31 August 2006

MAIS GENTE IMPORTANTE


Lindo...que saudades da mamãe...
Esta festa é muito dela, porque nós somos ela também. Se nós estivermos felizes, com certeza ela também estará.
Beijos e muito obrigado.
Paulinho

Maria Cecília!
Parabéns pela iniciativa! Vamos preencher o cyberespaço com poesia!
Abraços do
Sérgio Grigoletto
Clube Amigo das Letras

Gostei, blog sempre atualizado.. agora precisa de um poema sobre a filha!
Clarissa

Aeeeee
q beleza que ficou seu blog hein mãe?
Parabéns... vc mais uma vez ta provando que é uma pessoa de talento
Beijos
André


Parabéns!!!!! Muito lindo!
Adorei as poesias!
Suas fotos estão maravilhosas, tudo perfeito, tem a sua cara.
Beijo grande
Moniquinha



Cá estou para mostrar te
que o seu blog está no ar
assim como o pé de pitanga
agora todos podem se deliciar

Bjos

Artur Sigrist

GENTE IMPORTANTE


Oi, Cecília,
Fiz um comentário, mas o blog não aceitou. Então faço aqui mesmo. Criatura, andamos sumidos mesmo um do outro, o que é uma pena. Entrei no seu blog, passeei por lá e gostei do que vi. Aquele primeiro poema, Deus do céu, é bom demais.
Delicadeza e serenidade mesmo em face da dor. É sua marca.
Beijos
Menalton


Parabéns, Cilinha!
Está simplesmente maravilhoso o seu Blog. Wilma e eu lemos todas as suas
poesias, todos os seus trabalhos, e ficamos muito emocionados. Tentei
comentar alguns deles "in loco", evidentemente para elogiar, mas meus
conhecimentos muito fracos em computação não permitiram. Espero aprender
logo como se faz isso e, assim, poder me manifestar melhor.
Um grande beijo do tio e padrinho que sempre a admirou muito e, agora, mais
ainda!
tio Amilton


Querida prima
muito legal seu blog,
parabens e continue com seus escritos.
Em especial, foi muito bom ler este da casa da vovó.
Pra ser sincero fui lendo ansioso pra ver se falaria um pouco de nós, rss.
No dia que escrever um pouco sobre nossa infância em comum, não se esqueça de me contar.
um grande bj pra vcs todos e saibam que continuo amando vocês.

Fernando S. Monteiro

CAFÉ PRETO


Derrubo café preto para dentro da xícara azul marinho
Cor entra na cor
O azul se ressente da intrusão do negro
Preto, ousado, delicia-se,
Alarga-se,
Ocupa todos os espaços nas
Microscópicas reentrâncias,
Exalando seu cheiro
Ocre, erótico, indiano,
Para finalmente desprender sensual fumaça castanha
Que vem para fora em anelamentos de satisfação

E se esvai, se esvai,
A provocar na xícara imóvel
A plenitude densa dos aromas,
Para em suave retração,
Ir se perdendo o fogo
De há pouco retirado

Amor físico – café quente
Xícara de negro azul – alma de mulher,
A abrigar calor,
Embora por momentos.

30 August 2006

AZUL


Se qualquer cor pudesse lhe pintar
Lhe pintaria de azul, meu bem
Do frio das porcelanas
Das roxas framboesas embebedadas de sabor
Fundo triste de rio, azul esverdeado, turvo,
Feito o azul consentimento da sua boca,
Dentro do seu sorriso largo e bom

Eu lhe daria a cor do amor perfeito
Junto com o tom mais belo das orquídeas
Quando brotam azuis no seu quintal
E lhe enviaria sinais noturnos de lazuli em breves flashes
Eu lhe daria uma turmalina em sonho
Que não é meu sonho, porque não sonho mais

Lhe alegraria em puro ar, dos ventos
Arrebentando espaços, formando o firmamento
E me divertiria ao vê-lo, tão azulejado
Na cor mais soberana dos pavões
Ou das águas tintas de um mar
Que não conheço
Mas esse mar existe,
É parte do seu mundo, e não do meu

Que o azul roubado dos céus de algum lugar
Seja seu anil, meu bem
Do fundo das frutinhas cor de aniz
Feito azuritas, as pedras de safira,
Que seu azul entende
Mas que só percebo, não compreendo bem

E eu, aqui, que não possuo cor
Nem coisa alguma almejarei um dia
Eu, que sou o negro fadado a confusão,
Ausência plena de luz, tão longe da sua graça
Em busca do socorro de suas tintas
Bebo do seu sopro, morno e azulado
E me declaro,
Sou seu azul também.

29 August 2006

PÉROLA


Qual ostra que produziu sua dor
Em pérola macerada e escondida
Produzi a pedra de sofrimento em mim
Em forma de lamento e poesia
Cada poema que brota em mim é dor
É ferida em sentimento em meio à lágrima
Nào há o que faça pra interromper o pranto
Ele carrega minha história em mágoa

MORTE EM VIDA


Morri três vezes esta noite.
Da primeira vez, fiquei assustada, porque não sabia ainda como se morria. Foi um paralisar rápido de todos os sentidos, e eu seqüestrada, dentro de mim mesma, querendo sair e totalmente amarrada, a mercê da soberania da falência dos sentidos Em questão de segundos, pensei em esticar meu braço, mas ele não respondia, o corpo estava imóvel, e estava inexplicavelmente muito escuro. Na tentativa de falar, gritei só por dentro, mas a sensação de partida logo passou e eu voltei, felizmente ao meu estado normal de pré-sono.
Não sei precisar quanto tempo se passou para acontecer a segunda morte. O ouvido zumbiu, um lençol negro desceu por sobre mim e meus olhos como que por magia se viraram 180 graus, piscando para dentro. Escuridão total, medo, contagem de segundos, e a volta não vinha... Tentei chorar, mas apenas chorava internamente e o meu corpo parecia alheio a vontade de subir.
A terceira morte aconteceu logo depois. Já havia me habituado a sensação de ida, e pude controlar melhor o sentimento de ir deixando pra trás as coisas do mundo, com uma consciência afiada e desconsolo de partir assim, tão cedo, sem despedidas.
Mas parece que o corpo pedia, e eu voltei de novo.
A ressurreição me pareceu natural, misto de alegria com curiosidade por ter chegado tão perto daquilo que chamam morte, desenlace da matéria e todos os meus sonhos fechados do cérebro que não se apagaram no transe. Com a ressuscitação, veio a certeza plena da lucidez após a divisão, a memória protegida e intacta da caixa preta de nós mesmos que registrara tudo, mas que não perdia nada.
As mortes que ocorreram em série foram penosas, à medida que me davam consciência daquilo que mais preservei e temi, a vida, a vida inserida dos pensamentos desconectados, frases largadas a esmo, que me viam a mente enquanto eu ia indo, como chamar alguém e escutar uma resposta dada há cerca de três anos.
Os olhos choraram, mas choraram as avessas, meu ser inteiro chamou por vida, mas o turbilhão me levava cada vez mais longe, à medida que as mortes iam se sucedendo.
Pensei em Deus, será que eu pensei? Acho que não pensei nem na divindade que ainda há dentro de mim. O que houve foi um redemoinho de vida se escoando por um ralo cerebral intenso, sem chance de estanque, turbilhão de vida vindo abaixo, nada mais que uma sensação de queda e escuridão de trevas. Não houve luz no fim do túnel, nem cheguei a vislumbrar uma fraqueza de brilho.
Morte, morte de vida, morte de matéria e corpo, morte total, e um cérebro vivo, cruelmente vivo, cheio de lembranças a serem levadas pra algum lugar fora daqui.
Morri três vezes essa noite, morri, morri, morri.
Mas se ainda morro em vida, todo dia um fiapinho de vida escapa de mim?
Sensação nem tão ruim, pra quem morre de noite e não vive de dia.

28 August 2006

A CASA DOS CHEIROS


Uma vez por ano, passávamos as férias na casa de minha avó materna.
Mamãe, por ocasião da visita anual, costumava deixar um ou dois filhos, cumprindo a profecia das composições escolares, para tornar a buscá-los semanas depois.

A casa de minha avó tinha um caráter austero; simples, elegante, limpa, e ao mesmo tempo, superior e arrogante: impressionava. Comprida, pé direito alto, corredor que levava ao além da vida, uma passadeira bem cuidada conduzindo ao ponto cardeal extremado da casa : banheiro, cozinha e quintal.
Este mesmo corredor, próximo ao burburinho, ostentava a única modernidade que a casa poderia suportar: duas geladeiras robustas, barulhentas, de motor inquieto, com maçanetas lembrando porta de “ford” velho – uma para as comilanças de todo o dia, e a outra, entupidinha de doces caseiros, cidra, abóbora com coco, doce de mamão em espelhinho, umas delícias que nunca se acabavam, ao contrário, miraculosamente se renovavam. Doce de leite pastoso, goiabada em gomos, compota caprichosamente colocada em cristais, geléia de mocotó, ruim, ruim, ruim...
Cozinha pequena para tanta gente, sem mistérios, onde pouco entrei, e pouco observei – exalava a nata de leite gorduroso que ficava sobre o fogão a lenha, e a multidão de panelas e tachos, cores e tamanhos variados, barro, cobre, latão, cada um com seu destino de ter sido separado para ser do doce de figo, do frango, do sabão.

O quintal era fedidíssimo, em bizarro contraste com a casa, muito responsabilizado por uns poucos patos e galinhas que habitavam ali, fazendo não sei o que, visto que nunca vi que morriam ou se sacrificavam por refeição alguma. Ficavam confinados a um pequeno galinheiro de arame, com potes e potes de água verde, repletos de penas e grãos de milho desperdiçados. Não passavam de uma cerca baixa, mal pintada e rústica, porém, na minha memória, soltíssimos, quase chegando ao quarto onde dormíamos.

Vovó era uma mulher de métodos. Com ela não havia improvisação – nada de colchões no chão, acampamentos feitos à última hora para os que chegassem sem aviso.
Os quartos da frente eram sempre reservados aos netos que vinham de longe; não havia indagações sobre onde dormiríamos, Era sempre lá, no cômodo pequeno da frente, com duas camas noviças, sem rococó ou traço ínfimo de feminilidade – camas de dormir, encostadas em cada lado da parede, separadas por um tapete de retalhos do artesanato próprio da casa – meu Deus, quem se ocupava com aquilo ?

Os cheiros da minha infância são notadamente marcados pelo odor da roupa de cama da casa de minha avó. Hoje, adulta, com uma pequena experiência em alquimias de cozinha e tanque, chego a pensar que vovó caprichosamente temperava as essências de sua casa para que fossem eternamente lembradas e únicas - a roupa de cama, branca, hotelesca, cheirava a sabão de cinza, produzido lá mesmo no quintal, mas que não trazia o cheiro dos patos, mas sim o da lida, o da esfrega, do esforço bruto de manter a ordem e disciplina.
Cada cama escondia um urinol – de ágate branco, quebrados nas pontas – que eu francamente nunca pude compreender. Diariamente eram retirados e recolocados como que por magia, guardiões do meu sono perturbado e vigilante.

Por sobre cada cama, eis que vovó surpreendia. Pendurados, exatos em tamanho, mas em diferentes poses, havia imagens de anjos-criança, com o fim exclusivo de abençoar o sono de quem estivesse abaixo.
Anjos crianças demais, com pouca maturidade e experiência, e o que produziam, na verdade, era um inconfundível pavor ante tão pouca segurança, à medida que as luzes da casa iam se apagando, e vovó, resoluta e fria diante do meu pedido desesperado e pouco convincente por um pouco de luz, ia exercitando em mim a negritude do futuro, e com gestos decididos, escurecia minha visão e aumentava as sombras do meu pânico.
Casa de forte comprometimento católico, exalando básicos odores de velas do cristianismo através de crucifixos e santos muito simples, meu sono nunca chegava antes que meus olhos não resistissem mais às longas piscadelas , e à espreita eterna de que os anjos-nenês iriam reclamar do trabalho dobrado de guardar meu sono.
Meu corpo pequeno, magro e sempre frio, parecendo ter sido vindo de alguma era glacial, não deitava, ficava. À simples idéia de me virar um pouco produzia em minha mente a culpa inexplicável e trágica por não apreciar as sombras gigantescas que a parede produzia por um poste que mal iluminava a calçada no lado fora.

Chego a pensar na crueldade com que minha avó atormentava também as crianças-anjo, que não queriam abençoar ninguém, medo terrível de ficar guardando um quarto, sorrisos forçados por sobre crianças eventuais e forasteiras, a observar continuamente as sombras se formando, tendo que suportar o ritual satânico do abandono das luzes e o surgimento das trevas, estendido noite adentro, sem indícios de rebelião.

O relógio da sala de jantar marcava as horas histericamente – bate até hoje bumbado no meu coração. Por volta da meia noite, minha mente trazia os patos lá de fora – lá vinham eles, desajeitados, rebolantes, decididos, porém, atravessando toda a península da casa e invadindo os quartos sem nenhuma explicação.

Porque nunca esquentava ? – Ao contrário, as temperaturas baixas se prontificavam a declinar cada vez que eu me revirava: - faltava um cobertor, havia um cobertor, faltava o abraço de boa noite, não faltaram abraços, faltava o amor, mas amor também estava ali, cumprido e realizado em ações devocionais de culinária e limpeza absoluta através dos passos diligentes.

A casa de minha avó foi magia para meus olhos de pequena.
Pela manhã, depois de uma noite torturante e densa, tão certo como a vida, vovó abria a porta da frente à hora que o sol surgia, negra, paramentada de terço e véu, as chinelas se arrastando, pesadas correntes que me despertavam.

Daí as flores surgiam, os brincos de princesa da minha meninice, a pimenteira vermelha brava plantada junto ao muro caiado, os dias azuis, a liberdade sem freio...
As idas à bica da minha infância, verde água da cor do bambuzal, viçoso e lúdico, a água da mina confinada em cano, jorro de alegria para a alma de criança, espírito aprendiz da liberdade e poesia.
A existência do oleiro logo abaixo, a primeira consciência da forma, da produção do vaso de barro e o meu espanto ante a arte primeira, a simplicidade da arte, o fascínio das horas que não passavam, com todos os bichos soltos na minha imaginação.
A poesia das borboletas alaranjadas, levezas em tontura, simplérrimas, o revoar delas, desordenado na minha memória, a decorar as árvores da minha infância, raízes saltadas para fora da terra, a alma de criança aprendendo com a solidez e a competência da vida.

Um dia parei de ir. Vovó havia se mudado.
A casa passou a ser uma casa de esquina, meio que velha demais para o quarteirão, até que bem mais feia do que antes. Há bem pouco tempo me contaram que virou restaurante – triste fim para o que fora misto de sombras e delírio.
Alma de criança aprendendo a vida, a distinguir as cores, a contrastar o belo e a escuridão, a acreditar que há escuridão entremeada à luz, que há bicas, há oleiros, que ainda há vasos de barro e jorros de alegria vindos da mina em meio a bambuzais de sonho...
As cores da minha infância, os matizes dos meus poucos anos, os devaneios que se cumpriram, todos eles estão vivíssimos dentro do peito desta mulher que ainda sonha, desta mulher madura.
A casa dos cheiros também.

23 August 2006

XÍCARA DE CHÁ


Quando meu amor me deixa, e diz que volta já
Todos os oceanos, as águas do desejo,
Ele leva embora,não se importando agora
Se há secura ou desespero na razão
Me deixa pouco, tão pouco ele me deixa
As águas renascidas da saudade
Que um mar inteiro ,
Cabe solitário numa xícara de chá.

22 August 2006

PRENDER UM BEM II


O que devo fazer para prender um bem?
Se choro e vela, súplica, novena
Promessas impossíveis a santos destinados
A realizar o bem em forma de milagre
Pudessem resolver esta questão,
Então eu te faria, meu bem que é tão amado,
Todos os feitiços e orações
Pra te prender, bem perto do meu lado,
E não te deixar vagar na imensidão.

- meu bem não acredita em santos, nem diabo -

BOLINHAS DE CUSPE


Quando a gente é criança descobre umas besteiras que ficam a vida toda com a gente.
Eu devia ter uns cinco ou seis anos, talvez até mais, porque criança de antigamente, mesmo grandinha, tinha a cabeça de menino de seis.
Morávamos numa casa cujo quintal é a única lembrança que posso guardar. Tinha um cimentão branco, escorrido, e quantos raspões nos joelhos não tivemos ao meio a todas as brincadeiras!
E era isso só. Um quintalzão largo, com uma escada empinada e alta, sem capricho e corrimão.
O sol batia forte, inteiro. Esparramados no chão, ali estávamos nós, os pequenos, brincando com as coisas da época, que era uma salinha de estar e outra de jantar, meticulosamente feitas de caixas de fósforos. Que graça de mobília! Que vida miniaturizada de então!

Papai e mamãe deviam estar viajando por aqueles dias. Nem sei quem tomava conta de nós, porque na verdade, acho que nem precisávamos de muita supervisão. Era o quintal o mestre, a empregada, o companheiro...
Sentada num dos primeiros degraus, perguntei à minha irmã Suzana, quando papai chegaria. Diante da pergunta inusitada para uma criança assim tão pequena, longe da escola e sem noções de abstrato, minha irmã, que ainda tem dois anos mais do que eu, e portanto, mais vividinha, pôs-se a passar o dedo indicador na língua e a sorver um bocado de saliva.
Ia molhando a ponta do dedo e imprimindo ao cimento umas bolinhas de cuspe, uma atrás da outra, a fim de mostrar concretamente o número de dias que faltava para a chegada.
Pobre Suzana... O sol competia rapidamente com as marquinhas, tão grande eram elas em número, e ia apagando rapidamente o esforço, o tempo, o vácuo.

Fico até hoje sem saber quando papai e mamãe voltaram. Só o que vi é que foram muitas as impressões no cimento.
Assim ainda a vida se mostra para mim.
O sol bateu inclemente sobre o meu coração, que não deixou nem lembranças concretas neste cimento quente.
Ainda sou aquela que não aprendeu a abstrair a vida, que não aprendeu a sair do degrauzinho, que ficou observando o desaparecimento do real, do esforço do real; que se agarrando as lições dos outros, incompreensíveis, altas, ainda assim, franze a testa, e diz que compreende.
Sou ainda aquela que se ficava em cócoras, agarrada aos paninhos, os olhos esbugalhados, olhando assombrada a vida esmaecer-se, a não entender o óbvio, a falta, o nada.
Eu sou aquela que não viu o portão, que não sabia que existia um portão, que se deixou ficar naquele quintal, que não se libertou porque simplesmente não soube, e que sente medo, um medo terrível do concreto, da razão.
A vida continuou tórrida, e o que sobrou, foi a limitação do quintal, a coisa árida, a total ignorância das coisas, e até hoje, como diria... sem nenhuma supervisão.

21 August 2006

O VELHO CONSELHEIRO


(Poema escrito após conversa com um frei, de poderes ditos milagrosos, cuja impressão não pude deixar de registrar)


Estive hoje contigo, velho conselheiro
Fiquei observando teus dedos nodosos
E a tua mão, longa e ressequida.
Um par de olhos verdes
Era o único traço de animosidade que trazias,
Numa cara irremediavelmente conformada, profissional,
Sem as claridades da sabedoria e curiosidade

Pensava comigo o que poderias trazer de novidade
Confesso que ardia intimamente
Para que um enorme mistério fosse desvendado,
E que de dentro de tua boca modorrenta
Palavras de inteligência pudessem desembocar
Em serenidade, confiança e agrado

Enquanto falavas, com tua voz
Semi-tonada, desafinada,
Um tanto alta, um tanto baixa,
Pensava nas tristezas lá de trás, na minha meninice
Nos meus sonhos desfeitos,
E tentei assim apreender de ti
Uma bondade que em vão havia.

Senti um desalento ao constatar tua rala experiência
O que havia de novo, vibrante, mágico
Pois se até teus olhos claros se desviavam de mim
Como se me julgassem indigna de ti?

Tentei então manifestar um pouco da minha graça
Dizer-te enfim de quão especial eu fui, e tenho sido
Das sutilezas sulcadas em minha face,
Das ardilosas armadilhas me que cercaram de noite,
Dos desvios impensados no caminho,
Da eterna rendição diária a maltratar-me a alma...
Entretanto, tu não soubestes absorver as divindades
Já que aprecias somente a mediocridade

Tossias banalidades...
Ali me quedei, silente
A ponderar que já não há mais poesia,
Não há mais milagre,
E a grandeza que aqui julgávamos,
Esta sim, deve habitar atmosferas mais altas.

Parti. Mais triste que outrora.
Porém, o que me surgiu,
Foi um resquício de maldade e fúria
Não pelo que tu disseste,
Mas pela tua postura fatal de ancião fadado
A não ter vida nem morte na tua santidade.

Instalou-se em mim a primária angústia do mundo
Tanto que trouxe para casa
O sentimento de que tão pouco pude fazer por ti,
Por não ter te despertado a misericórdia do próximo,
Por não ter te livrado da miséria humana que tu também me apresentavas,
Da inutilidade do meu sorriso de adeus,
Meu balbucio de frivolidades em apressado escape.

Depois, já longe, veio-me o medo
Medo de me tornar o que tu já és neste momento.
Infeliz, indiferente, pobre.
Velho conselheiro, de quem eu não trouxe nada,
E eu que cheguei um dia a invejar-te a sorte!

MÃES


As mães não deveriam ir embora desse mundo,
Até que seus filhos já tivessem realizado todos os seus sonhos,
Chorado todas as lágrimas,
Corrido todos os riscos,
Amado impensadamente de todo coração
E pudessem, ainda assim,
Saber que, havendo um futuro,
Este se prolongaria,
Na certeza de um amor que jamais termina,
Ao contrário, germina e fortalece,
Para transportar, de geração em geração,
O que passou, o que ainda é,
E o que virá de bom, de belo e de eterno.

As mães não morrem de verdade
Elas se vão, mas fica a fortaleza da vontade,
De que elas ainda enxugam lágrimas,
Seguram nossas mãos,
Nos dão a força, o ânimo e a coragem,
Alegram-se conosco,
E sorriem, serenas, ao longo da jornada.
A minha mãe, ausente, com seus olhos verdes,
Ainda hoje é meu espelho d´agua;
Se ela reflete em mim a calma e mansidão,
Reflito nela a incompreensão dessa saudade.

20 August 2006

PARA A MINHA MÃE


A última vez que vi minha mãe ela não me viu.
Estava já envolvida em coisas mais importantes do que a vida. Estava olhando pra dentro. Às vezes tentava enxergar a minha imagem, mas a força estava lá; dentro. Imediatamente os olhos verdes partiam. Havia um mundo intrigante do lado de lá. Parecia melhor.

Há pouco pendurei um retrato de minha mãe à cabeceira da minha cama. É uma imagem de moça. A mais bonita que conheci. Os olhos verdes estão olhando pra mim, vindos da parede. Serenos.
Serena você está também agora, minha mãe. As dores lhe comprimem, a vida lhe castiga, o corpo luta, mas a serenidade não estanca... As dificuldades da sua vida lhe envergaram, lhe rebaixaram, anularam o seu sorriso e a sua esperança. Mas os seus olhos verdes, milagrosamente, ainda denunciam paz, em meio as suas lutas.
Olho o retrato de minha mãe e tenho vontade de afagá-la . No entanto, ela apenas me fita; os olhos verdes a remeter um pingo de atenção vindos da imagem morta.
É essa a imagem que você ainda tem, mamãe, diante da violência que se lhe assomou durante toda a sua vida.
Tive medo do seu fim mamãe, talvez porque tivesse do meu.
Te reconheço em mim até nos gestos mais corriqueiros, nas reações, no pranto.
Assim como você, também passei a aceitar as decepções do destino como quem tem a obrigação de continuar um sacerdócio de renúncia. Procurei nas minhas profundezas um quê diferente do seu, mas, em vão... o que aflora em mim é o seu espírito manso, o dar de ombros cansado, a pequena animosidade, o tédio.
Procurei por anos sintetizar a sua desmotivação, minha mãe, quando finalmente reconheço que somos iguais. Procurei em vão em você, gestos de revolta, lampejos de decisão, vestígios de fortaleza, bastas... No entanto, aí está você, como sempre esteve, a olhar para dentro, a expressão do rosto a demonstrar lamento...
À sua fortaleza, contudo faltou ação e gestos. Sua voz reprimida é que lhe redimiu As lutas que lhe sobrevieram, lhe simplificaram. A vida lhe engrandeceu. A aceitação, o resignar-se ao segundo plano, as vontades adiadas, todos os projetos sendo desfeitos...
Você não queria, minha mãe, mas você venceu... Não como vencem os grandes lutadores, os céticos, os racionais, estes que empunham bandeiras e disseminam desafetos.
Você venceu serenamente, com o seu dar de ombros, seu muxoxo, à sombra...
À sombra também foram seus passos, como quando você se levantava à noite, tateando as paredes da casa em busca de algo sem acender a luz. Como você se orgulhava de não precisar acender a luz! Compreende agora? O recusar-se a acender sua própria luz! A viver à sombra das circunstâncias, a não ascender ao papel principal do mundo e das coisas..
Você não quis, mamãe, mas no entanto, você ainda brilha, a contragosto, através dos seus mansos olhos verdes, de fastio e de perdão.


Perdão, minha mãe, por muitas vezes não ter compreendido a sua aceitação.
Hoje o destino me remete a você. Olho a sua fotografia, e você parece me dizer que tinha que ser assim.
Volto a olhar para dentro de mim, e neste momento, decido por você, por acender a luz. Nunca mais os gestos no escuro, a palavra abafada, a voz rouca, minha mãe. Viverei por você o que você não pode modificar, ou não soube, ou simplesmente, não quisesse, por não compreender outra direção...

Você foi digna, minha mãe, foi bela.
Agora que seus olhos teimam em olhar para dentro, recusando-se a querer ver o mundo sempre igual, concluo que você escolheu bem. O mundo aqui fora continua do jeito que você conheceu, feio e mau. As pessoas maltratam a gente, a vida agride, as palavras duras não deixaram de ser ditas, mamãe.

Por certo, dentro de você , deve haver a música do universo, o murmúrio das matas, a melodia das conchinhas do mar... Deve existir um azul de cristal em todos os seus céus, e há barulho de águas nos seus ouvidos. Isso, minha mãe, continue a olhar para dentro de si mesma, a desfiar a suas histórias de criança para a sua alma, a escutar a caixinha de música da sua mocidade...
Sonha, minha mãe... Sonha hoje o que não foi possível. Transforma os seus ai-ais em acalanto... Repousa, mamãe, aquieta-se. Suave será o seu sono. Você ficará como que encantada, a reviver a magia dos seus devaneios, que de agora em diante será sempre assim...
Todas as suas lutas já estão vencidas.
Descansa, minha mãe, que mesmo à distância, embalarei seu sono, e lhe oferecerei meu braço, pra que ninguém lhe canse, lhe incomode, lhe marque.

LEÃO DE TAPETE


(Para Azália, minha irmã, diante da beleza da expressão que ela mesma usou e que fiz dessa o título, que muito me impressionou)



Você é o leão singular
Que o seu signo denota
De gestual estudado,
Porte real de beleza
Morte e vida em sua presa
Detentor de mel e dor

Se ainda fosse de Judá
Da tribo dos africanos
Mesmo sendo artesanal;
De areia, água e lodo
Se fosse feito de jade
Puro ouro em vez do couro
Puro mito em vez do mal,
Ainda seria o mestre,
O primeiro, o soberano
O leão dos caçadores
Que farejam o animal

Leão de pose e desejo
Leão de cilada ardil
Bicho franco
Irado, quente,
Mas tão manso com a gente
Que a sua invenção de fera
Se ora engana, ora se esmera
Em ternura de carneiro,
Em leveza de gazelas

Leão de montanha e vale
Leão rei, leão sutil,
Tudo nos leva a pensar
Que o seu lugar de verdade
Não é fome, nem é guerra
Nem rastro nem saciedade;

É um pouco da pureza
De um tantinho de azeite
Combinado com anil
Você é o leão singular
Que o seu signo denota
Um ser de bocejo e leite
De quenturas, inocente,
Esticado, pronto, enfeite
Desempenhando o papel
De ser leão de tapete

19 August 2006

DESCASO


Queria escrever-te um verso e não me posso
Doem-me as dores de tudo
Dói-me a alma.
Não posso nem mesmo aliviar-me a carga
Pois se já nem tenho as ilusões do mundo

Queria dar-te flores, oferecer-te um cravo
Um ramo, um crisântemo
Um pequeno vaso.
Eis que não posso. Não posso dar-te nada
Nem a mim eu dei,
Nem a mim eu trato

Supunha que um dia então
Repentino e facilmente
O mundo abriria fontes
De riso, de cor, de luz...
Mundo sem dó, qual meu engano
Bem longe foram ficando os guizos,
Os sorrisos
Qual morte fria
Meu sonho me traiu

Não me peças nada, não me olhes
Faça de conta que sou aquele pedinte sórdido
- aquele que viste à porta da tua casa –
e desviaste o rosto
e colocaste a máscara.
Pediste-lhe sorrisos, alegrias, calma?
Nada se pede àquele que quer tanto...

Queria dar-te um sorriso
Mas nem isso eu pude
Depois desta poesia
Nem meu braço
Abraço,
Um dedo de minha mão

Deixo-te apenas pesar,
Ressentimentos, dores
Nem tão sentidas
Nem tão sofridas
Acho que está bom.

18 August 2006

BONITA


Porque hoje acordei bonita
Passei água de cheiro nos cabelos e perfumei meus seios,
Úmidos, perfeitos,
Junto com a expressão da alma que também está particularmente farta,
Alma que tem hoje o cheiro das laranjeiras
E o frescor da mina d´água que conheci quando criança.

Porque estou bonita, festejo a alegria
De receber nos olhares duvidosos de todas as mulheres
Que adivinham em mim
O que lhes falta ou que um dia lhes bastou...

Porque hoje o dia todo estarei bonita,
Não há como não celebrar meu passado em meu corpo,
Brindar o meu presente,
E lastimar o futuro dele
Que ainda vem, com suas misérias da velhice.

Nego até morte as vicissitudes da idade,
Procuro a senilidade, mas eis que ainda não está,
Tenho o corpo forte de um cavalo
Que sensualmente respira e trota,
E o espírito leve das vespas,
Inéditas, a agitar impacientemente o ar.

Se sei que estou bonita,
Porque não só o espelho mostra,
Mas a vontade do assim-ser confirma,
Adio agora as parcelas de futuro neste meu corpo
Invento que a vida estanca,
E como sou bonita!

16 August 2006

INFERNO


Tenho um profundo sentimento de medo deste mundo
O mundo é cara e coroa,
Ora aqui, ora acolá;
Tenho medo de mim, então, que sou do mundo
Se ele é mau, tenho que fugir do mal
E corro de mim, corro de mim
O mal está em mim e não só em mim
Há que se correr desesperadamente do inferno
O inferno deve ser aqui mesmo,
Que está inserido na parte mais entranhada da minha caricatura
Há mal nas linhas do meu rosto
E nas dobraduras do meu temperamento e alegria
Vem, meu santo, e me ensina,
Como fugir de ti,
Parte má e crente do meu mundo...

COMO ESCREVER POEMAS


Como os poemas vêm?
Como se escrevem?
Basta que eu me sente à frente do meu mundo
E que fechando os olhos apenas por segundos
Passe a percebê-los voando pelo ar
Vapt, poema, se cai aqui, é meu
E lá vem ele, quantas vezes inteiro,
Cair na minha mão, à espera de um cuidado,
Encho-lhe de palavras que já nem sei quais são
Por ora, o titulo ou verbo mal usado,
A correção do tempo, o aplicar do acento
E está pronto um poema,
Escrito por alguém que não fui eu.

14 August 2006

HOJE CHOVEU AQUI


Hoje choveu um pouco por aqui
Mas havia sol, chuva fininha que batia na calçada
Se eu me intimidasse diante da chuva, não iria,
Nem andaria pela rua como andei
Mas vi pessoas que freneticamente se escondiam
E se abrigavam em marquises,
Nas esquinas
Mas não eu... Se tive pouco na vida, se não tenho nada,
Se tive o desamor, o desafeto, a mágoa
Se tive as loucuras da dedicação
Por que a chuva fininha, batendo na calçada...
Incomodaria este peito,
Este pesado andar, esta falta?
Andei como se anda em parques das cidades
Olhe o que vida faz quando maltrata,
Nada me incomoda, nada desagrada
É certo que a chuva, batendo na calçada
Revira-me os cabelos, a roupa amarfanhada.
Tudo é questão de tempo, tudo é consumado
Há de passar chuva, há de passar o tempo
E a desordem do meu coração, quem passará?

PORQUE ESCREVO


Escrevo porque me faltam muitas coisas que há no mundo
Quando nasci, não percebi
Que faltavam as palavras que hoje procuro
O poeta não é um trabalhador
È um investigador do sentido da vida

13 August 2006

PRENDER UM BEM


O que devo fazer para prender um bem?
Deixarei de ser poeta das vislumbrações
E a tradutora de minúsculos pesares
Para ser como as lavadeiras das cidades
Dos fundos dos sertões ou típicas mineiras
Faceiras cidadelas,
De eiras miseráveis, pobres cidadelas...

Serei como aquelas lavadeiras simples e descalças,
Que quando batem roupa,
Cantam os amores já vividos e perdidos
E os muitos amores que ainda hão de vir em meio à lida
Serei arisca, mal falada e ardida,
Mulher escura, maltratada, forte,
Alternando esfregas entre o sabão e os corpos.

Para meu bem, poetas não possuem visgo ou sexo
Nem são o raso rio cascalhado das lavagens
Meu bem me quer em roupa amontoada a ser socada,
Sabão de pedra e cinza,
Árduo trabalho de mãos e de coragem

Não sou a água que enxovalha os panos,
Sou o barulho d´água que passa entre os cascalhos
Nem sou a roupa, jogada e amontoada
Mas a brancura da roupa, a palidez do pano,
Sob a luz que bate no algodão entretecido e usado

Para prender um bem,
Quem me dera tivesse as pernas da matreira
Ou o grosso dorso das mulheres simples e mineiras
Mas o que tenho?
Tenho palavras e todo sentimento atordoado em sons
É pouco, é muito pouco,
- Meu Deus, porque é pouco -
Para se prender um bem pra vida inteira?

10 August 2006

DILÚVIO

Hoje o dia não amanheceu e desconfio que não amanhecerá. Dentro de mim ainda há lua minguante
e estrelas miudinhas, rendadas, aflitíssimas, boiando no meu céu extenso e preto.
Dentro de mim há trevas, com pouquíssima luz, e é noite, como naquelas madrugadas de minha infância quando eu aplicava o ouvido, temerosa, para entender melhor os barulhos noturnos, os passos na calçada, e não se via nada, breu de tição, alma de piche.
Dentro de mim, em meio à escuridão, é preciso urgente que eu levante um barco. Construo esse barco, a mãos forçadas, para realizar talvez o que fosse o período de reclusão de meu próprio dilúvio. É noite dentro de mim, é cegueira, e há agora um eminente toró a se derramar sobre o meu barco, que acabo de inaugurar.
Um barco pobre, tosco, rústico, sem nada de compensação ou acessórios de luxo. Barco de quem não sabe o que é barco, e às custas da própria imaginação, desejo me entrincheirar lá dentro, solitária, calma e paciente, a esperar que a tempestade venha desvairada, se forme, e se alimente de mim mesma, de minhas angústias, das coisas desejadas e frustradas, das cruzes do meu andar cada vez mais lento, para depois, vagarosamente, com o passar dos dias, quem sabe meses, ou até uma vida toda, não sei, ou o resto de expectativa que ainda me sobre, ir reduzindo a sua força de cão, ir se minguando, preguiçosamente, até resultar numa fragilidade de rosas, e amainar com pingos aqui e ali, a minha miserê de ser humano que conhece sua condição de fraco. Condição de quem rodopiou, rodopiou no vento, mas, sabe-se lá de que maneira, saiu inteiro, mas atordoado, meio trêmulo, meio frouxo, entretanto, com a sensação de quem venceu. Venceu? Venceu o que? Venceu covardemente as próprias lutas, a própria insistente e insignificante dor, na verdade, venceu a decisão de não ser maior que a própria dor.
Talvez haja uma pomba nesse fim de dilúvio, uma pomba que anuncie terra firme e início de serenidade, e que haja sol, e que este volte a brilhar em meio às arvores, que eu mesma inventarei, e pintarei dos mais diferentes matizes de verde e musgo.
Desejarei inaugurar essa pomba branca, pensarei em adornar um céu também.
Mas não hoje. Não amanhã. O futuro deverá vir, como tudo vem... Dentro de mim, porém, é preciso que hoje haja barco, vento, noite e tempestade.
É o correto para essa minha estação do espírito. É o honesto para a minha condição humana. É justo.

09 August 2006

O ACENDEDOR DE POSTES


O acendedor de postes
Todo dia descia a rua
Poeirenta e suja
Com um varão na mão
E beliscava lá no alto
Cada lâmpada
Que se acendia,
Como num milagre...

Uma a uma que brilhava
Em meio à tarde, quase ao fim do dia,
Vinha com a promessa da modernidade
Para meus olhos, entretanto,
Era uma espécie de susto, de miragem.


E eu, a menininha feia,
De pé descalço e roupa desleixada
Olhando encantada o fio de estrelas
Todas se acendendo, , enfileiradas,
Tributava ao homem o poder de dar
Luz e claridade à noite que chegava....

E se ele faltasse, quem daria,
Luzes aos becos e às trevas da cidade?
Se ficasse doente, se morresse,
E se apenas se cansasse da paisagem
E se um dia, de repente, se mudasse?

Que tenho da menininha do passado
Nesta mulher de hoje, de verdade?
Ainda espero o acendedor de postes;
Sentada na varanda dessa minha idade,
Para dar brilho e cor à vida condenada.
Eis que ela é fria, é funda, é úmida e escondida;
É necessário iluminar a rua
Desta minha vida escura e abandonada!

07 August 2006

ALÇAPÃO


O poeta e a poesia
São o pardal e o alçapão armado no quintal da minha infância
Eu, passarinho,
Atraída pela carcaça da palavra
Deixei-me alçapar,
Às sílabas consoantes de todos os verbos
Poesia-alçapão, que me puxa, que me puxa,
À gaiola intrigante das memórias,
A atrair em mim o visgo de todas as conjugações
Que só dão numa coisa;
Os versos presos de regularidade
Na irregular singularidade do meu tempo.

05 August 2006

FUTURO PROXIMO

O meu futuro esta aqui
Espraiado nas palmas da minha mão
Nas linhas curvas e retas do meu dia
Está socado no meu entender tão lento,
A ponto de adiar as decisões
Futuro de mentira, futuro que não vem,
Porque não há poesia que sustente um sonho
Nem há palma de mão que alimente a teimosia.

Quando criança, eu mesma me dizia,
Futuro é morte, não chega à minha vida,
Mas hoje, que eu sei que a morte existe e ronda
O medo estampa as linhas do destino
Me pego a me dizer, baixinho, pra mim mesma,
Futuro, venha logo, e abranda
O meu caminho,
Se há algum caminho, que eu percorra em vida.

04 August 2006

PINGO D´ÁGUA

Tenho uma breve lembrança de ti
Que o tempo ainda não quis levar
Porque, obstinada, eu a seguro em mim,
Dizendo, esta não,
Esta fica aqui...

Minha memória é como aquela vitrola velha
Que havia na casa de meu pai,
Tocando sempre a mesma coisa,
Enjoando o ar, o ambiente,
Do mesmo beat de ritmo,
Batido e repetido,
Monótono, como um carrilhão de horas.

Porque a qualquer hora, quando quero
Busco-te,
Trago-te de volta
Para te rever, assim, tão gracioso,
Ao meu redor, de sorte
A demonstrar o mesmo ar e riso
Na pressa de carregar minha bagagem
Naquele dia que te chamei,
Em que a chuva corria
E eu dizendo,
“ Vem, vem...”

Não quero entregar essa tua imagem tão vivida
À sucessão de cores, de paisagens;
Que insistem em substituir as telas da retina
Quero que tu sejas infinitamente
O meu pingo d´água
Qual a chuva fina que caiu no dia
Em que eu te guardo com tanto cuidado

DIVIDIR


Ainda aprenderei a me dividir
Metade mulher, metade lamento,
Metade saudade, metade comportamento
Quando for mulher, serei inteira e única
Quando lamento, serei saudade
Da mulher que ficou na outra metade.

DOR E ROSAS


As dúzias de rosas
Que enfeitam o vaso
São as mágoas perfeitas,
Todas desbotadas
Do meu coração de barro

Quando menina, não fui feliz;
E infeliz também em tempos de alegria
Mas a vida passou
Como o trem passa,
Apito assobiando em curva perigosa
Em meio aos trilhos tortuosos dos meus anos
Trazendo hoje um feixe de pecados
Embutido em rosas de cores descoradas,
Como as que eu vejo enfeitando o vaso.

Trem que carrega flor
Carrega também as mágoas
De puro anseio e lamento
Não trouxe somente isso,
Mas um espírito hirto
E um olhar serenado
Por ter conhecido a dor,
Por ter gostado da dor,
Alimentado essa dor,
E nunca ter tido rosas.

Se olho esse vaso agora,
E se vejo flores, viçosas
No canto da sala, estiradas,
Sei que serão amanhã
Um dia depois de amanhã
Não muito longe, na sexta,
Retrato de mim no passado
Promessa feliz de ventura
E hoje, figura triste,
Um fardo.

Indubitavelmente serei
O inverso da vida da flor;
Nasci indolente e madura,
Morrerei promessa e semente,
Num chão por onde o trem passa
E a vida assobiando, passa,
Trazendo a flor,
A promessa da flor,
A dor em vasos...
- Não cumpre o que promete, vida malvada –.

03 August 2006

ANTAGÔNICOS

Há dentro de mim dois inimigos
O capitalista burguês que conta as moedas e esfrega as mãos, contente
E o poeta, que desesperado, sai à procura da casinha montada na árvore da infância
Que é pra ver se restou alguma coisa de magia, e que lamentando, nunca a encontra.
E este, que escreve estes versos,
Que está fora de mim,
Não sabe contar ou nem sonhar lhe cabe,
É o observador que tristemente anota
Os estados de evocação de minha alma
Pobre capitalista, que nunca satisfaz seu ego de poeta,
Pobre do sonhador, que nunca encontra o tesouro
Que nem sequer existiu, ou jamais houve.

A BORBOLETA


Quando eu morrer
Em vez do espírito branco, etéreo e leve,
Há de sair de mim a borboleta
De uma cor só, velha, rota, vesga
E voará, a esmo, em círculos rasantes,
A indagar indecisa qual caminho
Há de tomar para seguir em frente
Voará, borboleta, voará,
Sem nunca encontrar vestígio ou rastro
De pedra, ponte, arvores, cidade,
Santos, anjos, deuses, dos fantasmas.
A borboleta que mora em mim só de mim sabe
Só sabe de viver do que eu sou
Talvez morra em mim, se eu morro nela,
Talvez não morra,
Talvez me eternize,
E me diga que não fui.

02 August 2006

CECI




<em>Enfia a viola no saco, Ceci
E parte logo,
Te manda pros confins do mundo
Porque o que está aqui não é para nós
O que está aqui é para gente ajustada e comedida
O que somos nós, Ceci?
Somos doentes da poesia,
Quando não somos a própria poesia adoentada
Poetas não são gente, dizia minha avó,
São rabo de peixe e rastro de cometa,
Que quando passam, deixam só o tiquinho de ilusão
Vai-te embora, Ceci,
Vai-te agorinha
Porque a vida passa,
O cometa passa,
O peixe nada em círculos,
E não há nada que faça com que fiquemos aqui
Para nós, ou há o céu do rastro do cometa,
Ou há o lago doce que represa o peixe
O entremeio da vida,
O ponto e virgula da normalidade
Não estão em mim nem em você, Ceci,
Estamos nas reticências do acaso,
Ou no começo interminável da eternidade.
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EU GOSTO

Desse poema de Clarice eu gosto
Da flor tristinha que caiu do vaso, eu gosto,
De ficar sozinha no meu quarto
Pensando em nada,
Cabeça presa no teto, eu gosto
De tomar longos banhos quentes
De modo a trocar de pele, eu gosto
De me enfiar na fechadura do olho do gato
Me tornar verde adamascado de terror
Que fita a gente no através, eu gosto
De surpreender a manhã já acordada, às vezes gosto
Mas de dormir até tarde, as pernas lentas,
Sem obedecer ninguém eu gosto, e como gosto
Não gosto de confessar a mim mesma que sou o que eu sou
Isso não gosto
Gosto de ser, e basta.

DOCE


Doce que te quero doce
Mais doce do que os gomos da romã
Tão doce como os pêssegos em calda
Doce como os lírios, as maçãs.
Doce, que te quero doce,
Como o suspiro em que te ouço e calo
Como um sussurro,
Um leve par de passos,
Como o macio da manta de lã

Doce como a primeira manhã em que te vi
Era doce teu sorriso,
Doce teu olhar meio cansado,
E abismado
Doce tuas palavras,
Que se enredaram
Uma após as outras,
Nesse dulcíssimo amor de quero já
( e não cajá)