30 May 2008

POEMA DA SAUDADE EM VIDA


Se você morrer, terei saudades
das escaladas às quais você se propôs
e nem realizou como pressagiado
Se você morrer,
meu torso preanunciará a sua ausência
e talvez eu ande daquele dia em diante
curva e circunflexa
nada mais desejando realizar
Posto que vivo se seu peito vive,
se ausente está,
conquanto extinta, existo.


26 May 2008

MORDER AS PAREDES


Enquanto eu for gente
morderei as paredes
Nunca me disseram o que haverá
depois em outro mundo
Enquanto sou pessoa
enquanto necessito de ar
e de me livrar dos indesejados
permito-me morder as paredes
As paredes sim,
estas estão inebriadas
pela minha mordida suave
e pelo meu jeito de torturar no doce do meu caldo
Para as paredes, o inferno é aqui
para mim, o inferno inexiste
nem inferno nem mal
não subo nem caio;
acalmo-me.
Se o céu é tão bom
decerto que há de ter paredes
haverá parede sacrossanta no céu?



OS DOIS TIGRES SIAMESES


Louros,
distantes,
De tribos diferentes
e ainda assim,
dois tigres siameses

22 May 2008

MENOR


A minha confusão é uma só
Vou deitar-me pequena
acordarei amanhã
triste como a mulher que perdeu um filho
Aqueles que me olharão amanhã
terão simpatia pela minha sombra
mas nunca saberão
a representação da minha vergonha
Me sorrirão,
falarão dos calores bizarros deste outono
talvez me passem os dedos pelos meu cabelos
talvez me aconselhem nas frivolidades
O muro chinês da minha melancolia não cederá
nem o mar morto dessa minha ignorância me fará aquecida
Sairei de cena como os grandes atores saem
Depois do ato, a obscuridade e o afastamento
Deixem-me só, com meus pensamentos
e com a minha decisão
Deito-me pequena,
acordo-me menor.


A CÉU ABERTO


Realizar o que é necessário realizar
Respirar fundo
e tentar viver nestes dias
o que fôra a alegria dos outros
Pelo interior de mim,
a falta e o desocupado
a desmotivação e um cansaço
tão grandes, tão ingeniais
tão encadeados!
Rio por fora,
sangro a céu aberto,
se, por dentro.


20 May 2008

DO JASMIM, O ORVALHO


Meu coração é uma cera líquida na mão de Deus
O tempo me endurece e me faz útil
Quanto mais o tempo me passou, mais recomposta me fiz
O que podia ser nostalgia
hoje é milagre.
O mesmo tempo que brotou as flores
que escureceu a madeira da porta
e que envelheceu-me os cabelos
deu-me o extraordinário
Se eu podia entrever um jasmim
hoje tenho do jasmim, o orvalho.



18 May 2008

POEMA PARA CÉLIA BIANCO



Dedicada a quem, confessadamente, tem sentido saudades da minha poesia

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Dedico-lhe hoje essa minha poesia
que é feita da mais tenra sustentação
delicada e macia
amarga porém, no intimo
do que me construo e me acabo
Nada me tem sido fácil
eu é que tombo e me re-inauguro
quando é preciso mostrar coragem
No mais, só tenho a mim
e a minha poesia
que é o oculto da lua quando é de dia
e é o escuro da noite quando eu já me alargo
Dedico-lhe a minha poesia de hoje
porque vejo poesia também na sua cobertura
na sua risada de assombração diante dos fatos
etérea, lírica
uma criança rindo, sem possuir o peso da austeridade
Poesia e você são um só laço
A loucura que lhe circunda
também é a poesia que faço.



17 May 2008

UM POUQUINHO


As vantagens de se amar só um pouquinho;
um pouquinho de insônia
e um pouquinho de aprazimento
Entre o amar muito e o amar pouco
está o regulamento imperfeito
Amar muito é sofrimento
Amar pouco é in-sofrer, in-sentir
silenciar-se, por dentro
e submeter-se à sentença por ser insensato
Criança,
enquanto há tempo,
ama mal e ama pouco
Na sua maturidade,
quando os anos terão provado-lhe os rins
verá que foi prudente
ter-se tão pouco dedicado
Um amor total nunca fez de ninguém um virtuoso
Ao inverso, faz-nos mais medíocres e infames

Quando amei muito,
fui mentirosa e covarde
Todas as pessoas que conheci
podiam ver em mim a retidão
a coragem, o destemor
Todos estes foram embora
como espuma que vai ao vento
Restaram-me a paciência e a austeridade
Amo um pouco
E amo com dificuldade.


EM TI, HÁ PAZ


Um coração que todo coração redesenhara
em cobiçar para si próprio
e a urgência dos jacarés que tomam sol
Tua vida é mansa,
como eu ambicionaria que me fosse mansa
Dentro de mim, há a turbulência dos pardais
Em ti, por dentro e por fora,
a tranquilidade das águas de Recife
e um sol de curtir as vacas dos currais
Este é o movimento;
enquanto urro em febre e dor,
em ti, há paz.



11 May 2008

UM SOL DE VERDADE


Todos nós que moramos na Casa do Sete Grilos às vezes nos odiamos e às vezes nos toleramos. Mais nos odiamos.
Moramos juntos, ao todo somos nove, contando comigo, que nem devia contar, sou o que menos fala, o único que não reclama e o mais tolerante com as esquisitices dos outros.

Há três mulheres, Maria da Gaça, uma gordotinha que já deve ter sido loira, embora seus cabelos já estejam integralmente brancos, ondulados, cabelo curto e inferior. As outras duas são irmãs, de pais diferentes, e são diferentes em tudo. Uma é morena, Ceição, de pele encardida , um pouco de buço, a outra, Solange, é feia de dar dó, branquela e magrelinha, da canela bem fininha e tem a voz rachada, mas não se toca, fala um dia inteiro por nós.

Os homens da casa são porcos, imundos. Golias e Pimentel são os mais transtornados; mijam prá fora do vaso e nem sequer respeitam mulher, saem do banheiro chapinhando em cima do próprio mijo, assoam o nariz no dedo e saem pingando a porcaria.
Zé Pedro, Silvino e João Barbosa, os mais velhos. Os mais boçais. João Barbosa se deita com Maria da Graça, e estuga sobre ela, resfolegando; ela ri e debocha dele. Ponho minhas duas mãos por sobre meus ouvidos até que tudo aquilo cesse, e que caiam duros, cada um para o seu lado, para dentro do sono.

Me irrito com Silvino, que é preto e fedido e nunca foi bom. Rouba nas cartas e faz papel de louco quando a gente discute feio. Para não perder, finge que caduca e eu fico falando sozinho.

Toda terça feira é dia de visita, mas não vem ninguém. Vez ou outra encosta um carro e assistentes sociais vêm ter com a gente. É um porre só. Mexem em tudo; quando tem moças de estágio, essas é que são maneiras, umas mocinhas afetadinhas, esmeradinhas, que ralham pernosticamente conosco. Falam em banho, falam em solidariedade. Nós nos sabemos solidários, sabemos das nossas dores, então fingimos que escutamos. Eu finjo mais, aceno a cabeça afirmativamente, no intimo, quero que todos se matem.

Faz tempo que não sei o que é visita para mim. Quando minha mãe era viva, trazia com ela a Soraia. Depois que morreu, Soraia deve ter caído no mundo e nem se recorda que tem um irmão aqui.

Da última vez que a mãe veio, trouxe uma caixa de biscoito recheado e uma manta barata, listrada de verde e azul. Desconfio que foi Silvino que sumiu com ela já no dia seguinte.

O sumiço de minha mãe depois desse dia foi igual ao da manta; tanto tempo se passou, eu me perguntava cá por dentro onde ela tinha ido parar. Chegou carta avisando da morte.

Chorei. Um choro por dentro, doeu demais. Ninguém aqui percebeu a minha aflição e também nâo houve uma viva alma para me perguntar sobre o paradeiro da mãe e da irmã. Aqui é assim, alegria não conta, tristeza também não conta.

E havia Stella também para me visitar a lembrança. Stella que me acendeu um fogo de homem um dia, Stella que era a luz que eu não possuía, nem jamais me atrevi a ter.
Stella era absurdamente pernas longas e fortes. Era um sorriso de cristal, puro, azul, diáfano, um grito na minha garganta diante da sua suavidade e da sua força de cadela.
Penso em Stella e ainda corro montes.; sou o caçador sensível que respira a presa se Stella está no ar.

O amante que eu fôra para ela, fôra diminuto e fraco; para mim no entanto, nunca havia sido pouco; rosas não bastaram, um jardim inteiro de flores e cascatas não lhe bastou. Se fosse de muitos, ainda seria a minha Stella, tonta, infantil, sobeja...

Fiz-me de um tudo por ela, e se roubei, roubei de forma bem roubada, e se menti, cada vão da mentira me redimiu.
Tivesse eu um sol de presente, sairia ela do seu banho, fresca e úmida, fria, fazendo o muxoxo das stellas, diria-me que foi tão pouco um sol que lhe fôra dado, eu a me sufocar, sofrendo, que tipo de sol ainda haveria de existir para que lhe fosse buscado.
Suas exigências foram apertando o meu círculo, já tão exíguo de atuação.

- Sol, meu carinho, dê-me um sol de verdade!

Lá ia eu, a delinear aquilo que o sol de verdade lhe refletisse a face. Seus cabelos, semelhantes à crina dos cavalos, me ordenavam:

- Um sol, mas que seja de verdade!

Por ela, somente por ela, por sua pele de moça branca que não registrava luz, por suas mãozinhas finas que percorriam meu pescoço à hora do meu amor mais louco, mais deliciado, por sua voz rouca, marcada a conhaque dispendioso que eu lhe comprava, por sua mentira santa, santinha, mentirinha para não doer a verdade, por ela me adulterei e por ela me assoberbei.

No dia 25 de Março de 1968, quarta feira, 3 horas da tarde, venho ver Stella. Não sou tão moço mais, todavia, tenho um coração oscilado dentro do peito másculo.

Sinto um desejo por ela que começou desde sempre. Minhas pernas tremem e querem envolver-lhe o corpo, juntá-lo ao meu, anulá-lo ao meu... Beijarei seu dorso como se beijasse a santa que enfeita o altarzinho de casa, coroada, emantoada, cega...

Se bato à porta, ela perde a naturalidade. Entro como um tufão, meu desejo é o do cachorro de rua, sôfrego e esfaimado.

Os dois vultos sobre a cama se desvencilharam. Houve ainda tempo para um gemido, que eu supus que viesse daquele que por cima, se desmanchava em fluido.

O ar cheirava à falta de castidade; cheiro de ocre e cheiro de peixe inundava o quarto. Era uma obscuridade que perpetrava o mal.

Meu sentimento foi de um desapontamento titã. Stella das pernas estiradas, os seios redondos à minha cara, aquele sorriso de antes agora executado de forma mecânica, feia, manchada...

- Vai embora, covarde!

Pega em surpresa, o que ela haveria de fazer a não ser judiar de mim?

- Te perdôo, Stella!

O segundo vulto passou como um projétil e ganhou a rua. Não me importei com o tipo. Importei-me com ela, com o ar agora rude e marcado que ela colocara na face, e as mãos ríspidas, hirtas, segurando o lençol à volta do corpo.

- Acabou, Morales, acabou. Já tenho outro homem! Um homem melhor que tu!

- Te perdôo, Stella!

Eu só sabia repetir esse estribilho... Me pareceu que esse refrão havia nascido comigo, e eu perdoando Stella desde meu primeiro dia.

- Já não te amo mais, nunca te amei de fato. És um fraco, Morales...

Não sei se me ajoelhei, não sei se me deitei, não sei se me desapareci para que ela crescesse naquele momento e que eu incalculavelmente, a perdoasse. Ela me sorriria, longa e linda, me falaria de adoração, dos seus erros de guria, eu a perdoaria mais de oitocentas mil vezes e a traria de volta para meu peito que ela chama de covarde.

- Fala que me ama, Stella! eu pedia.

- Já nao te amo mais. Sai, covarde!

- E a minha vida, Stella? E os nossos desejos de carne, de amantes desesperados? O que será das minhas pernas, essas minhas pernas sem as suas pernas , Stella? Minha boca nao come sem a sua!

- És um fraco!

Ela falava forçado, arrumou uma maneira de usar a polidez da segunda pessoa contra a minha pessoa de certidão perdoadora. Se eu a estava absolvendo, ela me conduzia ao campo da batalha.

- Nunca que te quero de volta!

Cadê o sorriso da minha Stella, cadê a sua suavidade em me pedir o sol?

Se houve um sol ao qual foi dado à ela, este nasceu em mim naquele momento, vindo das minhas entranhas onde queimava a dor.

Minutos depois, quando o corpo dela foi encontrado na rua, atirada, a cabeça ensaguentada e a pele fria, inerte, os olhos esbugalhados, compreendi a missão da minha vida; a de amar uma criatura de forma congruente, que se já não é mais parte do meu eu, meu eu liberta.

Entreguei-me aos policiais que me encontraram, de pé, junto à janela do sobrado, de forma apaziguada e consentida, olhando fixamente para o nada.

Vinte e dois anos preso numa cela sórdida e Stella valeu cada dia contado.

Quando saí, e vi o sol, ela ainda era uma lembrança pálida da minha insanidade.

Mãe e Soraia me trouxeram para esta casa de pessoas recuperáveis. Mato-me todos os dias de vontade de entender o que é ser recuperável no meio de gente irrisória e suja, que viveu a vida sem conhecer Stella, sem provar de Stella, sem comê-la, sem mastigá-la.

Entretanto, de manhã, às cinco da madrugada, se o galo canta no terreno, por dentro da minha taciturnidade, Stella ainda canta por dentro de mim.

O dia passa feito a lesma luzidia que marca o chão; é Stella até agora brincando de amar comigo, somente minha, ventilada e verde por sobre meu colchão...

Porque lhe perdoei, mulher, porque lhe perdoarei, perdôo-me, portanto.

Sua fotografia vaza-me os olhos; na imundíce de Golias, na fala de Ceição, nas risadinhas pervertidas de Graça, nas caricatas mocinhas da terça, não há o que lhe suplante a sua lindeza, mesmo caída sobre o asfalto sujo do seu sangue da insígnia de falsa pureza. . .
Sol de verdade, eu lhe dei no momento da sua fraqueza e por dentro da minha covardia...
O que você não sabia, Stella, e que tanto me pedia, e que somente eu sabia, é que um sol de verdade era somente a sua libertação.






03 May 2008

POIS É ASSIM O MEU RECOMEÇAR


Pois assim é meu recomeçar
que eu aprendi
e que me ensinaram desde cedo
Hoje, que faz frio
precisei me esquecer do calor
que me entusiasmou um dia, tanto
Começo a ver-lhe com os olhinhos da minha infância
da minha juventude,
da minha parte que não estava comigo
e que agora,
sentidamente me voltou
Meu coração que recomeça hoje
pesa as ações do passado
e decide
viver na razão.
Bom coração, o meu...
Bom recomeçar,
sem alavancar os sentimentos que magoam
Bom, isso de viver agora
o que foi, o que é
o que se tornará
porque eu quis que assim se tornará.