30 September 2006

PERDÃO


Perdoa-me vida, se tenho aprendido tão pouco de ti
Porque não sei viver uma paixão às beiras da metade
Porque não sei dar meio beijo, meio enredar de braços
Meio suspiro, meio anseio, meio sim e meio não
Ainda não meio-te-odeio, nem meio-te-suporto
Nem meio estou aqui, nem meio lá
Se partido meu sentimento está
Ainda é inteiro nas duas partes completadas
Perdoa-me vida, se ainda não sei tudo de ti
É necessário perdão se ainda não sei meiar,
Sei inteirar
Perdoa-me vida, se não aceitei de ti a parte divisora
Não te aceito, não te aceito, em cortes ou frações
Se hei de viver, que seja integralmente
Não há metades em mim, não há meados
Trata-me como o vidro, vida
Que a beleza do vidro refletida em partes
Quando quebrado, há de repartir-se
Refletindo cada um seu próprio prisma
De pedacinhos inteiros, embora separados

SEU NOME


Seu nome em pencas, brota em consoantes,
Mas não é um nome duro e petrificado
Não há razão pra não dizer seu nome,
Ele é som de água quando rodopia,
E som de vento, quando desvairado
Minha boca hoje quer tomar seu nome,
E engolir seus sons com língua úmida e erotizada
Travo o seu nome por entre meus dentes, cravo-o
Mordo-o, lambisco-o nas partes mais pesadas,
Assim eu o torno doce,
Macio e leve nas sílabas alteradas
Seu nome em minha boca, dito assim, é chuva,
Que cai mansinho em melodia ritmada
Seu nome agora é som de queda d’água,
Aérea em sopro de vogais enfileiradas.

MUTAÇÃO


Velhos jornais estão a minha volta
São velhos porque já os li,
Embora ainda sejam notícias do dia de hoje;
Um homem morreu na baixada vítima de tiro
O mesmo homem da semana passada
São notícias que passaram
Eu também já passei
Tinha há um segundo um olhar brilhante e a pele fresca
E agora que já vivi esse segundo
O meu olhar já se mudou em cor e estranheza
Somos miseráveis seres desse mundo
Que mudamos continuamente nos segundos
Aquilo que deveríamos ser a vida inteira.

TALENTO



Não tenho talento para viver
Ainda não sei viver,
Não sei sair de armadilhas
Enganar o próximo
Roubar o tesouro
Encher de ironia a vida de alguém
Engano a mim mesma
Roubo meu próprio tesouro
E me desarmo em armadilhas
Que eu própria inventei
Minha ironia sou eu.

VACA AMARELA


Se a vaca amarela da minha infância
Viesse contemplar minha feição
Veria, como eu vejo,
Que eu fiquei por ultimo,
No vazio,
Na fila,
Na razão.
Vaca amarela,
Vaca amarela
Veja se é possível,
Ainda possível,
Se não é muito tarde,
Me tirar da panela.

OS DOIS CACHORROS


Um ancião índio norte-americano, certa vez, descreveu seus conflitos internos da seguinte maneira:
"Dentro de mim há dois cachorros. Um deles é cruel e mau. O outro é muito bom. Os dois estão sempre brigando".
Quando lhe perguntaram qual cachorro ganhava a briga, o ancião parou, refletiu e respondeu:
- "Aquele que eu alimento mais freqüentemente..."
(Autor desconhecido)

DUVIDAS E ECERTEZAS


De todas as dúvidas que tenho
Só me acena uma única certeza
Que os dias passarão rapidamente
Que a primavera antecipará o verão
Que as cicas revolutas que enxergo
De minha varanda,
Se embelezarão de um verde que jamais possuí
Que gerações de bem-te-vis que aqui vêm,
Virão, mas também irão,
E como eles, os graciosos bem-te-vis,
Eu me desvencilharei devagar dos móveis,
Das paredes, de mim mesma,
Me despedirei devagarzinho desse ar,
E buscarei para mim um rio novo
Numa felicidade planejada e consciente
Enredada em outros braços,
Cantando novas canções.

29 September 2006

HERANÇA


De minha mãe herdei o cabelo liso e grosso,
Cabelo bom,
E aquele muxoxo diante da vida
O sacudir de ombros,
Feito para expressar apatia.
Minha mãe me deu os traços redondos,
Nariz de pilão e pele grossa;
Mas deu também a cabeça aérea e a fala mansa,
Que não conhece gritos, só solidão...
De meu pai herdei o cinismo e o humor fino,
O gosto pelo trabalho, a procura da liberdade,
Jeito pessimista de ver a vida,
Os olhos apertadinhos,
Vontade de ficar só...
Mas quem somos nós,
Que adquirimos hábitos e formas
Na vida que passou, e que ainda passa?
Há assim dentro de mim pai e mãe,
Porém há milhões de Cecílias desnudadas,
Mil de mim, partidas, multifacetadas,
Eis que me procuro ainda,
E se não me vejo,
Tenho o consolo de me achar em nada.

EPITÁFIO


Se agonizo e morro
A quem interessará?
A não ser aos bem-te-vis
Que bem me viram e que passaram por aqui
Ao homem do cigarro que me aborda às vezes
O luto que o mendigo da esquina guardará
Por não mais receber o meu sorriso depois de alguns trocados
O resto é nada.
Um dia passará, uma semana, um ano,
E quem se lembrará de quem olhou tudo com avidez?
O meu epitáfio me lembrará assim:
“ Há morte em vida”
Mas há ressurreição que ficou postada
No copo de cristal que toquei
Nas teclas amareladas do piano,
Na cortina que puxei com força tantas vezes
E na poesia que deixei em tudo
Irremediavelmente em tudo
Até no abstrato
Como o sentir, o falar e o calar.

EU QUERO


Já lhe disse que eu quero muito mais?
Mas o querer que eu lhe disse que queria
Queria lhe dizer que ainda quero
E eu queria que soubesse que o que eu mais queria
Era querer ardentemente que você também quisesse.
Querer é só vontade do outro querer a gente
E a gente querer que o outro
Quisesse o que a gente quer.

AS DOZE FACES DE CECI


As doze faces de Ceci
Se misturaram em uma
Sobrou sobrancelhas por baixo do nariz
Boca esquerda, boca direita,
Nada no centro
Somente um nervo
Com dois corações lá dentro
Um pra dor que já vai embora
Outro pro desabrochar do logo mais
Ceci em uma, é luz
Ceci em muitas, é nada.

28 September 2006

MULHER DE SORTE

Eu fui uma mulher de sorte
Nasci prematura e vinguei
Me criei em cidade pequena,
Família grande
E vinguei,
Viajei, tomei outros ares,
Visitei museus e vi black people de perto,
Falei outra língua, comi gordura e desci barrancos
E vinguei
Me casei, dei meu amor
E se vingaram de mim
Minha sorte está na possibilidade de
A sorte dos outros esta na impraticabilidade da minha vingança
Que só vinga o que é bom
Não vinga ninguém.

VIDA NOVA


Salve, salve, vida nova;
Se o tempo não me salva
A poesia me salvou.

26 September 2006

SEM TEMPO


Hoje não terei tempo para escrever
Muito menos prá devanear
Coisa que mais gosto de fazer
O fazer nada, o olhar de peixe morto
Como dona Mariquinhas me alertava
Que eu tinha, que ainda tenho,
Olhar de busca nunca terminada
Mas o que fazer de mim, Dona Mariquinhas?
Caso perdido, poeta encasquetada!
Assim, me revisito em meus poemas
Com igual sentimento quando foram feitos
Somente me lembrando de alguns versos
Frases que fiz
A ordem das palavras,
O núcleo do coração em V
Os sons em rebimbadas

Como é delicioso ser poeta
Meus poemas, eu carrego todos
Os que eu fiz, os que farei
Esse que eu faço agora,
Onde eu vou,
Onde eu estou,
Onde quer que meu coração esteja.

25 September 2006

PASSEI O DIA



Hoje eu passei o dia
Como passei um lençol
As pontas amassadas da noite mais difícil
O entremeio árido do meio dia,
Amainando as dobras
Alisando as rugas,
Com o único calor que tenho e que conheço
Que é meu riso,
E o que ainda tenho, minha alegria.

Agora que o dia foi passado
Vou me preparando para acabar a tarde
E como fiz com o lençol
Acaricio o que já foi amarrotado
Respiro-lhe, aspiro-lhe, me orgulho dele,
Do bem que lhe fiz em ter cuidado
E cuidadosamente,
O guardo.

MEUS OLHOS


Por que não tenho os olhos de jabuticaba?
Negrinhos, escurinhos, feios,
De tão safados?
Tenho os olhos da amora
Desmanchados, inchados, aguados,
Feios, de tão chorados.

LOUCA CECI


As coisas são como são
Mas para Ceci
Coisas não são coisas
Sao bilhetinhos de poesia
Que chegam todo dia
Junto com o café quente e a manteiga no pão
Na voz taquarada e rachada do apresentador de TV
Na sujeirinha que ficou entre a porta e o quintal
No ruído da água do chuveiro que o vizinho abre
Todas as coisas podem ser aconcretadas
Mas Ceci interpreta assim
A poesia primeiro,
Depois a crueldade que vem
No grito, no processo, na indiferença
Ceci romantiza tudo
É porque Ceci é louca
Mas eu,
Eu não sou não.

24 September 2006

QUERO QUERO


Um quero-quero passou na casa de um amor
Vai quero-quero, volta lá
E diga que esperei, e quis,
Não quero mais.

O CAMINHO IDIOTA DA LESMA


Eu não sei se você sabe
Mas a lesma que caminha sobre a folha
Tende a ter uma restrita visão
Vai tão oleosa, vagarosa
Sinuosa,
Que perde não só a noção do tempo
Mas de todos os seus objetivos
Que eu nem sei quais são.

Eu também, como a idiota lesma
Vim andando sobre a vida
Imensa folha a percorrer
Cruel destino a rastrear
Me arrastando de milímetro a milímetro
Desenho industrioso de teima
De paciência, confusão;
Perdi a visão
Perdi a meta
Limitado horizonte
Caminho só de ida
Mas se a lesma não cai da folha
Eu sim,
Eu caí no chão.

E estou até agora,
Estafada, estatelada
Sabendo que é preciso subir na folha novamente
Desenhar o absoluto rastro de respeito
Mas como é alta a folha,
E como eu sou lenta!

SOLIDÃO


Apenas uma linha para definir a boa solidão
Perfeita combinação de eu mais eu.

23 September 2006

QUERO, QUERO


De você, André, eu quero a música
A facilidade dos sons que nos circundam
Perfeito ambiente onde há melodia
Sua alegria entremeada à minha
Sua presença forte e admirada
E o seu puxar das cordas
Como toquei um dia.

De você, quero a razão, Clarissa,
O conduzir das coisas “ sim e não”
Perfeito ambiente de supremacia
Onde o certo vira errado,
Quando seu errado é tão mais acertado
Depois da sua risada de perder o fôlego
Como eu já fui
E eu já ri um dia

Aos dois, só posso lhes dar minha poesia
O devanear das coisas,
MInha loucura em fantasia
O distraído andar, a fala mais macia
Perfeito ambiente onde há magia
Essa magia que eu crio
E que recrio todo dia
Pra que eu sobreviva
Que nós sobrevivamos
O que eu não pude ser
O que eu não soube ser
O que eu serei um dia.

ANDRÉ



Meu peito estava triste, meu filho
O buraco que que se formou
Abriga as coisas todas que ninguém desejou
Nem você, nem eu, nem o mundo
Mas o desejo está em todas as coisas, meu filho
O desejo está na criação de todos os dias
E na morte de todas as coisas que se desejou
O nascer e o morrer,
O criar e o descriar
O vínculo e o desengate
Foram votos de palavras, que cumpridas
Nem sempre foram ajustadas, mas ainda assim,
Foram vividas.

Um dia eu lhe desejei, meu filho
Imaginei seu sorriso grande
E o seu olhar esverdeado
Por baixo da sua cabeleira lisa e farta
Um coração ameno,
Graça de sensatez e raciocínio
A pureza dos sentidos
A sua fidelidade
A música, a minha música, que era só minha
Agora entre seus dedos
O seu falar cadenciado

Assim como o buraco que se abre em rasgo
Aí vem você, o meu desejo antigo
Que em forma de afeto
Se acomoda direitinho pra dentro deste espaço
Que eu nem sinto dor, nem sinto medo
Por ter-lhe assim, bem junto do meu lado.

DONA MARIQUINHAS


Dona Mariquinhas,
Quem é que pode com a sua esperteza,
Com a sua decisão de ferro
Sua mão disciplinar
E a sua teimosia em colocar seu Deus em tudo?
Sabe o que fiz, Dona Mariquinhas?
Coloquei seu Deus de ferro em minha vida
E não me apareceu nenhuma esperteza
Que disciplinasse minha mão
Falhei, Dona Mariquinhas,
Falhei mil vezes, e ainda falharei
Mas quem é que pode com o seu conhecimento antigo?
Eu ainda sou tão novinha,
Como os chuchus d´agua que estão brotando no quintal
Na casa em que morarei
Eles são a intenção impensada que pulsa pra sair pra vida
Eu sou a intenção da vida que pulsa pra entrar em mim.

22 September 2006

O PREÇO


Se a felicidade tem um preço
Como dizem os capitalistas
O poeta diz
Fiquei devendo os olhos da cara pra felicidade
Saquei confusão e sofrimento
Vou pagar em dividendos
De safadeza, de estrepolias, de êxtase
Preço justo.

O BURRO


O burro é mais inteligente do que eu
Quando empaca, empaca as orelhas
Os cascos, as pernas, o tronco
A razão
Quando empaquei
Foi só no coração
No resto eu fui
Não há razão que sobreponha a inteligência
A minha razão é louca.

PRIMAVERA DOS SETENTA CICLOS


Estava dormindo agora há pouco
Quando a nova estação chegou
Nem deu o ar da graça fazendo barulho
Como certas pessoas
Que entram aqui
Quando abri os olhos
Olha ela aí, sorrisinho perfumado
Aquele que eu não conhecia e há muito tempo
Falou assim:
“Ceci, Ceci, a jacutinga já voou
Agora esse seu peito está desgaiolado”
Eu agarrei na mão da primavera
Eu me agarrei na sua figura, na poética estampa
E estou até agora, grudada com ela
A primavera vai durar setenta ciclos
E me levará a setenta caminhos
Que eu não escolherei, pois viverei em todos um trechinho
Me fará setenta vezes mais sábia
E setenta vezes mais apatetada
E setenta vezes mais desmiolada
Até que eu esqueça
Que houveram jacutingas,
Barulho, pessoas,
A gaiola,
Os setenta invernos do único caminho.

21 September 2006

A JACA


A pior fruta que existe é a jaca
Jaca manteiga, jaca da terra, jaca amarela
Jaca, não há nada que a faça melhor
A doçura do interior da jaca
Não lhe compensa a aspereza
A aversão

O pior sentimento do mundo é o amor
Amor de verdade, amor sussurrado
O amor dado e não compreendido
O amor recusado
E repreendido

Amor e jaca,
O amor, esse me mete medo
Dos pés a cabeça
Do ventre ao pensamento
Da ilusão à razão
Entre o amor que tive
E a jaca
Há um milímetro de compensação
Não há nada que fiz
Nem nada que ainda farei
Para torná-lo melhor
Não é o amor manteiga,
Derretido e amiscarado
Nem o amor suave da terra,
Denso, amoroso, manso,
É só a possível aspereza,
Amor feio, maltratado, aversão.

FALINHA DO PENSAMENTO


Quando se está sozinho
E nao se tem nada à mão
A melhor coisa é se ler por dentro
Acabo de ler uma linha do meu pensamento
Estava em hebraico
E era uma falinha nervosa
Sem tradução
E fico com esse som de cantilena agora
Que vai pra frente
E que vai pra tras
Pra quem nao entende
Como nao me entendo
Tanto faz..

20 September 2006

SEM INSPIRAÇÃO



Ontem me disseram que poeta deve escrever com conhecimento de causa Loucura!
Eu, poetinha de mentira, respondo aqui, que a verdade absoluta é a realidade sem causa.


Hoje não é dia de escrever nada
Os passarinhos que voam estão voando normalmente
O gavião que mora à janela abaixo já deu uma rasante duas vezes
A orquidea que enfeita a sala está imóvel à espera de fenecer
Os carros estão passando lá em baixo e as vezes buzinam uns para os outros
Abri a geladeira, as coisas lá dentro ainda tiritam de frio
Daqui a pouco é meio dia, e meio dia se estenderá pra noite
Não há o que escrever
A não ser que eu gostaria que os passarinhos que voam entrassem na geladeira
Que o gavião enfeitasse a sala e buzinasse
E que o mundo ficasse louco de repente
E eu, a gargalhar, contente,
Esperando que como a orquidea, o dia fenecesse.

POEMINHA PRA ACABAR A NOITE


Um poeminha pra acabar a noite
Passou o dia,
E eu falei, falei, falei...
Ouvi, ouvi, ouvi...
Escrevi, escrevi, escrevi...
Mas não vivi o que o que vivi
- Puro surrealismo de televisão -
Queria mesmo é ter ficado fechada às trancas do meu quarto
Ter suspirado muito, ter falado pouco
E ter escrito
O poeminha da manhã que escrevi
- O átimo da palavra pesarosa -
Num montinho de palavras com mais luz
E ter escrito
O poeminha da tarde que escrevi
- O cume do sentimento desastroso -
Numa roldana de cores que nem vi
Este poeminha, que acaba, como acaba a noite
Queria ter escrito com mais ânimo
Mas tê-lo escrito, tê-lo imaginado
Me trouxe agora o sossego, o ganho, o gozo
Que vou dormir, de olhos preguiçosos
Contente com esse pouco que escrevi
- Eu me contento com tão pouco -
É que eu me basto,
Eu estou plena de mim.

19 September 2006

CLARISSA E A JACUTINGA


No tempo em que fui feliz
E sabia fazer poemas
Eu tinha um nome de santa
Era Clarissa dos Reis
Da ordem dos Franciscanos
Doce igual doce de clara


No tempo em que fui feliz
E sabia subir em árvores
Eu tinha as pernas esguias
O dorso fino, delgado
Pegava a fruta no pé
Livre, suspensa no ar
Perto do céu, sem limite.

Agora sou jacutinga
Triste, feia, enegrecida
Jacutinga, jacutinga
Não há canto que me doa
Tão igual a minha vida
Se houvesse morte ao contrário
Eu nascia jacutinga
E morreria Clarissa
.

JACUTINGA, JACUTINGA

Jacutinga, jacutinga,
Pia triste no meu peito
Jacutinga, jacutinga,
Metade que sinto é paixào
Mas metade é desespero
O piar da jacutinga
Que piava no sereno
Agora é choro doce
No meu coração pequeno
Coração de jacutinga
Se há dor, se há um momento
Em que me pego tristonha
É porque a jacutinga
Veio morar aqui dentro

MAKE BELIEVE



Vamos fazer de conta
A vida passou, eu era feliz
O vendedor de morangos esvaziou a caixa
E o guardador de carros guardou meus dentes e a minha alma
Os gritos que eu ouvia eram só de alegria
E o pisar de pés era a confraria fazendo a chuva dançar
As lutas ocorreram em slow motion
As cicatrizes foram feitas de henna
O sol esquentou até ferver em mim
Havia duas luas no céu, uma pra queijo,
Outra pra goiabada
O cintilante do esmalte foi meu lustra móveis
A pena do bem te vi caiu aqui na minha mao
O make believe do meu temperamento
É que me faz rodar a baiana
E deitar por terra todos os cachos de banana
Prontinhas pra me derrubar no escorregão
O mundo de mentirinha é são
Todas as outras coisas é que não são.

14 September 2006

CAPA DE LIVRO


Hoje estou cansada
O trabalho não foi duro,
Mas as pessoas, meu Deus,
Como são duras!
Chego em casa
Resolvo que nada a fazer
É o melhor remédio
Mas que também custa,
O nao fazer nada...
Estou cansada de mim
Da mesma aparência, dos tiques
Das mesmas falas,
Os sons que batem em meus ouvidos.
Pudéssemos nós fechar as cortinas do nosso intimo,
Barrar a porta de entrada da nossa casa
Repleta de alma
E de dizer baixinho,
Aos móveis, à poeira deixada
Ao peixinho dourado que nada em solidão,
" Sou capa de livro",
Nao quero ser nada.

13 September 2006

CLARA


Clara, como pedir perdão a um filho?
Assim,
Eu lhe olho nos olhos
E lhe digo
Que o meu amor é mais,
É muito mais,
Que o perdão que você traz consigo.

A JACUTINGA


Tenho compaixão pelos meus amigos
Porque eu os sei bons
Quando não me julgo assim
Meus amigos são aves de rapina
Que me perseguem mesmo quando escapo
Trazendo ou o jugo,
Ou a alegria
E eu, sou a pobre jacutinga
A desfiar o choro
Enquanto eles me caçam.

ESPERA


O que é a espera,
A não ser esses três pontinhos que eu desenho
Depois de uma frase duvidosa?
É o coma da palavra,
Á espera da intervenção do tempo.

12 September 2006

TREM, ÁGUA E GOIABA


Meu avô volta do passado
De voz grossa e empostada;
"Vida boa é de rapaz solteiro,
Nada, viaja, come goiaba..."
Meu avô, meu avô,
Cadê a goiaba,
Pra eu morder um tiquinho?
Onde a estrada,
Pra me mostrar o caminho,
E a invenção do rio de nadar
Fluido e piscoso,
Repleto de mar?
Meu avô, meu avô,
Que vida boa é esta
Que anunciaste,
E que se existe, ainda não vi?
Meu avô, meu avô,
Não há goiabas aqui,
Não há caminho...
Nem rio
Traz, meu avô,
Trem, água e goiaba,
Trem que me tire
E que me leve
Bem longe daqui,
Água fresquinha de rio,
Que é pra banhar o meu intimo,
E goiaba, meu avô,
Prá eu achar gosto em viver.

VUDU


Fiz um vudu à sua semelhança
Pra lhe desejar o mal,
O amargor do fel
Nao porque lhe quisesse mal
Mas porque lhe quisesse meu
Já que a minha vida é esse lamaçal de dor
Pra que voce ficasse como eu

O que recebi de volta?
Fogos de artificio com meu nome
Coraçõezinhos embalados em neon
Nào há vudu que lhe faça mal, ou lhe envenene
Seu lado bom é o me prende e ao mesmo tempo me repele
Voce é o doce da laranja lima,
E eu, agulha fina,
Cruel, raspante, lisa
Que mesmo que ainda tente,
Não lhe fere.

11 September 2006

MADRIGAL MELANCOLICO


Manuel Bandeira, que escreveu isso, nem desconfia, quando escreveu este poema, que eu desejaria te-lo escrito, te-lo reescrito, te-lo declamado e decorado e o guardado para sempre no meu coração. No entanto, eu o guardei.
Assim é a vida, não nasci Bandeira, mas quero ser o mastro que sustenta.



O que eu adoro em ti,
Não é a tua beleza.
A beleza, é em nós que ela existe.
A beleza é um conceito.
E a beleza é triste.
Não é triste em si,
Mas pelo que há nela de fragilidade e de incerteza.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua inteligência.
Não é o teu espírito sutil,
Tão ágil, tão luminoso,
- Ave solta no céu matinal da montanha.
Nem a tua ciênciaDo coração dos homens e das coisas.
O que eu adoro em ti,
Não é a tua graça musical,
Sucessiva e renovada a cada momento,
Graça aérea como o teu próprio pensamento,
Graça que perturba e satisfaz.
O que eu adoro em ti,
Não é a mãe que já perdi.
Não é a irmã que já perdi.
E meu pai.
O que eu adoro em tua natureza,
Não é o profundo instinto maternal
Em teu flanco aberto como uma ferida.
Nem a tua pureza.
Nem a tua impureza.
O que eu adoro em ti - lastima-me e consola-me!
O que eu adoro em ti, é a vida.

UMA INSPIRAÇÃO / ARTUR DA TAVOLA


"Afinidade não é o mais brilhante, mas é o mais sutil, delicado e penetrante dos sentimentos. Não importa o tempo, a ausência, os adiantamentos, a distância, as impossibilidades."

ARTUR DA TÁVOLA - UMA INSPIRAÇÃO

"A grandeza do amor está na impossibilidade de sua catalogação, cristalização, definição, congelamento em fórmulas, formas e fôrmas. Ele é tão amplo, misterioso e profundo que sempre está além de onde o colocamos. Sempre surpreende. Sempre é mais. É outro. Aparece diferente. Aumenta na hora de acabar. Diminui na hora de existir. De vez em quando, coincide. Enfada, se permanece. Assusta, se ameaça partir. Cansa na constância. Desanima na inconstância. Cresce, porém na constância. Vive de um estranhamento. Mas é carregado de afinidade."

10 September 2006

QUANDO EU FOR FELIZ


Quando eu for feliz,
Vou levantar mais cedo vez em quando
Mas vou dormir até tarde todo dia
Até meus olhos rejeitarem a escuridão;
Vou aprender a empinar pipa aqui na várzea
E a jogar xadrez quando estiver sozinha
Ganhar de mim mesma, e rir contente,
Que é possível ser melhor que eu

Quando eu for feliz
Minha poesia será leve como o ar que entra
E as palavras, essas mudarão de cor;
Só me vestirei de azul, em todas as nuances,
E os meus pés, apenas calçarei de luz.

Quando eu for feliz
Não faltarão os pães à minha mesa
E aos inimigos eu francamente sorrirei
Falarei Mandarim e Italiano
E reescreverei meus poemas em Francês

Quando eu for feliz
Vou cozinhar galinha e andar de bicicleta
Quero mergulhar num rio poluído de salmão
Saberei contar as gotas d´agua da bromélia
E tomarei mais vinho, mais tinto que o tição...

Quando eu for feliz
A amendoeira se curvará quando eu passar
O urubu rei terá coragem de reverenciar
Costurarei estrelas nos meus jeans
Farei um pacto secreto com a vagem
E desejarei ainda experimentar capim

Quando eu for feliz
A quem importa quando?
Ainda estarei aqui,
E a felicidade entrará como visita,
Tirará o chapéu,
Com cerimônia eu lhe darei as boas vindas,
“ - Bom dia, coisinha triste,
Vem pro meu canto se aninhar”
“ – Bom dia, minha madrinha,
Quero ser feliz, quero ser já.
Acho que a felicidade me fará como morada

DELICIAMENTO


DELICIAMENTO"
É palavra que inventei, porque descobri que podemos fazer isso, inventar, inventar e inventar.Eu também me inventei em muitas coisas, depois gostei do que fiz, que sou eu e a minha obra.


Se for pra esperar, espero,
No ponto do ônibus,
Na fila do banco,
Na curva do rio à boca do peixe
Na ampulheta à queda dos grãos
Que o circo se monte
Que a policia não prenda,
Que o homem se mate
Que a gente se vá,
Que o frio interaja
Que a manhã aurore
Que a tarde se estenda
Que o ar me renove

Se for pra esperar, claro que espero,
Que a ventania venha,
E mude a samambaia de lugar
Que o telefone toque
Que a chuva arrebente,
Que o sol me castigue
Que a roupa se seque
Que o céu desestrele
Que a lua se vá
Porque, você bem sabe,
- Só você é quem sabe, -
Se for pra esperar
Uma vida inteira é tão pequena
Para o deliciamento de encontrar.

BROTINHO DE FEIJÃO


Cecília, bela figura de fragilidade: brotinho de feijão nascido em algodão... Gostei muito de te ler. Um beijo rosane coelho
.
Ata
E não desata
O nó que nos segura
Retorce o fio de prata
Aperta, ajeita, e acata,
Que o nosso amor é frouxo
É solto, é muito pouco…
Junta,
E não separa,
A corda de cristal
Amolda, alisa, enlaça,
Que o nosso amor é frágil
É fino, é raso, é oco…
Agarra,
E assim amarra,
O nosso amor tão parco
Esse amor pequeno,
Brotinho de feijão
Crescido no algodão,
E salva o nosso amor,
Não mata…

09 September 2006

MANHÃ DE SÁBADO


Já vai fluindo esta manhã de sábado
Como se fosse uma bolinha de algodão em meio à ventania
Rodopiando em cima, em baixo, em meio ao dia
A manhã de sábado para mim é rosa chá
À tarde se tornará da cor da purpurina
Ainda radiante; espetacular mistério de votos de preguiça;
Mas a noite de sábado virá, bolinha de algodão parada à minha porta,
Pra me lembrar, que a noite, sem vento, sem malícia,
Há de me trazer a calma que eu buscava
A calma permanente e tão macia
De dias mais azuis, de noites aquecidas,
Igual esta manha de sábado,
Tão leve e breve como a cor do dia.

08 September 2006

8 DE SETEMBRO


Oito de setembro
É esperança no desespero
É desesperança
É amor de ontem renegado
É o desamor
É pender-se para frente,
É arrepender-se
É continuar para um lugar que não sei onde
É o descontinuar
Quantas asneiras há num 8 de setembro,
Se nem a independência da véspera me libertou!

BOBINHO


Atirei o pau no gato
Mas o gato morreu
A roseira secou
A água minguou
A luz apagou
Meu sonho morreu
Meu riso acabou
E nem cachorro havia pra latir
Não jogo mais nada em nada
A vida já se jogou em mim.

07 September 2006

GANHEI O AR


Deixei de resistir, ganhei o ar,
E agora, o poeta deslumbrado,
Diante do sentimento que a vida lhe mostrou
Faz versos, e não somente versos,
Sonha.
- Eu não sabia que a vida era isso -
Pensei que ávida, fosse só observar os passarinhos,
Como eu fazia com os pés descalços.
Mas a vida, ah, essa vida,
Ela também desarma os alçapões.

06 September 2006

POEMAS - MÁRIO QUINTANA


Os poetas não são azuis nem nada, como pensam alguns supersticiosos, nem sujeitos a ataques súbitos de levitação. O de que eles mais gostam é estar em silêncio - um silêncio que subjaz a quaisquer escapes motorísticos e declamatórios. Um silêncio... Este impoluível silêncio em que escrevo e em que tu me lês.

MÁRIO QUINTANA

05 September 2006

UM PRETO EDUCADO

Se hão de se chocar com o titulo dessa crônica, não vou suar em eufemismos, muito menos em palavras doces para me referir a esse cidadão que conheci há pouco, o preto educado; o mais educado homem com quem já cruzei.
Educado, educadíssimo, até que nunca um branco lhe chegaria aos pés.
Preconceitos à parte, porque sou poeta, e poeta não deve ter preconceitos, acho que poeta não tem nem ponto de vista, que é para ter os horizontes bem largos e saber que a vida é isso mesmo, um amontoado de besteiras que a gente vai poetizando, poetizando, até achar que valeu a pena.
Mas voltando ao preto, cujo nome não sei, mas fico imaginando que se chamaria João, João mais alguma coisa... Um indivíduo educado como aquele há de ter nome composto, não é possível que não tivesse uma mãe extremosa que não lhe desse logo um nome de príncipe depois do João... João Alberto, isso, João Alberto penso que seria perfeito para ele.
Quanto de altura? Um metro de 80, no máximo, porte robusto, mas não aparenta nem ser gordo, nem magro, nem forte... Um porte normal, de um branco normal. Usa roupas elegantes, embora eu perceba que não sejam, assim de grife, como sempre ouço por ai. Mas traja usualmente uma camisa social de mangas longas, arregaçadas, é claro, calor de Ribeirão, nem branco agüenta, o que dirá um negro, sangue quente, raçudo, acho que entende o que quero dizer.
Tem mais ou menos uns 55 anos, talvez tenha menos, não sou afeita a calcular as idades, não sou afeita a tantas coisas, mas sei que há muito passou dos quarenta. Ah, e usa um bigodinho démodé, daqueles que só um membro de uma família inteira tem, sabe-se lá porque.
Já notei, quando se chega bem perto, que usa perfume bom, recendendo masculinidade. Porém, o nosso preto não é nem másculo, nem viril, nem machão. É educado.
É meu vizinho. Poderia ser um colega do trabalho, poderia ser o dono de algum estabelecimento que eu freqüentasse, mas não, é meu vizinho. Não sei o que faz, nem adivinho. Às vezes nos cruzamos à espera do elevador, ele vindo de sua garagem e eu da minha. Vem a passos bem lentinhos, como se não quisesse me encontrar, mas acabamos juntos, nosso elevador é mais lento do que ele e sempre está nas alturas.
Daí se chega, vestido como descrevi, e uma pasta de executivo, ainda não reparei bem a cor, mas é uma pasta escura, e não parece pesada, que ele carrega com segurança e estranhamente com muito cuidado, gestos leves por cima da alça da pasta como se não quisesse acordá-la.
Quando finalmente nos encontramos, sacode a cabeça um pouco para a direita, não sorri, aliás, nunca sorri, mas abre a boca debaixo do bigodinho, e diz numa voz incrivelmente suave: “Boa noite, minha senhora”. Minha senhora! Eu, muitas vezes calçada de tênis, com malha de ginástica, a pele oleosa do calor, chave do carro na mão, impaciente olhando o mostrador dos andares. “Boa noite”, respondo apressada. . Ficamos em silencio. Não há o que falar a um preto educado. Do tempo? Ele não compreenderia... Falar do tempo a um educado seria o mesmo que gastar o Latim para favelado, ensinar logaritmos a recém-nascido, não falar de beleza a um narcisista. O silencio do educado é venerado, me parece que ele precisa de tempo para organizar a mente, sentir-se gente de novo depois de um dia intenso de trabalho. Tossir? Jamais! Tossir seria invadir a privacidade do educado, jogar-lhe nosso eu mesquinho e vulnerável por sobre seus ombros, perturbar sua serenidade com objetos orgânicos.
Sorrir, então... Não, melhor não, o preto educado não sorriria de volta, está acima de qualquer coisa subserviente que pudesse tirar-lhe daquele estado elegante, altivo em que ele se encontra. Aqui estamos nós, em frente ao hall do elevador, ele, olhando cada digito que desce, com muita paciência e nenhuma atração por mim ou pela minha conversa.
Os segundos passam, milagrosamente, a cada digito que descamba, vou dando graças a Deus. Afinal, há quase um ano que somos vizinhos, ele não me pergunta o nome, se estou gostando de morar aqui, o que faço para sobreviver, se tenho filhos ou se como goiabada antes de dormir. Nada!
Ele olha para baixo, para seus sapatos, aproveito e olho também... Às vezes são de couro marrom, às vezes pretos, nada de especial nos sapatos, mas ele os olha tanto, passo a achar que eles têm algo de mágico que nunca vi em sapatos de ninguém. Olhos os dele, e olho os meus, e assim, enquanto o elevador não chega, ficamos apreciando nossos sapatos, cada um a seu modo.
O elevador finalmente aterrisa no subsolo. . Penso, preciso comprar sapatos novos, esses já estão tão gastos, só uso esse par, porque não comprar um modelo mais arrojado e...de repente, um pensamento vívido me chega:
Meu Deus, Por que não compro sapatos? Toda mulher gosta de sapatos, as pessoas comentam, as revistas femininas divulgam, não há loja de sapatos que não esteja cheia de gente olhando vitrines, experimentando pares e pares. Não compro sapatos, nunca... E eu, tão vaidosa, mas incrivelmente para mim, andar com o pé na moda e bem calçado é um espanto... Por que não gosto de comprar sapatos?
Fico pensando na minha feminilidade, de quantas coisas deixei de fazer e comprar em função de ser mãe, de ter dois filhos, penso na abnegação de me doar sempre, de nunca dizer a não a nenhum membro da família, de suportar sacrifícios, forem quais forem para que os outros estejam felizes, para que tenham tudo o que desejaram, mesmo à custa da minha vontade, do meu ainda infantil desejo de valorização, de vaidade antes absoluta, indiscutivel, agora tardia. Penso em mim no antes e no depois. A juventude passou, e com ela a sofreguidão de viver intensamente tudo, a busca por aquilo que julguei belo, necessário, imprescindível, e o que ficou foi esse sentimento de doação sem fim, de eterno abrir de mãos e abrir de coração.
Olho João Alberto por um instante. Está de cabeça pensa, olhando seus sapatos também. Não deverá estar pensando o mesmo que eu. Seus sapatos são lindos, se está nesse momento pensando em comprar, certamente, não serão sapatos.
Pronto. O elevador chega. João Alberto, num ímpeto de vivacidade que eu não via até então, se joga na minha frente para abrir a porta do elevador pra mim. Claro, ele é um homem educado. Voz suave e mansa: “ Por favor, minha senhora” .
Entro, aliviada, e digo um “ muito obrigada” bem baixinho.
Agora ele aperta o botão que corresponde ao apartamento onde mora, me pergunta o meu, aperta também e subimos.... Ele mora mais baixo, vai descer antes. Segura a pasta com as duas mãos à frente, olha para cima a contar os andares que sobem lentamente, nem um suspiro eu ouço, um nada...
Chega. Abre a porta, não sorri, nem dá ar de intimidade...
“ Boa noite minha senhora” .
“ Boa noite” , eu replico.
Grande homem, fino e educado. Como é bom conviver que com pessoas, que sem falar absolutamente nada, nos enviam ao profundo de nós mesmos, nos fazem refletir sobre a vida, sobre nossas carências, nossos erros e tão poucos acertos...
Obrigada meu amigo João Alberto, posso chamar-lhe de amigo, reconhecer em você a destreza com que me faz refletir sobre a vida, embora por tão poucos minutos, e o prazer que sua companhia, calada e distante me dá.
Sim, creio que posso chamar-lhe de amigo, você me dá a confiança, mesmo atordoada no fim do dia, e com sua respiração leve, cadenciada, morna, me faz respirar junto com seu ritmo de respiração, e isso me torna mais calma, mais serena, exatamente como você se comporta,, empinado à porta do elevador esperando a saída.
Para que servem os amigos senão pra nos devolver a paz que nos faltou, o respeito da privacidade, o aceitar de nós mesmos em meio ao turbilhão que a vida nos obriga e comanda?
Obrigada meu amigo João Alberto. Sua companhia me é muito valiosa. Da próxima vez, continuarei calada e cabisbaixa, mas meu coração enviará a você toda a gratidão desses nossos momentos. Momentos únicos.
Você, por certo, nem desconfia, mas é tão bom saber-lhe meu amigo!

DOMINGO


Nesse meu quarto novo,
Em que não há cortinas,
Desperto mais cedo neste domingo,
Porque as filigranas do sol batem inteiras
Por sobre as paredes, chão, armários e vidraça.
Festejo a vida; há ouro em pó por sobre a cama.
A cidade está calma porque muitos ainda dormem
Porém, o meu coração agita-se;
Permito-me atravessar um longo dia de reflexão
E dúvidas.
Penso em viver o cotidiano simples,
O lavar o rosto, preparar café, beijar as crianças;
O dia ainda é uma semente,
Vai florescer até à tarde, e terei mais uma página escrita
Da solidão de todos nós,
Que tenta distrair o dia para esperar a segunda feira
Com seus tormentos e suas obrigações.
Ainda é um domingo inerte, repleto de promessas
Logo se transformará em tédio.
Contudo, o ar deste domingo agora no meu quarto,
Pintando cores quentes sobre a minha cama,
Dá-me a segurança do ser quem-sou,
Do regozijo de meus enganos,
Da dor das minhas perdas,
Da imensa felicidade de me saber vivendo;
Das buscas ainda a empreender,
De meus sucessos,
E também de meus óbvios fracassos.
Respiro profundamente este domingo novo,
Que apenas brotou...
Sinto um contentamento inocente
Porque é ainda é tão cedo,
Tudo está calmo,
O silencio dos que dormem é leve,
E eu, aqui, encantada e rodeada de domingo.

04 September 2006

TRES COISAS


As melhores coisas da vida
O que são?
Só sei contar três
A felicidade de ser quem eu sou,
A consciência da minha liberdade
E a imensurável riqueza de saber
Que alguém me ama,
Não por eu ser quem sou,
Nem porque possuo liberdade
Mas porque alguém neste mundo
Vasto e interminável
Respira e sonha comigo
E isso me basta
Se somos diferentes, antagônicos,
Distantes,
Nada importa à minha felicidade
Três coisas me fazem o bem
Eu mesma, minha construção diária de humanidade.
Meu vôo livre de pássaro que ensaio todo dia
E a certeza de que há almas pares separadas,
Mas que se procuram,
Como é simples e único se obter felicidade!

03 September 2006

TODAS AS MULHERES


Todas as mulheres do mundo estão em mim nesta noite,
Cada uma delas, com seus bordados, os aventais, a lida,
Suas solidões de filhos, as conversas banais,
Os objetos cuidados, a saúde de todos observada e preservada.
Aquelas que são amadas e as outras,
Que recebem a mais profunda negligência do amor;
Que não conhecem a leveza dos dedos, e sim o jugo do amor cobrado;
Carrego as permissivas, as que cruzam as pernas e oferecem não mais do que o desejo,
As que reinventam o amor, o amor de noite,
Mas que é um amor triste, que não é o meu.
Tenho em mim as traídas, que perseguem o amor inútil,
Um amor do homem que jamais se transformará,
Porque não sabe o conhecer de si mesmo, e, portanto, não ama.
Sou a mulher simples, a mulher parda, branca, negra e comum;
A que trabalha doze horas ao dia e que tem a alegria de ser sozinha,
Que só conhece o mutirão, o grupo dos seus, a força do grito.
Estou naquela mulher esbelta de blusa estampada,
Escolhendo os pepinos na quitanda da rua
E que os apertando, apenas na intenção da saciedade;
Quer expressar desvelo e cuidado na refeição da tarde,
Que junta os seres, mas que também separa as vontades.
Sou a mulher do mundo, única e integra em mim mesma;
A mulher das capitais, metrópoles,
A mulher do beco, todas as mulheres das roças e canaviais,
A mulher oriental e a emancipada,
As feias, as cheias de graça, as puras,
E as que não são mais.
Nesta noite quente, de poucos avisos e sem surpresas,
Em que as mulheres do mundo todas circulam,
Cada uma em sua função de acertos e erros,
Carrego as tristezas delas, carrego também as farsas;
Sou eu, em muitas,
No inconsciente de todas as nossas competências.
Por isso, sofro.

01 September 2006

POETA

A felicidade do poeta
É escrever um verso que lhe cabe
De dor, ou de prazer,
De amor, ou de bobagem,
Mas acreditar no verso
Saber-lhe verdadeiro
E fingir contente
Que se sofreu de fato