18 April 2012

TENHO FOME



Tenho fome, tenho fome!
Foi-me dado o que comer
e de fato, desde pequenina
que me dão o que comer
e o que vestir, calçar,
e até enfeites para o vestir
e para o calçar
Mas tenho fome.
Dão-me o pão,
mas não aplaca-me a fome.
Dão-me doces, deram-me salgados,
deram-me as frutas que sazonaram
mas a fome que tenho,
nada e ninguém aplaca.
Nem o leite de minha mãe,
gorduroso e farto
bastou-me,
nem o salário de meu pai,
nem os ouros de meu marido,
nem o vínculo terno dos meus filhos,
nem a mortalha que me envolverá
aplacará a fome que ainda sinto.
Tenho fome insaciável,
que é fome que reside neste brejo,
estas paradas, nesta casa,
neste distrito, nesta mesa.
Minha fome é condenação eterna
de ter visto a luz, ter desejado ser luz
e luz não ter sido.

POEMETO



Temos nesta estação
um outono ameno,
tão diferente de outrora!
As árvores piam,
os pardais clorofilam-se,
o rio engolfa-se em si mesmo.
A natureza está dizendo que não
e eu me transmuto também em conflitos.
Eu era triste de dar dó,
agora eu vejo a vida
de binóculos.

13 April 2012

NEM TUDO É FELICIDADE




Nem tudo é felicidade;
a ave que cruza o céu,
tão bela em sincronicidade,
vem arrebentando o ar
com a força dos músculos
e com a grandeza da vontade.
Pois que não há felicidade
no vai e vem mecânico das ondas,
nem no coqueiro manso
que se distribui, tesudo
por debaixo do solo.
Nem tudo é felicidade;
e nem a felicidade é tudo.
Basta-nos viver cada dia,
condignos, desempenhando
cada um de nós o seu papel;
a ave que cruza o céu,
o vai e vem das ondas,
o coqueiro conformado,
tudo contribui para o cenário
de uma paz aparente,
mas impossível...
No esforço, não há paz;
Só há descanso no ócio.

10 April 2012

TUDO MORRE




Tudo morre;
morre a tarde, morre o sábio,
morre a suculência da carne.
Tudo morre,
tudo sublima, tudo transmuta...
Morre o pelo do gato
e morre o gato,
e só não é imorredoura
a visão fugidia do seu salto
(esplêndido, livre, sinuoso)
que venho guardando, incólume
por todos esses anos,
a habitar consensualmente a minha memória.
Aqui ele persisitirá, magnífico,
absurdamente vagaroso e belo,
a despejar uma leveza cívica, correta
lampejos de imortalidade e verdade,
na  perpetuidade viril desta imagem
que será assustadoramente vívida,
enquanto existo.