27 February 2011

CANALHA!


Querido leitor, desde hoje de manhã estou lendo o livro CANALHA! de Fabrício Carpinejar, e se você não o conhece literariamente, está super recomendado ... Vale tanto  a pena conhecê-lo, que  aqui vai o vídeo em uma entrevista no Jô Soares:

24 February 2011

VERDADE


Eu tinha exatos oito anos quando apareceu um disco voador na minha cidade.
Era domingo de seca, três horas da tarde e todos da rua estavam batendo um sono para fugir do calor.
Menos eu, que deitada no chão da varanda da frente de barriga para cima, procurava um pouco de animação. Quando ele veio pairando e depois ficou estático brilhando aquelas luzes neon de cinema, o paralelepípedo ficou da cor do doce de ameixa, e penso que meu rosto, meus braços e as pontas dos pés descalços também ficaram furta-cor. Depois partiu num susto e nem deu tempo para que eu me alarmasse.
Só que nunca mais voltou; fosse porque não quisesse, ou porque me mudaram de cidade e nesta aqui onde moro, nem urubu dá pouso para relaxar...

POEMA DO LAMENTÁVEL



Minha cidade não possui ponte,
mas estou à beira da ponte da minha cidade.
O rio que corre por debaixo da ponte
que minha cidade não tem
está seco de peixes,
mas estou à beira da ponte
à espera dos peixes.
Tudo que vivi até hoje
resumiu-se de ponte e peixes,
e tudo o que não quis,
foi da multiplicação,
aquele truque de mágico
que chamamos
de lamentável milagre.




 

21 February 2011

POEMA PARA UM LOBO



Hoje, finalmente,
depois de ter me livrado do lobo
(aquele que abriguei e a quem dei conforto)
tenho-lhe medo...
Não do próprio lobo,
mas do escorpião que ele traz no bolso.

CANCÃO DO AMOR DE AÇÃO DE GRAÇAS

Ainda é cedo,
e nunca nos vimos tão sós.
A cidade está calada e fria;
fiquemos mais na cama
e nos tornemos um só.
Façamos da vida
aquilo que ela não é
e tomemos para nós
uma imortalidade inútil
como o avental de linho
que guardo para meu enxoval.
Façamos de tudo enquanto é cedo,
tomemos de nossas línguas
e de nossos torsos,
e deixemos para trás as lembranças
que não vingaram.
Ainda é cedo
e a vida espera por nós
no sexto batalhão das tropas rasas.
O que foi, cinza está
e o que é, para nós dois,
é dia de ação de graças

CANÇÃO PARA O AMOR CONQUISTADO

Amo a tua desenvoltura
(nuvem esgarçada em
céu de plástico)
e a tua ternura
de amor de pai
e observação de pajem.
Amo a tua sombra
que ora desvanece e ora vai,
preenchendo em mim
aquilo que pensei que tive
e me negaram;
a compreensão de um espírito libertado
e um amor de quenturas conquistado.

18 February 2011

CANÇÃO DOS AMANTES


Ama demasiado
aquele que nada faz;
o que não passa roupa,
nem se dá conta de que
hoje é quarta feira.
Para os amantes,
a importância do mundo
é  conta de centavos,
a não ser ter os lábios colados
feito dois grandes camarões siameses.
Quando o amante nu  perguntou
à  companheira refestelada:
"Que horas são"?
a paixão desgrenhada, coitadinha,
tinha acabado de pular a rubra janela,
para cair no azul.

CRÔNICA DE UM OUTRO

 O Pé de Pitanga não publica textos de outras fontes, mas relendo Fabrício Carpinejar hoje, achei que este deveria entrar no meu blog, que muito me agrada.
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AUMENTE SUA DELICADEZA ATÉ 28 CMS
(Fabrício Carpinejear)



O que leva o homem à impotência é o cuidado.

O que leva a mulher à frigidez é o cuidado.

O excesso de cuidado. Cuidado demais ataca.

Nunca vi uma mulher ou um homem gostar sem criticar.

O embaraço do sexo não decorre da ausência de intimidade, mas da intimidade. E da cobrança que vem com ela. Mais fácil gozar com estranhos.

Depois de partilhar meses e cadernos de jornal com nosso par, abandonamos o elogio. Passamos a cobrar e expor os defeitos para que sejam corrigidos. É o cigarro, é a alimentação, é a distração, é o pouco caso com o dinheiro, é a indeterminação do trabalho, é a preguiça. A convivência traz a preocupação com o namorado ou a namorada e uma esquisita vontade de interferir. Entre conhecer e mandar, é um passo. Ou um tropeço. As mais duras agressões não provocam hematomas, ocorrem em nome da sinceridade.

O amor é confundido com pancadaria. Um teste de resistência. Uma prova de esgotamento nervoso. Se o outro não quer, que vá embora, que desista do prêmio maior que é a confiança.

Há uma visão sádica que não ajuda nem o masoquista. Falta medida. Falta parar e recomeçar o namoro. Falta esquecer e perceber que o próprio passado não é imutável, não existe certo ou errado, que nem tudo por isso é duvidoso.

A eficácia mata o erotismo. O aproveitamento total do tempo do relacionamento não colabora com a vaidade. Custa um agrado antes de transar? Uma meia-luz de palavras?

Não estou pedindo para mentir, muito menos fingir, mas falar um pouco bem para acordar os ouvidos e despertar o interesse.

No início, os joelhos são venerados, os ombros recebem moldura de madeira, os cabelos são alisados com a decência de um espelho. As expressões afetuosas vão e voltam, repetidas com diferentes timbres. Todo homem no começo é, ao mesmo tempo, um tenor, um barítono e um baixo. Toda mulher no começo é, ao mesmo tempo, uma soprano, uma mezzo e uma contralto. Dependendo da região que toca, a voz muda.

Com a relação firmada, a excitação torna-se automática. O corpo tem que pegar no tranco.

A devassidão é trocada pela devassa terapêutica. Desculpa e por favor saem de moda. Como existe o trabalho, a casa, o dia seguinte e terminou a paixão (e somente os apaixonados são sobrenaturais e não sentem cansaço), o sexo pode ser mais prático, mais direto, pode até não ser. Na cama, estaremos falando dos problemas, das contas, do que deve ser mudado na personalidade. Não encontraremos paciência diante do relógio. Não vamos procurar cheirar a pele para atrair o beijo.

Eu compreendo perfeitamente quando um homem broxa se a cada instante é lembrado de sua barriga. Eu compreendo perfeitamente quando uma mulher decide dormir quando sua lingerie nova não foi reparada.

Nunca acusamos quem a gente não conhece.

Julgamos infelizmente quem vive nos absolvendo.

03 February 2011

CARTA PARA TOTONHO


Preciso lhe escrever uma carta hoje, Totonho,
lhe dizendo do meu sentimento de nós dois;
mas ocorre que aqui no meu terreiro
apareceu uma rosa desfolhada
feia, verdolenga, amassada,
e eu fui tratar de ressuscitar a rosa.
O dia está passando depressa, Totonho,
e a rosa não sara...
Fica hoje com meu sentimento, Totonho
que eu fico com a beleza estragada.