAUDADE DE MIM


Quanta saudade de quando eu era sensível
Tão menina, tão preenchida das irrealidades,

Quanta saudade de mim!

Eu fôra uma pessoinha que possuía medos,

distorções de imagem, um otimismo triste,
mas hoje..

Quanta natureza regular!

Será que me tornei como todos os outros?
Será que já falo como a Beniditinha, choro como Vera, cozinho como Salette?
Meu Deus, se você ainda me ama,

volta-me à forma original de alma

quero ser gente como eu era:
doce por fora, pura calda,
por dentro, ainda forte mas no surreal, amendrontada.
Saudade de mim,
da minha face infantil,
poética,
liricamente inadequada...

21 January 2009

MATURIDADE


Nesta minha maturidade, encontrei pessoas que nem sempre souberam estimar a maturidade como ela deveria ser estimada.
Todas as conclusões que não tirei ainda estão sendo cobradas, como se eu devesse ir classificando ano a ano como fechado e compulsório.

Estou danada da vida com os meus pares: exigem que eu seja intrinseca e farta; absurdamente alegre, brilhante falso, quando ainda penso que sou aquela pessoa que ainda não descobriu o que a vida é.
Não escrevo para sintetizar a vida; escrevo para buscar algum indício em mim de razão e fraqueza, pois quando sou fraca e débil, tenho respostas que jamais obteria sendo arrogante, ingenuamente feliz e farta.

Tenho uma grande inveja confessa das pessoas que vivem como se fossem dessentimentalizadas: saem às ruas para o trabalho, respiram, falam pelos cotovelos, programam ir para a praia, instigam as maledicências, riem das piadas de sexo, fazem as orações dos ricos, vão dormir tão cansados...

Eu tenho tentado rir de mim mesma e da programação diária... tenho rido, com efeito, mas como me custa ir dormir cansada...
O que me cansa de fato é essa grande fatalidade que a ilusão da vida retrata... Durmo, enfim, mas com que dificuldade!
Graças a Deus que somos todos loucos... Se soubéssemos de verdade o perigo que passamos vivendo todos os dias sobre esse planeta!
A maturidade deve ser a consciência da realidade.
A maturidade ainda não me transformou. A maturidade não me fez um produto acabado. A maturidade é uma pedra no meu sapato.
A maturidade me asfixia e me mata.

PERDÃO POR SER POETA


Deixe-me só com a minha presença triste
e nem repare nos meus males
Não sei porque tenho que escrever o lado radiante
e a beleza das rosas que nem tive
Todo aquele que escreve, escreve de si
e não escreve para o deleite do outro.
Se em mim há trevas,
é porque as trevas se afeiçoaram a mim;
Nem sempre é dor, o que é afeto.

19 January 2009

GIGANTE


Uma vez eu vi um gigante
embora fosse enorme, era um gigante frágil
temeroso, menos animalesco e mais humano
Sempre fiquei pensando nesse gigante manco
que eu vira um dia
Tinha medo de revê-lo novamente
e sentir mais pena dele do que já havia tido.
Ontem, quando me aprontava para sair de casa
ouvi um barulho de gigante que se aproximava;
foi um barulho estrondoso, seco e abafado,
calculei que o gigante estaria
por detrás das cadeiras da sala
Ele estava ali, imóvel, os olhos esbugalhados
parece que me pedia socorro
e socorro era o que eu não dava...
Depois de um pouco de dó da minha parte,
eis que ele partiu de novo,
sabe-se lá para onde foi apelar apreço
Agora fico pensando
se a minha simpatia por gigantes sempre foi assim, largada...
Não sinto falta de nada,
nem de gigante, nem de medo.


POEMA PARA PINGO D ÁGUA


Vamos, pingo d´agua
vamos ouvir aquele silêncio atordoado
da carroça de boi...
No meio de nós, tudo será Minas
com seus pães de queijo, preguiça e leite grosso
Nosso amor ajuizará como o provérbio do campo:
se uma vez plantamos, eis o que será.


14 January 2009

APENAS UM POEMA


Era um homem são;
comia, vestia, barbeava-se
comia com as mãos quando se deve comer com as mãos.

Por dentro é que era uma lástima;

comia-se, o verme,
barbeava os alfinetes de maldade

e matava com as mãos o que não aprovasse.
Não matou-me, embora tentasse.
Matou-se
primeiro,
o desafortunado...

DISSOLUÇÃO


Saio para pescar e não pesco nada;
Os peixes não são meus congraçados
De que me adianta tudo isso?
Ter uma isca, um equipamento adequado,
se o mundo continua vil do mesmo jeito?
Se não tiro o peixe da água,
alguém me tira primeiro.

07 January 2009

POEMA DA SATISFAÇÃO


Meu Deus, como sou feliz não tendo nada!
Sou como aquela folhinha que se desprendeu da árvore,
sozinha, sozinha,
mas quanta liberdade!

06 January 2009

NÓS, OS POETAS


Somos pessoas que sopramos o bem
Não fôra isso, estaríamos exaustos
por assombrar os alheios temores.
Mas não,
Falamos macio
e nossas setas atingem o nada.
Para confiar em nós,
basta ter vontade.



05 January 2009

POEMA DA SUSTENTAÇÃO


Ensina-me a ser módica e pouca
que alcançarei a supremacia do seu ser
que é genuíno e virtuoso.
Assim, quando eu falar,
impeça que eu peque muito
e cale-me essas minhas vaidades
com as suas muitas verdades asseadas.
Faça-me grande pois,
impedindo-me de ser vasta.


AS MONTANHAS DE MINAS


Não são minhas as montanhas de Minas;
Nunca possuí montanhas e nem as de Minas me pertenceriam
considerando que são insubordinadas,
robustas, aéreas, rurais,
animadas por cheiros de cabras e um leite de curral
grosso, branco virginal de terra e mosto.

Não são minhas as montanhas de Minas,
ainda assim, elas possuem esse amor meu,
ilegal, insólito pressentimento de reverência e respeito
dessa que reconhece a grandeza
que suplica por grandeza
e de quem já compreende
que jamais obterá grandeza...

De todas as paisagens que meu olho viu
somente uma me arrebatou a vista viciada das minhas paragens;
que fôra uma sedução infantil de céu azul,
umas poucas vaquinhas de leite paradas,
doidas para não fazerem coisa alguma,
um chão arrolado de cupins inesperado,
como a catapora do pasto
e os elevados torrões de barro
alucinando a iminente tempestade
que nunca chega e que nunca parte...

Não sei o que eu amo mais;
se Minas, na sua riqueza
ou a visão perturbadora de Minas,
na sua simplicidade.

02 January 2009

POEMA DA SENSAÇÃO


O melhor do amor correspondido
é que a gente pode carregar à toa,
por trás dos olhos da gente,
o par dos olhos do outro,
sorrindo, secretamente.


01 January 2009

POEMA DO SENSACIONALISMO


Nunca fui doida
só me espanto com o amor
e me desespero na antevisão do final da vida
Minha vida começou santa e terminará santa...
O que aconteceu pelo caminho
foi sensacionalismo do divino.

POEMA DA PARTIDA




Eu lhe pedi, e você amarrou os cadarços dos meus tennis shoes;
juntou ponta com ponta e transpassou os ilhoses
na franqueza baqueada da laçada final.

Teria sido melhor que não os tivesse acordoado
Antes os tivesse retirado de mim,
antes tivesse segurado a minha mão
para afastar as dissimulações da distância
e eu jamais teria partido.

Se partido seu coracão, ainda que sereno, está contigo
aqui o meu, nos plasmas dos espaços, continua ferido.


POEMA DA PRISÃO


Dêem-me uma praia agora
- de paraísos fiscais à entes sobrenaturais,
de verdes azuis e areias assombráveis -
que farei dela
o que me sinto neste momento;
uma cela de ar...


AÑO NUEVO


Quando viajo, penso que restauro ainda mais de mim
daquilo que me foi abruptamente tirado
Tiraram-me os planos de vôo, mas não me tiraram a viagem
Tiraram-me as rotas, mas não me tiraram os passos
É por isso que me comovo ainda
diante da passagem
No que fui, como ponte detonada
venho lentamente me reconstruindo em morada.

POEMA DA SOLIDÃO EM MEIO A MUITOS


Não mais me interessam as particularidades dos outros
A mim, me interessam as partículas de mim que me interessam
Um dia fui parceira, fui aliada de guerra
e fui trancada em paz de cabineiros
Roubei-me dos outros,
poluí os outros e me distancei
Seria agora como a gaivota isolada, que ora mergulha
e ora voa, na exata dimensão de vida que lhe foi ordenada
Se eu fico, fujo,
e se parto, me afasto
Bendita sou eu dentre as facilidades
de ser eu mesma neste mundo vasto.


POEMA DE ANO NOVO NO CHILE


Doem-me no coração as mais profundas propostas conflitivas
Hoje já é um ano novo,
mas por dentro....
quanta mágoa antiga!

POEMA DE ANO NOVO


Tenho poucos anos e me sinto velha
Meus poucos anos pesaram-me na face
e nunca me amoleceram na atitude
Ontem a noite vi uma gordota
ridiculamente idosa e ridiculamente alegre
que se rebolava e se ria enquanto andava
Invejei-lhe a disposicão da vida
e invejei-lhe assim, a ignorância da vida
Meus poucos anos nao permitem mais que eu
sorria, cante, beba, me engrace...
Tenho poucos anos, mas é como se tivera mais de mil,
Tenho poucos sonhos, mas é como se o único que eu tivera
houvesse irremediavelmente me escapado
e agora, está lançado,
como esta pedra sobre a grama que vejo aqui do meu beiral
placidamente eterna, amorfa,
também sem sonhos, ignorada.