30 March 2011

CANÇÃO DOS ALTARES


Que sol aquece o Senhor?
Que vida lhe dá esperança?
Diante de qual altar o Senhor se ajoelha
e reza, amargurado, pelo seu fracasso?
Há altares frágeis, como os meus altares,
no entanto, venho aprendendo a duras penas
que a despeito dos meus pensamentos insanos,
todos os altares são somente altares.

CANÇÃO DA ESCASSEZ


Mata-me depressa, esperançazinha,
mata-me, desapareça com esta minha figura,
porque somente no dia de hoje,
descobri que neste mundo de escassez,
os mercadores vendem-me o pão,
e no entanto, são eles os que o devoram.

29 March 2011

CANÇÃO DO NADA



Deixe-me viver hoje,
como no dia de minhas bodas,
eu tinha um véu e um caminho...
E deixe-me morrer, quem sabe quando
como no dia de minha nascença;
eu era nada e nada sabia.

CANÇÃO DA PRIVAÇÃO


Quem pode me contar da primavera
que em meu quarto havia?
Era fresca e cálida,
e durou o tempo de uma respiração.
Se a cama ainda eleva
os perfumes das groselhas,
a alma já desperta
de frio e privação.

25 March 2011

POEMA DO MATERIALISMO



Hoje não me fale de amor,
não me fale de crisálidas
e não me fale de espíritos.
Hoje estou somente
para pão com goiabada.

VICIADA EM TRISTEZA


Os amigos ficaram preocupados;
a família ainda discute, acalorada:
"Viciou-se em tristeza! ", diziam
e para ela, qual salvação haverá?
A viciada sorri;  furtivamente
sai pela porta dos fundos
atrás de uma tristeza danada de boa
para se alegrar.

CANÇÃO DO MURO



Lá fora, sob o sol,
há um arbusto e um muro baixo.
Neste momento,
na escuridão de mim,
há somente um muro alto
que os meus olhos tentam escalar.

23 March 2011

CANÇÃO DA VIDA


Saber voar não é tudo;
é preciso saber pousar.

TUA PERSONA



Tua persona,
oh, choupana de barro sem nó!
Eu vinha surgindo alegre,
para entrar-te a porta
mas tu, com esse teus cabelos fartos
trancou-me a boca e calou-me a fala!
Fosse pela palavra, estaríamos próximos,
mas a palavra, essa bendita chave,
ficou pendurada no lado de dentro da tua face.

EITA VIDA



Eita vida!
Quanto mais me fujo,
mais de alma enche-me
e se por assim me escondo
de mais espírito prende-me.

QUARTA FEIRA



Nesta quarta feira
os soldadinhos da semana atiram
contra o fastio.
A força inimiga está vencendo
munida de solidão.

22 March 2011

POEMA PARA A LEVEZA DO MEU AMOR





Ah, amo-lhe tanto, mas tanto,
que até para fazer careta
meu amor por você, ri.
Sabe aquele dia em que
lhe peguei na mentirinha
que foi mas não foi?
O tempo azul  ia fechar em luto
até que virou o circo da minha infância,
- a serragem caiu tão  fresca e cheirosa,
e o malabarismo dos seus lábios
voou, muito acima do meu chão.

MISTY DE SARAH VAUGHAN

Mais Misty para quem ama Misty








21 March 2011

MISTY

Este clássico, no melhor estilo country, marcou a vida de muitos,
incluindo a minha....






CANÇÃO DA VIDA A DOIS

Ele amargou-se,
saindo do pic nic.
Tínhamos levado
bolos e frutas no farnel,
porém ele só viu as formigas.

20 March 2011

PLEASE, PARE O TREM


Please, pare o trem!
Há um passageiro atrasado,
que acaba de perder
a hora de viver.
Please, pare o trem!

19 March 2011

INTEGRANTE


Acredito, acredito,
acredito em ser
sem precisar ser
a todo instante.
Há um momento
em que ser nada,
nada pensar,
nada contribuir,
não dar nem receber,
não olhar e não ser visto,
é parte da vida
integrante.

17 March 2011

A FESTA DA POESIA




Ontem, um dia após o Dia da Poesia, uma escola pública de Ribeirão Preto homenageou-me. Isto faz parte de um projeto sensacional liderado pela admirável Maris, da Casa do Poeta de Ribeirão Preto e que trabalha na Biblioteca de uma escola pública de nossa cidade,  fazendo um trabalho de leitura com mais de mil alunos, do ensino fundamental ao ensino  médio. Os alunos mais afeitos à literatura haviam lido meus livros sob a sugestão e supervisão da Maris e  Érica, e se prepararam para a minha visita na data programada.

Achei no momento do convite que nem tudo estava perdido. Vieram me buscar em casa. Ponto para a escola! A diretora me recebeu na porta. Dois pontos para a escola!. Quando entrei, fui vendo vários de meus poemas espalhados pelas paredes dos corredores em forma de painéis, muito bem feitos, em cartolinas coloridas. No mural do centro da escola, bem à frente, vi meu nome recortado em letras azuis (?) garrafais "CECÍLIA FIGUEIREDO" e alguns dos poemas mais esquecidos por mim dispostos lateralmente. Neste momento, precisei abaixar para recolocar meu queixo que havia caído.  Ponto para quem fez isso! Bem, fiquei sabendo depois  que são os alunos quem confeccionam esses painéis. Quantos pontos deverei dar aqui? Uma linha tracejada de pontos para cada um, no mínimo!

Mas o melhor estava por vir. Os alunos selecionados, 15 ou 16 anos,  cerca de cem, estavam todos sentadinhos numa  sala arejada, quietinhos, como uma pintura de Portinari.  O cenário era propício: mesa com toalha branca, flores, as cadeiras dispostas em hieraquia bem à frente. A diretora fez uma pequena preleção sobre a importância da literatura e me convidou a entrar (sob aplausos!) Ponto para todo mundo! A queridíssima Maris tomou da palavra e deu nomes aos bois. Falou do sentimento que a poesia dá na gente, que chega a doer. Meu peito doeu também, pensei que eu tivesse morrido e que aquele momento fosse a encomenda para a saída do féretro. Ia esquecendo de dizer que no momento da minha entrada, pude perceber que muitos deles estavam segurando pastinhas de capa verde musgo,  que logo depois, descobri para que serviam. Os alunos vinham à frente, cada um por sua vez, (alguns vieram de dois  em dois), e liam  meus poemas, interpretando-os, cada um a seu gosto, que  por acaso ou coinciência, era o meu gosto também.
Alguns estavam mais nervosos, meus nervos também tremeram pelo nervosismo deles, e você sabe, nervo quando é genuíno, contagia.

Meus poemas na boca dos adolescentes foram música para meus ouvidos:  muito mais rock and roll do que a balada triste sob a qual  foram gerados, mais confeitos do que as pedras pesadas, mais azuis do que o branco sem graça das palavras. Liam enfaticamente algumas passagens, sussuravam os finais, como que fazendo uma  poesia nova, só deles, mais branda e mais simpática do que as originais.
Depois a Maris abriu a sessão de perguntas: fizeram todas, mas nenhuma sobre a minha vidinha pacata. Não me perguntaram por quem me apaixonei nesta vida, quantos anos venho carregando nestes lombos, se tomo banho as dez ou se uso calcinhas da cor das meias. Perguntaram-me, circunspectos, sobre a minha poesia, e incrivelmente, respondi a todas, mesmo com a emoção entrando e saindo pelas minha narinas. Ponto para as perguntas inteligentes das pessoinhas inteligentes da E.E. DIVA TARLÁ DE CARVALHO, orientadas pelo nobilíssimo trabalho de Maris e Érica e notoriamente abençoado pela diretora Marta e suas coordenadoras!
Claro que levei meu violão a pedido da poetisa Maris, e cantamos duas canções em uníssono. Ponto para a música e para a animação contida e obediente da garotada! Ainda preciso contar que lá havia duas garotas estrangeiras realizando uma espécie de intercâmbio cultural: uma de Portugal,  aquele sotaque lindo de torcer os ésses e rebolar os érres, e uma argentina dulcíssima que me falou de Buenos Aires. Ponto para a importação dos sotaques!

Depois das fotos, flores, presente, autógrafos, abraços, uma menininha graciosa chegou-se a mim, e reservadamente, disse, embaraçada: "Me identifiquei com você, também quero ser escritora!" Ponto para mim, que pude despertar em alguém aquilo que mais acreditei e que para mim, nunca passa!

Difícil descrever aqui a sensação de ter vivido uma experiência onde um poeta é visto por alunos do ensino médio de uma escola pública como um tesouro que necessita ser preservado. Penso que esta escola no bairro Ribeirão Verde deva ter tido inspiração de algum país super-hiper-casper desenvolvido da Europa e que por engano de algum lobista, foi fincada nesta cidade.  Na próxima vez que eu for a Casa do Poeta, vou perguntar isto a Maris. Desconfiei que os professores ali ganhavam em dólares e que o intervalo dos alunos deveria ser de enlevo na contemplação das  poesias que enfeitam as salas...

Viva, viva! Viva este Brazilzinho que ontem conheci,  extraordinário e escondido de Ribeirão Preto, e que através desta gente incrível, educa bem, valoriza os escritores da terra e finalmente  motiva-nos a seguir em frente.
Ponto para aqueles, que com dia marcado, nos abraçam, e que ao invés de nos mostrar a nossa própria poesia, justamente eles, elevam a poesia ao posto de almirante e tornam-se os poetas da hora.
Portanto, ponto para estes poetas que não se sabem poetas, mas que poesia fazem.
Porque não se engane,  a poesia não passa disso: primeiro o gosto pela palavra, depois a palavra que dá o gosto e a entonação que o coração dispara.
Ah, ia me esquecendo: no finalzinho, apareceu uma garrafa de Coca Cola em cima da mesa de toalha branca e algumas  bolachas macias. Dia de festa!
Ponto para a festa da poesia!

SALVAÇÃO CONDENADA


Meus amigos, salvem-me!
Meus amigos, meus amigos,
corram para ver a minha última
hora de Tiradentes mártir,
minha delação executada,
meu manto repartido,
minha cara a tapa.
Meus amigos, meus amigos,
salvem-me,
enquanto a salvação ainda grassa!
Salvem meu sobrenome,
salvem a consoante da minha poesia,
salvem-me daquilo que me sobraçou
e me atirou às prisões sem justiça
e sem piedade...
Salvem-me, meus amigos,
que o galo canta,
e se o galo canta,
é porque a salvação foi condenada.

16 March 2011

POEMA DEDICADO AOS CÉUS MANCHADOS E AOS INFERNOS ASSEADOS



Que sonho de céu te aporta?
Que sonho de céu te importa,
que sonho de céu te acorda,
que sonho de céu te entorta?
Um céu rural apascentando  vacas?
Teu sonho de céu,
é rude enquanto é a tua risada
porquanto seja rude tua fala.

Jamais desejarei teu céu,
e me quedarei  aqui mesmo
inebriada de uma  felicidade farta,
no céu de infernos em que me colocaste...

Um céu de separatas,
torna-se planície de regalos,
tão afastada de ti
agrada-me, agrada-me.

Que sonho de céu te aparta?
Somente meu céu de infernos,
este lírio afogado que sobrou da farsa
- era tão belo o lírio! -
 Mas lírios morrem, a beleza morre,
eu também morro,
e só teu céu escrito
resiste em meio às feias plagas.

13 March 2011

POEMA DO CORAÇÃO PARTIDO



Meu coração é uma sacada
e uma vista.
Meu coração é o barulho
dos passos
e um grito de desconsolo
do ciclista.
Meu coração é parte do mundo
e é o mundo
que me parte em cisma.
Tudo o que temo
meu coração o é
e tudo aquilo que penso ter,
meu coração retira.