29 August 2006
MORTE EM VIDA
Morri três vezes esta noite.
Da primeira vez, fiquei assustada, porque não sabia ainda como se morria. Foi um paralisar rápido de todos os sentidos, e eu seqüestrada, dentro de mim mesma, querendo sair e totalmente amarrada, a mercê da soberania da falência dos sentidos Em questão de segundos, pensei em esticar meu braço, mas ele não respondia, o corpo estava imóvel, e estava inexplicavelmente muito escuro. Na tentativa de falar, gritei só por dentro, mas a sensação de partida logo passou e eu voltei, felizmente ao meu estado normal de pré-sono.
Não sei precisar quanto tempo se passou para acontecer a segunda morte. O ouvido zumbiu, um lençol negro desceu por sobre mim e meus olhos como que por magia se viraram 180 graus, piscando para dentro. Escuridão total, medo, contagem de segundos, e a volta não vinha... Tentei chorar, mas apenas chorava internamente e o meu corpo parecia alheio a vontade de subir.
A terceira morte aconteceu logo depois. Já havia me habituado a sensação de ida, e pude controlar melhor o sentimento de ir deixando pra trás as coisas do mundo, com uma consciência afiada e desconsolo de partir assim, tão cedo, sem despedidas.
Mas parece que o corpo pedia, e eu voltei de novo.
A ressurreição me pareceu natural, misto de alegria com curiosidade por ter chegado tão perto daquilo que chamam morte, desenlace da matéria e todos os meus sonhos fechados do cérebro que não se apagaram no transe. Com a ressuscitação, veio a certeza plena da lucidez após a divisão, a memória protegida e intacta da caixa preta de nós mesmos que registrara tudo, mas que não perdia nada.
As mortes que ocorreram em série foram penosas, à medida que me davam consciência daquilo que mais preservei e temi, a vida, a vida inserida dos pensamentos desconectados, frases largadas a esmo, que me viam a mente enquanto eu ia indo, como chamar alguém e escutar uma resposta dada há cerca de três anos.
Os olhos choraram, mas choraram as avessas, meu ser inteiro chamou por vida, mas o turbilhão me levava cada vez mais longe, à medida que as mortes iam se sucedendo.
Pensei em Deus, será que eu pensei? Acho que não pensei nem na divindade que ainda há dentro de mim. O que houve foi um redemoinho de vida se escoando por um ralo cerebral intenso, sem chance de estanque, turbilhão de vida vindo abaixo, nada mais que uma sensação de queda e escuridão de trevas. Não houve luz no fim do túnel, nem cheguei a vislumbrar uma fraqueza de brilho.
Morte, morte de vida, morte de matéria e corpo, morte total, e um cérebro vivo, cruelmente vivo, cheio de lembranças a serem levadas pra algum lugar fora daqui.
Morri três vezes essa noite, morri, morri, morri.
Mas se ainda morro em vida, todo dia um fiapinho de vida escapa de mim?
Sensação nem tão ruim, pra quem morre de noite e não vive de dia.
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