29 May 2012

A BOA POESIA


 
Ah, a boa poesia que machuca!!!
Não falo da poesia trabalhadora,
aquela que se lima e que se cansa de tanta mão,
e da poesia social, a qual se instrui
ou da poesia épica que nos engrandece a voz...
Não, falo desta poesia magoada,
da memória das palavras, enfileiradinhas
qual Lego em sofrimento
e qual batalha naval de dor...
Aí a poesia é adversária;
quer-se desbaratá-la,
e no entanto, ela te possui...

EU


 
Era pegar uma estrada de tarde,
um vento de noite,
uma estrela madrugadora
que não dormia nunca...
Era uma juventude que eu tinha,
mas era bem repartida, não sei bem.
Porque hoje tenho anos em cima de anos,
não significa que possuo sabedoria.
Sabedoria fica para a parte final...
Tudo que possuo hoje é complexo e árduo;
é isso que chamam vida.

TEMPO


 
Dói-me ver o tempo passando,
e assim mesmo,
dói-me mais quando ele não sabe passar...
O tempo é o rio
e eu, o pescador experiente,
que mesmo sem ver os peixes,
sabe-lhes o movimento
e pressente o seu passar.
Ah, as dúvidas do olvidável!

CAIM E ABEL

Ama aquele que julga e que juga.
Jamais compreenderei o amor são, benigno, despojado.
Para mim o amor ainda é luta,
como Gêneses principia.
Caim matou um Abel,
que já o havia matado de ciumes
muito bem antes....

UM BOM AMOR


 

Para se ter um bom amor,
primeiro é preciso ser um bom braço,
ser um bom lábio
e oferecer um bom colo quente.
Isto basta para um bom amor...
Possuir uma alma quente seria o acessório
que o amor desmonta.
O que vale no bom amor são pernas e imaginação.
No céu haverá de sobrar as boas almas...

TIMIDEZ


 
A minha timidez é tanta, mas é tanta,
que tenho uma baita vergonha ao me encolher nos cantos...
A poesia foi o jeito mais excêntrico
que minha personalidade sombria alcançou.
A poesia, se ela quer, ousa, ataca, decepa,
mas também fala de flores que brotam nos fundões...

PUREZA

Busquemos uma pureza de sentimento
e acharemos um pântano de solidões.
Busquemos um medo
e acharemos um escape;
busquemos uma religião
e acharemos conflito.
Busquemos a nós mesmos
e acharemos a nós mesmos:
solidão, escape, conflito....

07 May 2012

POEMA DA DESCONCERTAÇÃO



Também eu sei amassar amoras com desprezos.
Meu Deus, como é inconclusivo o trabalho de sentir do homem!
Às vezes etéreos sentimentos azuis,
às vezes insensibilidades em vestes negras!

QUE TUDO CRESÇA




Que tudo cresça na grama
na árvore e na nuvem...
Que tudo cresça para cima,
para além do conhecido;
que tudo cresça para o alto
no íntimo, no istmo do eu,
nos particulares do ostracismo.
Crescer é involuntário e insconsciente;
o pau do bambu desconhece sua altura.

ENQUANTO DURMO



O cataventos, as pipas,
algumas asas de águia,
o rio voador, as nuvens diáfanas,
eu encontrei enquanto dormia.
Acordo, e vejo somente concreto sobre o azul;
mas ainda acredito no limbo da memória.
Para cada coração que crê
há um risco de milagre...

POEMA DA MANHÃ


Entrei no pomar e achei que aquilo era felicidade.
As jabuticabas estouravam catarses
e o mamão leitoso sugeria vida,
e vida em abundância.
Quando eu era criancinha de peito,
as árvores exigiam respeito.
Mas hoje, justamente hoje,
quando o pomar é um punhadinho de árvores
e flores, e frutas isoladas,
compreendi que o tempo mina e mirra.
Mirrou-me. Minou-me. Mira-me.