31 March 2009
PAR DE ASAS
23 March 2009
POEMA DO ALADO
AMAR UM PÁSSARO - O PRAZER DENTRO DA DOR
Quem já amou um dia sabe o que é ter a dor e o prazer do amor. “'Beleza, Bem, Verdade' sós, outrora; num mesmo ser vivem juntos agora,” de Shakespeare, englobam o que o amor inspira e o que amor transforma.
O amor é a modificação da natureza humana. Nasce-se insípido, neutro, sem ódio, sem amor, sem gostar, sem desgostar... E é já nos primeiríssimos tempos de vida, com os estímulos externos que se vai descobrindo do que se gosta e do que nos dá desconforto. Até o bebezinho, nas primeiras horas no mundo, já dá suas caretas de dor e prazer ante a água gelada e o colo morno. A vida é a mestra em ambigüidade, posto que sem se conhecer a dor, é pouco possível que desfrutemos do prazer. Segundo os Epicuristas, o prazer alcançado através da dor é muito mais prazer, já que não há o gosto realçado do doce, sem nunca ter se conhecido o amaríssimo amargo.
Se o amor é o modificador da humanidade, não seria a dor, também, modificadora do gênero humano, embora em outra polaridade? O que seria dos seres humanos sem o amor? Reles animais predestinados à procriação e perpetuação da espécie? E o que seria dos nós, seres humanos, sem a dor? Ainda primitivos, encavernados, silentes, não tendo absolutamente nada para nos preocupar e isentos da vontade de evolução. Não teríamos descoberto o fogo, que nos aqueceu nas noites frias, nem a batata assada, e assim estaríamos a comer peixe cru e a roda seria o sonho até agora, não sonhado.
Amar um pássaro é isso. Dor e prazer na mesma intensidade. De que é feito um pássaro? Dor da partida, freqüente e desvairada; prazer no retorno, imenso e recuperado.
Se eu fosse bióloga, (e deve existir alguns que estejam me lendo), pensaria com a cabeça dos biólogos, e com todo o meu respeito, diria como eles diriam, aquilo que eles vêem:
subst m pássaro ['pasɐru] pequeno animal de penas que voa.Contudo, não sou bióloga, e sim poeta. O poeta não vê as coisas como as outras pessoas vêem, mas da forma como essas coisas são. Um pássaro para um poeta, é um emissário do destino e um transporte para a liberdade. Em suma, um pássaro é a própria viagem emplumada; sem ele não haveria sentido do imaginar ficar e o retomar do vôo.
Portanto, amar um pássaro é amar um ser transeunte, um ser que está de passagem, que não tem parada. Os ninhos, para os pássaros, são meramente berços de criança; depois da fase to tatibitate, adeus berço e adeus aos tempos de dependência controlada; o ar é a sua casa.
Amar um pássaro é simultaneamente pertencer e desapertencer de alguém, é não querer mais regras nem horários, é falar de céu e respirar de ar. Um pássaro não conhece o medo, pois o medo é parte intrínseca da trajetória do espaço, posto que não havendo bases, só a preocupação leviana de mares a cruzar, nuvens a alcançar, rotas a perseguir. O pássaro que está no chão, está ali por pouco tempo, pois sabe que o chão lhe representa o risco e o que lhe inspira é anti-natural.
Amar um pássaro então é travestir-se de pássaro, pois os pássaros jamais poderiam compreender um amor de lesma, que só ama o chão. Se um pássaro se apaixonasse por uma lesma, e com ela quisesse plenificar essa paixão, teria que se conformar em ser terreno, e perderia assim, a sua identidade aérea que lhe confiaram. E se a lesma, apaixonando-se pelo pássaro, poderia desistir da sua virtude de pó, almejaria ter asas, e não as tendo, por saber e conhecer apenas de solo, se mataria de amor ou de perdição por este amor platônico e impossibilitado. É a realidade essencial. O mundo da matéria seria apenas uma sombra que lembraria a luz da verdade essencial.
Disso pode-se concluir que o amor Platônico é uma interpretação equivocada do conceito de Amor na filosofia de Platão. O amor em Platão é falta. Ou seja, o amante busca no amado a Idéia - verdade essencial - que não possui. Nisto supre sua falta e se torna pleno, de modo dialético, recíproco.
Na impossibilidade de ser pássaro, e para se amar bem um pássaro, é necessário ser ambíguo: ter asas na mente e a posição de sentinela que nos gruda ao chão. Nas impossibilidades que se quer suplantar, para o que pássaro se deite, é preciso desejar ser ar.
Wm suma, para amar um pássaro, tente revestir-se primeiramente de uma coisa louca chamada “liberdade” que muitos conhecem e pouquíssimos praticam. Liberdade significa a bênção generosa à hora da partida, a amorosa permissividade, a tresloucada confiança e a fé nos ares que o pássaro irá cruzar. Para amar um pássaro, não basta ter-se providenciado um par de asas fictícios e um coração de prata que resiste a tudo; é necessário também entender de solidão voluntária, a solidão pesada daquele que fica, e não a solidão involuntária e feliz do pássaro, já que este irremediavelmente suscita a solidão dos vôos, na partida. O que fica, aquele que não é pássaro, passa então a projetar mentalmente os mapas que a solidão certeira do outro cruzará, e sente internamente aquele prazer momentâneo de amar dentro do espelho do amor do outro: a dor no prazer e o prazer da dor.
Resumindo: se você não é pássaro e ama um pássaro, não seja como a lesma que amarga sua condição de impossibilidade rastejante. Revista-se do luzeiro da jornada e da missão do seu pássaro, acerte seu tempo biológico com o espaço , pense como o pássaro e aja como se fosse um deles, assim, o amor que existe em um passa a amalgamar-se no amor viajante do outro, que só poder dar numa coisa: um amor só, bela pintura arredondada que gira e prossegue, que se finca na terra, mas que atrai a luz.
Se você, algum dia, já amou um pássaro, compreenderá o que escrevo, e se não amou ainda, desejo-lhe que lhe aconteça um amor de asas de independência, que lhe fará livrar-se dos grilhões do egoísmo e da estreiteza das verdades.
O mais lindo disso tudo, se é que ainda haja mais lindeza no amor, é que os pássaros que não se engaiolaram sempre voltam para aquilo que deixaram, senão pelo prazer da volta, para também exterminar a dor da ausência que se criou em liberdade. É a dependência da medida exata da liberdade que se ofertou. Para aumentar o prazer, é necessário aplacar a dor.
Novamente, segundo os Epicuristas, é na antítese da dor que entendemos do prazer, no todo. Portanto, esta, que já sofreu as agruras da repressão , da insistente liberdade vigiada; que já carregou as pesadas bolas de ferro nos calcanhares e que perdeu seu sorriso na falta de extensão; esta que tinha como destino o infinito, mas que vivia encalacrada com os medos das próprias pegadas, agora ama um pássaro, vê-lhe a beleza aérea, , volátil, admira sua destreza de leveza inculpada na partida, carece-lhe dos lances de impetuoso arroubo e o pouso das surpresas breves.
Aos homens pássaros, dedico um amor de poeta sem asas, sem contudo deixar de dizer que foi no prazer dentro da dor que venho aprendendo a voar, eu mesma, dentro da minha vasta liberdade individual, que me expõe nua, aos outros que me lêem, que mostra a minha cara lavada e deslavada, que vem a ser a poesia, libertada e indomada, e que modestamente chamo de minha poesia máxima.
Minha poesia e eu hoje, entendemos de asas. E entendemos também de amar um pássaro.
19 March 2009
POMA DO SEI E DO NÃO SEI
18 March 2009
POEMA PARA CHAMAR UM SONHO DE IRREAL
16 March 2009
PARA GOSTAR DE LER
Eu já gostei de ler. Já adorei ler. Penso como é incrível a força que o verbo "adorar" tem. Eu digo que "adorava ler" e você me compreende na extensão da força e do termo apaixonado.
Pois ler era para mim a comida do prato e o sono da madrugada, imprescindíveis. Gosto de pensar que nasci lendo... minha mãe me aleitando, e eu, com dias de vida, e de olhos enrabichados no jornal por sobre o sofá...
Ainda bem menina, li o que viesse; jornal, revista, almanaque do biotônico, poesia rimada, pensamentos dos cadernos alheios, romance proibido, romance permitido, até as leituras mais pesadas, impróprias para a minha idade, como os livros que meu pai lia, de Pearl Buck, com narrativa engenhosa sobre os costumes e personagens pesarosos da China, de paisagens de campos de arroz e de descrição das fétidas comidas armazenadas. Tenho ainda em mim as sensações vibrantes face às picantes passagens de O Amante de Lady Chaterley, de DH Lawrence, que continham um erotismo rasgado e simultaneamente enamorado para as minhas ainda inexistentes experiências de sexualidade .
Um dia a velha senhora chegou... a idade dos óculos de grau. Cegou-me para a leitura.
Passei a enojar ter que vestir um par de massas de vidro dentro. Meu ar de graça rodopiou-se, fiquei uma coruja bi-glassada, de olhos curtos, de mente enviesada, a narrow-minded das literaturas nacionais e importadas.
O embaço das retinas fez comigo o que Deus fez com o Mar Vermelho de Moisés... dividiu-me ao meio. Ainda era preciso ler, mas a leitura ficou um bicho seletivo e velho, preguiçoso... só queria ler o que fosse rápido, o que fosse mastigável e instantâneo.
Isso vai me levar quantos dias de leitura? Três? Então não leio, e em vez disso, leio a barra codificada do achocolatado que me adverte do preço.
Entretanto, aquele que me ama, me advertiu, sereno: "Acho que você lê tão pouco..."
Não me ofendi, como pensariam alguns... uma discípula de letras como eu, não se ofende por causa das letras, nem por falta delas, posto que as letras estão em mim... contudo, meu orgulho de poeta refratrário me espetou o espírito.
Hoje fui visitar meus velhos livros de amor. De amor, mas não necessariamente românticos. Um amor que lhes foi dedicado, e que eu, como um marido farto, abandonei, fingindo que ia comprar cigarros. Devo ter dito aos livros: "olhe, vou até ali, mas volto já", e nunca que voltei mais.
Nao foi um tempo delicioso que passei distante dos meus livros (centenas, com certeza, todos aqui, constantes e enfileiradinhos).
Foi um tempo árido esse em que fiquei distante, tempo em que construí sobre areias, um barraco de sal. Tempo de movediça e tempo de resgate. Um tempo que passei a discutir comigo mesma o que vejo que foi indiscutível, a falar comigo mesma em frente ao espelho, narcisa e incapaz, e vez ou outra, escutar lânguidamente os outros; tempo de saber e depois descobrir que não sabia coisa alguma que me fosse útil, tempo de discutir as relações com as pessoas e me encontrar, de súbito, sem as pessoas e sem compreender as relações, e principalmente, eu mesma, em meio às pessoas.
Penso que deixei de ler porquê me julguei mais sapiente do que o sábio, mais luz do que o iluminador, mais forte do que a motriz da força. Meu engano não foi parcial nem medial; foi inteiro.
Quem me disse o que me disse estava convicto do que dizia: quem lê não pode e não deve ser traído, nem iludido, muito menos enganado, ou pelo autor, ou pelas personagens (as vezes somos enganados conosco mesmos na leitura, mas isso é quando achamos que a história é parecida com a nossa história; mas isso é bobagem; nenhuma história é igual e ninguém nem nada, se compara a coisa alguma).
Por isso, hoje retomei a visita aos livros, o que me fez um bem danado... Chego a esboçar um sorriso agora quando me lembro que peguei em minhas mãos o livro que ganhei de presente de minha mãe num Natal, o de Cecília Meirelles, poesias selecionadas. Nele Cecília falava de uma solidão interminável, e neste momento, tive a certeira intuição de que nem pude entender de solidão naquele Natal lá trás, a solidão em seu estado puro, gênese da humanidade e particularmente a minha que vivo. Hoje a solidão de Cecília é curiosamente a mesma solidão desta Cecília de já.
"Imensas noites de Inverno, com frias montanhas mudas, é o mar negro, mais eterno, mais terrível, mais profundo."
Para gostar de ler, é preciso roubar a alma do outro, é preciso coabitar dentro do hábito daquele que escreve, bater o próprio coração ritmado naquele coração que bateu bem à hora da escrita... é preciso ter fôlego de gato, vencer as páginas com a visão do fim, saborear o entremeio com sofreguidão e curiosidade, precipitar a antevisão frente à conclusão, e afinal, bater capa com capa e dizer: "Valeu".
Faço neste momento, um pedido de perdão a N. Sa. da Leitura, que como tantas Nossas Senhoras, de igual misericórdia, por ter me retirado os nós deste ato nobilíssimo e superior, que é o de me debruçar sobre as páginas dos pensamentos alheios.
Muito se aprende com os outros, disse-me um terapeuta de ocasião... Deve ser verdade, se não o fosse, os livros não estariam sendo publicados, e conforme todos já sabem, nosso país que já lê tão diminutamente, não leria jamais. E neste momento, também nenhuma alma me leria, como está lendo neste momento, o que muito me enternece e grandemente me responsabiliza.
E a leitura não obrigatória também nos leva a lugares que jamais visitaríamos se não estivessemos dentro da história daquele escritor. Viajar de graça, sem sair do lugar e sem precisar fazer malas também é um negócio incrível, posto que a viagem é alheia, mas para aquele que a lê, as imaginações sempre serão as nossas, o que me dá uma sensação especial de produtor de cinema ou diretor de arte. Coisa incrível é mexer com o mundo imaginário, e se os séculos se passarem e eu ainda estiver aqui, gostarei de saber que fui a coordenadora de minhas próprias imagens do mundo que passou, que é, e que ainda virá a existir.
Gostarei de ler novamente; sou aquele filho pródigo das quintas rurais que suplica, com humildade a seu pai, uma nova oportunidade, e este, soberano em sua bondade, manda que venham os anéis de ouro, a manta bordada, as sandálias de couro.
Leitura de discernimento, que me encherá novamente dos meus mais ricos bens; dela preciso do benefício dos aromas de conhecimento breves, das sabedorias que só se encontram depois de uma busca até a clausura, do desvendar das frases em cortejo pela iluminação das idéias, e da consolação do tempo que passou, perdido.
E que venham as crônicas saborosas de Rubem Alves, os contos densos de Lispector, que venham novamente os sermões de Padre Vieira, as distorções de Kant, os ricos ensejos de Kafka, as narrativas enternecedoras de Paulo Mendes Campos como a primorosa " Para Maria da Graça", o punho genial de vernáculos inventados de Guimarães Rosa e a releitura de Clarissa, que Veríssimo me despertou em infância, e que marcou tanto, a ponto de desejar na inverdade, um amor pueril e franco.
Para gostar de ler, não é preciso apenas tempo. Nem dinheiro. Nem entusiasmo.
É preciso apenas se despir da presunção e se vestir da coragem da humildade.
12 March 2009
PARÁBOLA
PUERIS
como na brincadeira de criança
e rodopiemos, até ficarmos exaustos
e os suores nos pregarem nas costas do espírito
a fim de não mais nos desgrudar.
Sejamos infantis novamente,
sejamos pueris, tontos, latinos
da efervescência do sangue
às idiotices da razão.
Sejamos o que sejamos,
mas sejamos nossos
e esperemos a morte como os dois pardais
que vivem o dia do hoje
do dia de amanhã.
POESIA
POEMA DA DESCONCERTAÇÃO
como um tiro estupendo de matar rolinha
para dentro do meu peito
e que explode, súbito,
feito aquelas caixas que lançam
lenços coloridos do mágico aprendiz.
Parte, estoura e colore
essa existência triste, desesperançada,
que é como se fosse o nascer esplêndido de uma estrela,
em meio às trevas assombrosas do meu medo,
ainda que fosse anã.