21 August 2006

O VELHO CONSELHEIRO


(Poema escrito após conversa com um frei, de poderes ditos milagrosos, cuja impressão não pude deixar de registrar)


Estive hoje contigo, velho conselheiro
Fiquei observando teus dedos nodosos
E a tua mão, longa e ressequida.
Um par de olhos verdes
Era o único traço de animosidade que trazias,
Numa cara irremediavelmente conformada, profissional,
Sem as claridades da sabedoria e curiosidade

Pensava comigo o que poderias trazer de novidade
Confesso que ardia intimamente
Para que um enorme mistério fosse desvendado,
E que de dentro de tua boca modorrenta
Palavras de inteligência pudessem desembocar
Em serenidade, confiança e agrado

Enquanto falavas, com tua voz
Semi-tonada, desafinada,
Um tanto alta, um tanto baixa,
Pensava nas tristezas lá de trás, na minha meninice
Nos meus sonhos desfeitos,
E tentei assim apreender de ti
Uma bondade que em vão havia.

Senti um desalento ao constatar tua rala experiência
O que havia de novo, vibrante, mágico
Pois se até teus olhos claros se desviavam de mim
Como se me julgassem indigna de ti?

Tentei então manifestar um pouco da minha graça
Dizer-te enfim de quão especial eu fui, e tenho sido
Das sutilezas sulcadas em minha face,
Das ardilosas armadilhas me que cercaram de noite,
Dos desvios impensados no caminho,
Da eterna rendição diária a maltratar-me a alma...
Entretanto, tu não soubestes absorver as divindades
Já que aprecias somente a mediocridade

Tossias banalidades...
Ali me quedei, silente
A ponderar que já não há mais poesia,
Não há mais milagre,
E a grandeza que aqui julgávamos,
Esta sim, deve habitar atmosferas mais altas.

Parti. Mais triste que outrora.
Porém, o que me surgiu,
Foi um resquício de maldade e fúria
Não pelo que tu disseste,
Mas pela tua postura fatal de ancião fadado
A não ter vida nem morte na tua santidade.

Instalou-se em mim a primária angústia do mundo
Tanto que trouxe para casa
O sentimento de que tão pouco pude fazer por ti,
Por não ter te despertado a misericórdia do próximo,
Por não ter te livrado da miséria humana que tu também me apresentavas,
Da inutilidade do meu sorriso de adeus,
Meu balbucio de frivolidades em apressado escape.

Depois, já longe, veio-me o medo
Medo de me tornar o que tu já és neste momento.
Infeliz, indiferente, pobre.
Velho conselheiro, de quem eu não trouxe nada,
E eu que cheguei um dia a invejar-te a sorte!

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