30 January 2007

TER ESPERANÇA


Ter esperança
É tão infantil
Quanto o debruçar à beira do regato
Prá ver se um peixe passa,
Estica a cabeça pra fora
E lhe deseja um bom dia.
Ter esperança não é coisa razoável
Ter esperança é sandice.
Basta que eu feche meus olhos agora
Que me permita me imaginar mais madura
E muito menos sensivel
Para recolher os frutos dessa vida
A vida passa,
Como a rola que passou;
Inteira, fugidia,
E voou,
Sem rumo;
Ela não tem esperança,
Eu nunca tive.

27 January 2007

ESTANDO AFLITA, A PÍLULA


Como devo rezar quando estou aflita?
Devo fazer penitências e me atirar ao chão?
Devo confessar meus pecados
E ainda assim não ser em nada perdoada?
Devo me flagelar
Implorar,
Fingir que sou amada?
Estou aflita
Nada me convence mais
Do que uma pílula
O Deus perdoador
O Deus consolador
Aqui está, onipresente,
Onisciente,
Na frente e por detrás da bula.

26 January 2007

ESPERA


Por que a espera não é mais nem menos
Caliente como antes?
Antes a espera era uma dorzinha no peito
Um ar insatisfeito
Enquanto a vida corria incerta
Feito a água que cai sobre o cristal
Agora a espera é o espinho feito espeto
Virado à beira do coração varado
Não é só a dureza do diamante
Mas o fardo do suor,
O custo da palavra
O risco da memória.
Espera que se alonga,
Espera que se verte,
Em lágrimas minhas
Enquanto me deito,
E espero.

OLHOS TORTOS


Há centenas de pares de olhos me olhando agora
Olhos tortos, olhos amendoados
Olhos ricos,
E olhos pequeninos, apertados
Como os meus.
Tenho um profundo medo de todos os olhos
Quando me lêem, sabem que me lêem
Por dentro.
Qual é a mulher, cuja coragem
Não lhe é desafiada diante de outro olhar?
Sou eu a pequenina e frágil poesia
Que se amedronta facilmente, e ainda assim
Expõe-se
Diante da visão dos pares tortos,
Dos amendoados, dos ricos olhos
E nem sabe ainda se os olhos miúdos que me lêem
Também podem me julgar
Como me julgo;
Ínfima,
E com a visão mais torta
Do que os meus olhos minúsculos e pobres.

25 January 2007

POESIA MORTA


Hoje não consigo escrever uma linha
É porque o amor por mim mesma já voou
O amor dentro de mim foi-se como um kamikaze
Deve ter morrido,
Deve ter matado
A única coisa que eu tinha;
Essa poesia minha,
Tão generosa, tão boa,
Às vezes feita de anjos,
No lado obscuro da vida
Às vezes feita do mal
No lado feio em que existo.

EU E A SERPENTE


Eu ando devagar para a serpente não me ver
Tenho medo do olho e da força da serpente
Mas ela se distrai enquanto eu passo
Com um barulhinho de inseto que sobrevoou.
No mundo tem uma serpente para cada pessoa que nasce
A minha também é prematura;
Nasceu antes que quisesse e por isso, é só fúria
Não me dou com ela, e sempre fujo
Também me disfarço de flor, às vezes de ramada
Mas a serpente é mais sagaz e rápida do que eu
Cá, abaixo dos meus pés, ela se enrola
Mas nunca me enrosco nela;
E nunca poderia,
Então eu passo,
Passo a passo,
Ssssssssssssss

23 January 2007

PAZ, SOSSEGO E CALMA


De todas as coisas que eu suponho
Suponho que passar os dias como estou passando
Com chuva e raio
Nuvens e derrapagens
Seja o que eu mereça viver agora
E por enquanto.

Nos ventos há silêncio e calmaria
Não há episódios crus
Nem emoções contrárias
Barulho de festim em tempos maus
Maldade falha.
Há calma e há só calma
Enquanto os dias passam.

Se houvesse uma gaivota nessa região
Onde eu habito
Por certo cruzaria o céu a todo momento
Se houvesse um mar onde eu tenho a minha casa
Ele estaria como um caldo da cana, liso

E se houvesse um amanhã que eu muito desejasse
Seria este momento em que eu vivo
Calma, sossego e paz,
Nada mais que isso.

18 January 2007

T

Tédio, que tédio;
Turbinar o tempo é o que tenho
Transformar o trapézio em fino trapo
Tonificar o tônus dos meus atos
Traçar os tolos tratados
Traduzir o talvez
Trocar o tabaco
Por algo mais tácito
Trazer para mim o teatro
E contemplar, atônita, o tablado
Tirar do tatame as trapaças
Teimar em tirar a tampa
Do tampouco, do tornado
Topar as touradas internas
Tomar os tiros do tártaro
Tagarelar em tupi
Trapacear no barato
Tabular tantos temores
Tombar sobre mim o talco
Tocar a tez da toalha
Tender a ser tonta demais
Temer a tarântula trágica
E transformar o tender
Em tilápia
Transviar-me para o túnel
Tirar o meu bem para um tango
Trocar o Monteiro
Por qualquer Tavares
Tentar ser mais terna
Tocar um trompete
Para tropicalizar o tambor
Tomar um grapete
Treinar uma trégua
Tingir o tapete
Atolar um tatu
Terceirizar a ternura
Em arte estampada
Temer o tirano
E atormentar o tinhoso
Entardecer todo dia
Atrasar-me às três da tarde
Atirar alguém no tucupi do pato
E apertar-me pateticamente o sapato

Mas tudo o que tenho é tédio,
Tédio tremendo
Tédio teimoso,
Tédio esticado.

17 January 2007

CHOVE, RIBEIRÃO


Ribeirão Preto não se cansa
E teima na chuvarada
Ribeirão Preto tem um manancial de água pra cair
Que é bomba d´água no céu
E Ribeirão em cheia aqui na terra.
Depois de tanta chuva
É o Rio Amazonas de um ribeirão inchado
Ou o Rio Nilo de um São Paulo devastado
Deve haver peixe de rio e de mar se reproduzindo
Na pororoca do bueiro da esquina
Tubarão já se mudou pra cá
Junto com as lulas que eu comia fritas
Agora, aqui tudo dá;
Barco, pesqueiro, a rede e o pescador

Cada vez que abro a janela
Ribeirão está crescendo de chuva
Está se magnificando de enxurrada
Está molhando não só as ruas
Mas a minha figura triste
Fechada, recuada
E a minha poesia,
Que ficou menor, amarga,
Que se quedou por detrás da vidraça embaçada
Depois de tanta água.

ESCREVER


Se um dia eu deixar de escrever
Foi porque arrancaram-me todos os dentes
Tiraram-me a língua
Vedaram-me os olhos
E deixaram as minhas mãos jogadas à beira da estrada
Com uma flor decepada no meio delas
Ainda assim, tentarei escrever com os meus pés.

MINHA POESIA


Tudo que se pôde falar do mundo
Já foi dito;
Já descobriram o nascimento e morte das estrelas
Os sete mares com todos os portos
Já chamaram o albatroz de albatroz
E já modificaram os vales
Tornando a terra dos montes em áreas de pastagens
Já identificaram que
A erva daninha é danosa
E a orquídea deve ser mulher, porque é caprichosa
Já descobriram um jeito do café ficar mais preto
E que as baianas gordas de Salvador usam jeans quando não há turista
Uma coisa ainda não foi dita
Que o mundo é triste, triste,
Se há alegria, já voou
Ninguém dá um nome para a minha melancolia
Ninguém me consola
Sabem tanto do mundo;
Ninguém sabe da minha poesia
Nem da minha dor,
Inomináveis.

BEIJAR UM TROUXA




Beijar um trouxa
É beijar uma metade da laranja
Dá uma acidez na gente
Dá uma gastura
A gente conta o tempo
Para o beijo acabar
Como iniciou
De surpresa
A gente beija
Mas não beija
A gente conta os movimentos
Da boca da gente
Dentro da boca do trouxa
Depois de três movimentos
Já é a hora da surpresa acabar
Surpresa é assim
Tem a boa
Mas tem a ruim
Beijo na boca de trouxa
É acidente bucal;
Amor é que nunca foi;
Amor foi quando beijei lá no passado
Os movimentos era longos
Ou curtos, mas desesperados
Amor é beijar dentro do relógio sem ponteiro
Beijar um trouxa é só beijar,
Por fora,
Mas o relógio inteiro.

15 January 2007

FERRO GUSA


Há palavras que me encantam, e eu nem sei o que são
Ferro gusa, por exemplo, é uma;
Como deve ser delicioso andar num trem carregado de ferro gusa
O vento batendo, o apito berrando, o ferro se gusando,
Se gusando, feliz, à ponta do vagão
Ferro gusa deve conter o que há de melhor,
Não só no ferro,
Mas nas implicações que venham dele,
Só porque ele foi chamado assim
De gusa;
Há letras no meu nome que também me encantam
O equilíbrio das vogais dando as mãos às consoantes,
Todas enfileiradinhas,
Criando um som de cristal quando bate o vento.

Ferro gusa e meu nome são palavras cálidas
E úteis,
Palavras que o vento não levará
Por que o ferro é gusadamente pesado
Uniforme;
Ele permanecerá
Meu nome é forte;
Também permanecerá,
É a música da gusa
Meu nome é o trilho de ferro,
Por baixo do vagão
Por onde eu faço os versos.

EU ODEIO OS BEATLES


Hoje eu acordei mais Beatles do que nunca
"Michelle” está tocando sem parar na minha cabeça
E “the ticket to ride” já está esgotado na estação
Do rádio e da minha orelha
Estou azedada e grossa.
Não tenho vergonha de confessar a todos
Que odeio os Beatles
Os ternos dos Beatles
O sotaque acaipirado dos Beatles
A inimizade dos Beatles
As mulheres dos Beatles
Mas eu sou a voz que prega no deserto da mídia
Só calangos me ouvem
E a terra quente respira.
Então, quando você for de Beatles,
Me dispense,
Vou cantar aquela canção de roda
Passando o anel de mão em mão
"I’m so sorry" se lhe desaponto
Se não sou "cosmopolitan",
Tampouco "cult"
Nem parte integrante de uma geração
Quero mais é esquecer a geração dos Beatles
E voltar a ser criança
No pátio da escola
Cantando a mulher rendeira
Que me ensina a fazer renda
E que eu ensino a namorar.

SAUDADE É BICHO DE PÉ


Duas coisas me fazem sentir saudade
O tempo que eu era criança e não sabia das coisas;
Pensava que a vida fosse esse soninho depois do almoço
Curto, suado; só um descanso, não um gozo.
Outra coisa é a mentirinha de verdade
Que me inventaram ou eu inventei para viver
Por ainda não saber das coisas
Pensava que a vida fosse esse cantigar tristonho,
Que troco tem troco, e que palavra é tiro de revólver
Saudade é um bicho de pé que dá na cabeça
Instala-se e incomoda
A gente sabe que precisa tirar
Mas dá pena;
Na falta do que fazer,
É bom coçar de saudade.

14 January 2007

MANHÃ DE DOMINGO

Por mais que não deseje, sempre estou às voltas com o domingo de manhã. Basta acordar neste domingo de hoje, depois de um sábado arrastado, e já quero escrever sobre a sensação de acordar no paraíso, e isso já me rendeu uns dois ou três poemas, sempre repetitivos quanto às idéias e aos meus próprios sentimentos.
Ainda não esgotei o assunto; então aqui estou de novo a repensar o dia.
Quem convive comigo proximamente sabe do amor e respeito intenso que dedico às palavras. Palavras para mim são como gente; algumas tão bondosas, tão próximas, outras arredias, antipáticas, frias. Falar e escrever ainda são, na minha estreita visão, o ápice da sofisticação; tenho uma pena profunda de quem não aprecia ou não ama os vocábulos. Portanto, sem nenhum desrespeito aos grandes ecritores, o melhor livro escrito até o presente momento para mim, ainda é o dicionário, de qualquer lingua ou de qualquer tamanho. As palavras têm uma atração sobre mim de tal maneira que muitas vezes quis explicar e até agora, sem sucesso. Só posso lhes dizer que é amor; quanto mais as amo, mais elas me procuram.
Domingo vem da palavra latina dominica, que significa senhor, patrão. Daí o verbo "dominar" e o substantivo "domínio". Deus em Latim também significa Domini, o soberano. Domingo então, nada mais é do que o "dia do Senhor". O primeiro dia da semana era chamado em grego, tou heliou hemera = dia do sol; para os romanos era o dies solis = daí do sol. Em inglês, a tradução foi feita literalmente , "Sunday", mas o que parece simplista demais na verdade teve sua origem na representação essencial do dia sagrado. Por sagrado entenda o misterioso, o superior, o místico e o mítico. Sagrado é algo que não se deve mexer, violar, tocar. É , portanto, consagração e veneração. O "sol" aqui representa então a força mãe do universo no seu primeiro dia, e nem sempre o sol físico, como supõe alguns.
Há uma importância semântica nessa palavra que carrega o divino e o executor, terreno ou paradisíaco, sublime e humano. Falar de domingo é falar de força; força de motor de ré; e embora a grande maioria de nós não produza nada neste dia de descanso, essa força motriz nos enfia para dentro de nós mesmos na intenção de produzir uma reviravolta interior, uma sacudidela emocional. Poucos percebem isso, mas esse dia deveria ser reverenciado como dia do "eu-divino, eu-santo, eu-força".
É preciso compreender o domingo para vivê-lo bem.
Para alguns entretanto, domingo de manhã é nada; dormem até o meio dia sem ver a luz e a magia desse fragmento de tempo quando ele já se foi. A manhã de domingo é água que batiza o dia; depois do sol a pino, o domingo azeda. Passa a ser um dia de frustrações e ansiedades, puro tédio e aspirações suspensas. Até a noite, o domingo então tão sublimado anteriormente, transforma-se na maioria das vezes em melancolia. Melancolia por se ter desfrutado por poucas horas da manhã, o novo, e por não se ter ainda agido à medida da introspecção; daí a frustração à espera da segunda feira, dia de fincar os pés na semana e realizar o que se planejou. Nem sempre o fazemos, mas só a intenção breve de planejar já nos torna mais divinos, sentido esse que o domingo essencialmente traz. Em Gênesis, Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo, admirando Sua obra enquanto desfrutava de momentos de relaxamento e ócio. Planejamento, ação, admiração e ócio então estão inseridos no mundo cristão, assim como no mundo heterodoxo. Para todos, há sempre tempo para plantar e tempo para colher, e tempo para desfrutar o que foi colhido.
Há muito acordo cedo no domingo, pelo prazer de sentir o dia. Ainda é dia santo para mim, hora de contemplar o interior, reverenciar os egos, fazer os balanços inúteis, esquecê-los minutos depois. Respirar o domingo de manhã é respirar eucaliptos na sua forma natural, e mais, respirar prá dentro, oxigenar absurdamente o self, repensar o que somos e o que faremos do novo dia que surge. Então, se eu pudesse lhe transmitir melhor a idéia desse dia, eu lhe diria que as manhãs do primeiro dia da semana são sempre um primeiro de janeiro, acorrentado à celebrações do novo e à declarações de promessas para o que ainda virá. Tempo de rever o que passou e tempo de prospectar ações. Tempo de meditação e tempo de ação. Tempo de analisar e tempo de lançar novas sementes.
Hoje o domingo está cinzento, contrariamente do seu significado real; cai uma chuvinha morna por sobre a cidade, o céu está branco igual vestido ostensivo de noiva ostensiva, cheio, fofo, amarfanhado, com suas as nuvens baixas, porém, gloriosas. Mesmo assim, mesmo sem o sol de sempre, mesmo sem o barulho das crianças no parque, mesmo sem a buzina dos carros já preparados para rumar para clubes em busca de lazer e lazer, mesmo assim, a fantasia do domingo não me larga.
Sinto-me tão feliz por acordar assim, com a consciência que terei tantos domingos de manhã ainda pela frente, não importa quantos, basta-me saber que a mim será dado mais um, e mais um, e mais um...
Se eu fosse mais ingênua, se eu fosse mais poeta, se eu fosse mais aparvalhada, se eu acreditasse mais em santos e em divindades, eu lhes pediria agora, de joelhos, que a minha vida fosse só esse tiquinho de manhã; que fosse calma, que fosse morna, que fosse a expectativa de um dia bom. Ainda dentro da oração constante que nesse momento toma conta de mim, pediria mais; pediria que se eu tivesse que morrer feliz, que fosse num domingo, entre as sete da manhã e o meio dia, para que eu pudesse levar para o lado de lá a sensação amaciada que vivencio agora: a calma, a serenidade, o contentamento gratuito de habitar um mundo que pode parar por instantes.
Morar no céu deve ser assim; uma eternidade de domingo. De manhã.

13 January 2007

SUICÍDIO


Se um dia eu cometer suicídio,
Desconfiem de homicídio
E culpem o jardineiro da pracinha
Jamais poderia roubar a minha vida;
Fui bem educada,
Ensinaram-me a não mexer
Com coisas que não fossem minhas.

ADEUS


Se existisse um jeito de não falar adeus
Eu pegava essa palavra
Martelava-lhe o “a”
Deixava-lhe arrebentada
Cortava-a do dicionário
Cuspia-lhe as vogais
Ficaria com seu som
Agora mudo, quebrado
Para que não existisse
E nada mais representasse
Mas ela volta e volta,
A danada...

12 January 2007

AMOR DE CÃO

Não sei porque ainda permito que me deitem amores a vida afora.
Arrumaram um cachorro e o cachorro se apaixonou por mim. Onde quer que eu vá, o cachorro está comigo. Se eu durmo, vela meu sono logo abaixo da minha cama. Se eu saio; em breves ausências, ele se queda, entre silente e atento, à beira da porta, e me espera, e me espera, até quando finalmente volto, para demonstrar um torpor de emoções, orelhas, lambidas, desespero, paixão e rabo por sobre mim.
O ciúme do cachorro por mim é pistola de fogo contra os mais chegados e os estranhados. Ciúme para o cachorro é assim; não há o que disfarçar, nem explicar, nem do que se envergonhar. O cachorro me ama então dentro do cardápio completo; ele me quer ao alcance de todos os possíveis sentidos: olhar, falar, ouvir, sentir, tocar.
O amor do cachorro é modelo da antítese de amor humano. É fiel. É resgatador. É intenso. E de boa memória; passam-se os anos, o amor não muda, nem se transmuta ; conserva-se forte.
Posso lhe passar uma reprimenda, posso me cansar dele, posso lhe exigir que se cale quando quero estar sozinha, posso lhe dizer o quanto ele me aborrece com esse amor sufocado, basta que ele volte seus olhos para a parede e recue por alguns instantes; seu amor decerto não desaparecerá. Conto com isso, eu conto com ele, conto com sua oferta de atenção a cada dia.
Se eu pudesse exigir algo dessa vida, exigiria que o amor do cão viesse hoje me visitar.
Será o amor escolhido e nunca o amor sôfrego e rasteiro que me foi imposto. Exigiria agora um amor de liberdade e sem razão. Amor por amor. Amor sem troco.
Mas o amor do meu cão por mim, cuja dedicação me foi imposta, me ama do jeito certo; concluo agora que os homens amam pouquinho demais...
Neste momento, meu cachorro está deitado no meu colo enquanto escrevo. Posso lhe sentir a respiração morna e cadenciada, segura de que seu amor por mim está aqui, presença conquistada.
Jamais terei um amor assim de novo. Os amores que conheci, vieram, mas se foram; não souberam fazer do meu colo um lugar de repouso. E de paz. E de sossego. Um amor que não fosse nada exigente; um amor desinteressado e largo.
Também eu não sei amar meu cão como devia. Não tenho essa humildade, nem essa potência, nem a habilidade de esperar por alguém, por coisa alguma; me perdoe, sou tão pouca, e tão direta e tão parca.
Se quero o agora, e se o agora não vem, rosno até o fim da minha alma, respiro angustiada, nem me contento com o único amor que tenho. Amor que está aqui, o companheiro.
Pobre do meu cão, que se destina a me amar na desmedida da minha consideração.
Minha dedicação a ele é parcial, minha dedicação aos outros é mais que parcial, e se me canso, logo abandono a causa. Mas se precisasse aprender com esse ser, com esse pedaço de doação que vive à minha sombra, aprenderia a esquecer o que presentemente me fazem, o que me anteriormente me fizeram, o que eu repetidamente fiz e faço por falhas de caráter.
Essa é a única lição que tento aprender; eu tento.
Mas e eu, que ainda não aprendo?



ESTOU INDO EMBORA



Já estou indo embora
Uma parte de mim já foi
E a outra, aqui neste momento,
Está fechando a última bagagem
E empacotando os integrais desejos
Que vivi.
Do outro lado,
Para onde já estou, meio mudada,
Minhas coisas estão sendo assentadas

Sobre a novidade,
Que agora me dá o excitamento da curiosidade
O que ainda não é conhecido me espera;

Tenho certezas afortunadas sobre o desconhecido
E quero o novo,
Ah, como eu desejo o novo!

Portanto, estou na metade do ainda cá
Mas o meu espírito já se mudou para quintal de lá
As minhas novas rotinas, já pratico,
Que é o desvencilhar então do que passou
Fechando a trouxa,
O fardo que eu levava
E que agora é peso leve.

Pouca coisa a carregar,
Do bom, a minha têmpera,
Do mal, a minha história.

Não sinta saudade de mim
Porque a saudade
Quando foi oportuna
Não vingou
E nem permaneceu
Estou alegre por ir
Do outro lado, para onde estou
Descobri que também há poesia
Não a poesia caduca da dúvida que me ajudaram a construir aqui
Mas uma poesia de fortaleza e de certeza
Nunca mais o talvez, o que será,
Paciência de predador esperando a presa...
Por isso, não lamente
Eu estou indo,
Feliz.

11 January 2007

CONSTATAÇÃO


Vê se me entende;
Eu era triste,
Mas eu era alegre.
Mas que feliz contradição!
Agora?
Agora sou apenas triste;
Não tem mais, todavia, contudo, entretanto...
A tristeza é um sentido singular
Que anda melhor
Quando não está acompanhado
Nem da alegria,
Falsa como a pedra de rubi que enfeita meu anel
A alegria de viver da falsidade
É um modo inocente de tapear a tristeza
Por quanto tempo eu enganei a minha?
Até ontem;
Hoje ela descobriu que está sozinha.

10 January 2007

GANHAR X PERDER


As afirmações da sabedoria popular e suas polaridades

Porque não sou cientista, agradeço a Deus. Que Ele me livre da verdade todos os dias; quero ser enganada em tudo enquanto viver.
Mas os cientistas ainda teimam em decifrar o mundo. E do que é feito o mundo senão o das polaridades negativas e positivas?
Por “negativo” tendemos a considerar que seja a banda podre dos adjetivos, mas tenha o cuidado de não confundi-lo com os pesos dos adjetivos. Na maioria das vezes, acho o feio (negativo) sensacional, e o bonito (positivo), sem sal.
Há que se considerar também os graus dentro dessa variedade de adjetivos, que podem ser classificados como muito, muito pouco, pouco, mais, menos, e assim por diante. Assim podemos dizer que alguém é bom; ou muito bom, o que torna nosso discurso ainda mais enfático.
As palavras desmistificam o mundo e os cientistas que me perdoem; quanto mais vivo mais me certifico que as palavras se bastam. As palavras definem e dão sentido à vida, e a sabedoria popular dá uma banana para a ciência.
Dizem que quando Deus fecha uma janela, Ele escancara uma porta. Se isso quer dizer que uma chance foi desperdiçada, uma oportunidade larga se abrirá à frente.
Há também uma alusão à uma chance perdida através da ilustração de um cavalo selado representando a sorte, que passa uma única vez à nossa frente. Uma vez perdido o assento sobre esse cavalo, “suerte, adios” .
Todavia, o que significa “desperdiçar” uma chance?
O conhecimento dos antigos é imbatível; tudo que se aprendeu e se aprende com esse conhecimento ainda confisca as verdades atuais sobre o acontecimento das coisas. O conhecimento dos antigos pressentia, sem base científica alguma, fatos que estariam por vir. Hoje a ciência ratifica em muito a sabedoria dos antigos; velhos ancestrais da velha Humanidade, buscada nas civilizações extintas do berço do conhecimento na Antiguidade. Como explicar tamanha consciência das coisas? Aos gregos, devemos tudo; a psicologia moderna ainda afirma isso.
Temos aqui duas afirmações vindas dos mais antigos, essas do tempo de meus avós, porém, contraditórias, entre si;

Quando Deus fecha uma porta, Ele abre uma janela

A sorte é um cavalo selado que passa uma única vez em nossa vida

Procurando aqui no meu depósito de memórias, achei também outra verdade universal que me encanta, mas ao mesmo tempo me assusta:
Se um fato já ocorreu no mundo, a chance de que ele se repita é de 90%.

Então, pasme. Se você caiu de bicicleta um dia, terá 90% de chance de cair de novo ao montar a mesma ou outra bicicleta; se você amou e não foi amado, 90% de chance de se frustrar novamente no amor. Sendo mais otimista, se alguém encontrar dinheiro na calçada uma única vez, é possível que continuando a caminhar e a procurar, haverá mais dinheiro à solta para ser achado. Por qualquer um, inclusive.
Entre perder uma oportunidade e ficar lamentando com os olhos de “nunca mais” , prefiro acreditar que outros cavalos selados passarão. A fatal aparição de um único cavalo em toda a nossa vida, e ainda, pronto para o galope conosco rumo à nossa felicidade, isso não lhe parece simplista demais?
Para mim, nunca será possível neste mundo assombroso de Deus existir um único cavalo; cavalos há aos montes, selados então, aos milhares, portanto, sigo o raciocínio de que se há um passando a galope, outros também estarão na trilha e passarão também. Basta esperarmos e termos capacidade de pular sobre qual nos agrade mais. Deus continuará nos abrindo portas gigantescas, e os riscos de fracasso e sucesso acontecerão assustadoramente em percentuais altíssimos.
Em muitos casos o embate entre os opostos “Ganhar X Perder” em suas duas polaridades torna-nos humanamente em farrapos, quando sabemos que essas duas palavras antônimas guardam quilômetros de distância no significado entre si. Como se “ganhar” fosse receber os louros, e “perder” finalmente fosse chafurdar na lama.
Entretanto, perder às vezes é ganhar. Casos assim enchem nossos noticiários. Fulano de Tal perdeu o vôo 777 que desapareceu misteriosamente no Pacífico Sul. Entrevistado, Fulano respira entre aliviado e resoluto ao dizer: “Perdi o vôo e ganhei a vida”.
Agora, num caso contrário, se ganha milhões na Mega-Sena, e Beltrano perde a privacidade total, isso quando não perde a vida, enredado pelos parentes, vizinhos, loucos pelo seu desaparecimento.
Ganhar e perder são atos de coragem, dentro da mesma força e da mesma intensidade. E corajosamente, vamos perdendo e ganhando a todo minuto. Ganhamos a vida trabalhando, mas perdemos nosso tempo de lazer, ganhamos dinheiro, e perdemos paz de espírito, ganhamos amores, perdemos a liberdade.
Ao fecharmos uma porta para um destino, ganhamos outra porta, que abre outra porta, e que abrindo outra, nos leva a caminhos misteriosos de que só as portas que se nos abrem nos dirão.
Escolher uma porta à direita e desprezar aquela da esquerda não nos dará absolutamente nada de satisfação ou alívio, a não ser a consciência de sabermos que outras portas se abrirão e outras se fecharão.
A vida, então, resume-se nesse abrir e fechar de oportunidades a cada instante, animação de pequenas ou grandes chances aparecendo e desaparecendo enquanto caminhamos para a última porta que deve ser a morte, isso se não existirem mais portas pela frente da morte. Mas este assunto é mistério para mim; talvez para poucos outros não seja, mas ainda acho graça em quem me explica.
Portanto, diante de uma difícil decisão, rejeitar ou aceitar aquele emprego, ir ou não para certa universidade, largar a mulher para viver com outra, decidir ser cantor de rock ao invés de continuar a ser bancário, em todas as curvas de opções que temos todos os dias, basta seguir em frente.
Não se engane, meu amigo; se hoje há dúvida, amanhã haverá uma decisão. Mesmo inertes, mesmo irresolutos, mesmo fracos, ainda que fortes, a decisão virá. Mesmo que nos fechemos dentro dos nossos quartos, apaguemos a luz, nos recusemos a tomar alguma decisão, a decisão estará tomada, e essa porta da indecisão momentânea também se abrirá. Porque se você resolveu não abrir porta alguma, tenha certeza de que alguém a abrirá pra você, ou lhe escolhendo um emprego, ou lhe trocando por outro cônjuge muito mais interessante. A vida é assim, dinâmica, se você não faz, a vida fará para você.
Se houvesse um jeito de vivermos bem neste mundo, certamente seria o de vislumbrar qual porta certa deveríamos buscar e abrir. Mas o certo não existe, o duvidoso é permanente; então, só nos resta aplicar bem o ouvido agora e tentar ouvir o trote do cavalo castanho que está se aproximando ali, na ponta da manhã. Investigue se valerá a pena saltar sobre ele. Senão, espere; depois do almoço outro também haverá de passar. Nem sempre castanho, às vezes branco, às vezes rosa, porque o cavalo de cor rosa lhe enganará quando lhe disser que o levará para a tal sonhada porta certa da decisão. Lembre-se então. A porta "certa" tem o tamanho e cor exatos ao da porta "errada"; nosso único trabalho é abrir somente uma, e não importa qual porta seja aberta, certamente, estamos jogando o jogo, como deve ser.
Como neste momento, em que você me lê. Você acabou de "perder" tempo comigo; em contrapartida, "ganhei" a sua companhia. Você, graciosamente, escolheu entre tantas coisas a fazer neste momento, abrir a sua porta para mim, e isso, eu acho, foi mais do que certo.
Feliz, agradeço-lhe, então. E sigamos em frente.

"Assim, eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência".

(Machado de Assis – Memórias Póstumas de Brás Cubas)

08 January 2007

DIFUSO


Essa é a imagem que gostaria de publicar hoje, retirada do blog de Ana, de Portugal, chamado Espelho Mágico. Sou assim também, Ana, difusa. Possuo todos esses pedacinhos em cor, mas nada tão inteiro a ponto de me fazer sustentada e forte. No entanto, sinto que sou diversa , variada, como as cores do seu belo trabalho. Parabéns!

EU SOU


Faz um tempo me disseram; sua literatura é linda.
Minha literatura não é linda, nem bem feita, nem cheia de recursos lingüísticos rebuscados; nem mesmo humilde ela é. Humilde seria se eu a submetesse à apreciação de outros e ouvisse esses outros de forma a moldar minhas palavras. Mas não, escrevo quando quero e como quero, cometo os erros mais crassos e me repito em temas quando posso. Se essa literatura dói nos outros, creia-me que já me doeu primeiro, e portanto, aí me vingo em dose dupla; se eu sofro, não poupo ninguém na minha e da sua dor.
Minha literatura serve apenas como despejo emocional de uma mulher que viveu pouco, embora já tenha vivido nos altos e baixos da mesma montanha russa; que sonhou muito e colheu apenas semente rejeitada, que acreditou em si mesma e recebeu de volta todos os seus fracassos embalados em experiência farta em dor. Aqui, na minha literatura, dor é fonte de produção, alegria é tropeço e impedimento, portanto, que haja sangue e que haja choro para completar a catarse artística do meu texto.
Entretanto, minha literatura não é uma intenção de arte nem mesmo de expectativa de consagração; é uma necessidade, um "must" um aviso, de que quando escrevo, me sinto útil e se não escrevo, é porque já desisti. Não de mim, desisti de você. Em suma, deve ser porque já não queira mais compartilhar com ninguém a minha intimidade.
Minha literatura, embora não seja linda, é próxima e recorrente. Se não a coloco sobre o papel, ela continua em mim, todo dia, à hora do café, à sombra do relógio quando bate meio dia, se tomo chá ou leite morno, dormindo ou me preparando para o sono. Minha literatura é o que você vê. Eu sou.

PROSA E POESIA


As pessoas me entendem melhor
Quando escrevo em prosa
Que ironia;
Mato-me de rir
Enquanto fazem cócegas no meu intimo
Não sabe que é na prosa que me escondo
E que é na poesia
Que eu mostro a verdadeira face
Única legitimidade que é minha?
Essa face nua,
Essa face aguda,
Essa face triste,
Face de sorrir quando dá bom dia
E face de chorar quando está sozinha.

07 January 2007

AMIGOS, QUE TAL ESSE TITULO QUE ACABEI DE IMAGINAR?


A CABEÇA É PERNA DOIDA
Poemas De uma Mulher Perplexa
Maria Cecília Figueiredo
Pé de Pitanga - Inferno - Dividir - Xícara de Chá - Café Preto - Azul - Futuro Próximo - Epitáfio - Vodu - Trem, Água e Goiaba - A Jaca - Alma Serena - Dia Bom - Libertação - Quem me Acompanha - O Burro - Inoperante - Eu, Passarinho - Mais Ótimo - As Fitas - Vida Chata - Sofrimento do Poeta - Eu Gosto - Ceci - A Boca Fala do Que o Coração Está Cheio - Doce - Oh, Lord - Metida e Faldeira - Prender um Bem - O Acendedor de Postes - Alçapão - Dor e Rosas - A Borboleta

VAMOS FALAR DE NÓS

Ainda ontem fiquei sabendo de uma pessoa que escreve para se comunicar com um outro, lançando mão de e-mails ou cartas e bilhetes colocados estrategicamente à frente desse outro por onde ele passe, por simples e pura desculpa que escrever é mais fácil do que falar. Choquei-me em horror.
À falta de coragem ou habilidade para travar um diálogo em patamares civilizados diante de uma crise que surja, e por assim dizer, em níveis decentes de exposição de sentimentos , essas pessoas se utilizam papel de lápis para deitar ali suas idéias mais bem organizadas e assim, tentar, muitas vezes, com êxito, representar suas emoções, pensamentos e sentimentos. Se eu digo aqui, com êxito, quero dizer, que a escrita sobre o papel, depois de raciocinada e revisada, adquire aquela consistência de verdade e coerência que se buscou; o êxito então é inexpugnável.
Quem escreve com a desculpa de não saber falar de si mesmo, passa recibo de incompetente. Incompetência de jogar o jogo das palavras, igual ping pong de afeto: eu jogo a bola, você a recebe, e passa a bola de novo para mim. Escrever é jogar sozinho.
Agradeço a Deus por minha escrita se recusar a realizar a façanha.
Falar é falar e escrever é escrever; esse óbvio ululante é que nos engrandece, habilidades distintas que deveriam se desenvolver conosco, ao longo da vida dentro dessa trabalhosa atividade que é a comunicação.
Embora a comunicação se dê em todos os sentidos da vida, considere que há implícita e explicitamente, a comunicação verbal, a comunicação escrita, a gestual, a comunicação moderna hoje pela mídia e ainda pela telepatia, como querem crer alguns. No entanto, não posso deixar de considerar que as pessoas que se lançam de cartas ou bilhetes a fim de comunicar-se com o outro por pura falta de habilidade pessoal, é finalmente uma pessoa manca. Eu a chamaria de “deficiente” na comunicação.
Se possuímos todas as capacidades, se as desenvolvemos ao longo da vida, uma transmissão de idéias jamais deveria substituir a outra, embora, sejam assistentes entre si.
Falar, debater, discutir, argumentar, é de longe a melhor comunicação humana, visto que o olho no olho e as sensações próximas de calor, suor, um possível arqueamento de sobrancelhas, sorrisos e choro; é aí que a comunicação corporal completa seu mais sofisticado artífice inserido no mundo humano. A fala, que nos diferencia dos animais, suprema e soberana ferramenta, nos põe divinos.
Escrever também é o divino, mas o divino confinado em pasto, pois basta que haja uma página em branco e um objeto de deitar rastros, tinta, giz ou grafite, que nossa comunicação já passou a ser censurada, sujeita a revisão, facilmente artificial. Escrever não é artificial, expor os sentimentos de modo a transmitir idéias é que é. O papel aceita tudo, a voz humana não.
Nunca lhe escreverei um bilhete ou carta sentimental para lhe dizer o quanto sou triste e o quanto estarei descontente com você. Basta que você me olhe, me diga bom dia, as minhas palavras virão como a água liberada da torneira , e você tiver paciência, ao longo do dia, lhe falarei tudo de mim, desde os meus fracassos dos quais me orgulho tanto até dos meus sonhos que já sei que se realizarão. Falarei do que sinto por você, e porque não sinto , mas não me peça que lhe escreva. Isto seria a pedra que segura a porta para que o vento não a tire do lugar. Quando eu lhe falar de mim ou de nós, ou ainda desse planeta velho e sem solução, quero que você me veja articular as palavras, quero que me observe dando a adequada entoação a essa ou aquela expressão mais forte, quero que me descubra por trás da minha ironia e sentimento atravessado. Depois quero que você segure a minha mão e que me diga que entre nós não há mais desvios ou precipícios; que nossa comunicação seja assim, o vagão seguro dentro dos trilhos das nossas emoções. Eu falo, você me ouve, você responde, eu colho de você o fruto da minha explosão.
Deixemos os escritos para o papel do jornal que informa fatos, ou ainda para a poesia ou o lirismo que teima em sair quando não encontra o próximo assim tão próximo para nos ouvir.
O papel, é confidente, nunca foi um objeto de diálogo. É mudo e parco. Pouco demais.
O papel do papel é o de ser receptor, que submisso, aceita o trágico e o cômico, o vil e o fantasioso. O papel é somente o parceiro fiel do escritor que encontra nele a companhia e cumplicidade da aceitação de suas idéias, de seus fardos. É só.
Esse texto que escrevo agora atingirá sua destinação, particular ou em massa. A leitura dele por você ou indiferentemente por outros, me traz a sensação frustrada de que lhe falo através de um vidro herméticamente fechado. Jamais lhe saberei sua reação, suas respostas aos meus estímulos, embora eu esteja aqui torcendo com os dedos em figa para que você me compreenda, comungue comigo e me aceite. Se houver resposta, nem sempre essa resposta virá como desejarei; você também poderá não se pronunciar, ou até mesmo, se pronunciando, não me devolver a conclusão que tanto busco. Meu texto é só uma tentativa, sendo você a minha certeira intenção de troca de calor. Desejo através da escrita, estabelecer consigo uma intimidade, porém, não lhe tendo aqui, me abro em palavras escritas. Contudo, se estamos próximos, desprezo a página e definitivamente, escolho você.
O diálogo, esse sim, é insubstituível. O diálogo é que eu gostaria de ver reinar entre
nós, humanos, como o mais sofisticado item de interação. Saber falar e saber ouvir, ouvir e saber devolver a resposta, essa é a prática que devemos exercer todos os dias, e da qual nunca deveríamos abrir mão.
Deixe para o papel suas reminiscências e histórias.
Olhe para mim e me veja. Fale comigo e me descubra. Fale-me de você e deixe que eu lhe ame. Assim, nos conheceremos mais e mais.
Simples assim; apenas falando. E por falar em simples, quase tudo o que é simples é bom.

06 January 2007

AS PALAVRAS


Agradeço às palavras
E somente às palavras
Que me deram tudo o que sou
Sou tão pouco, mas para mim, sou tudo;
Um tímido respeito por mim mesma
Esse orgulho de ferro por ser quem eu sou
As afeições verticais que eu enlaço
Os meus pensamentos fichados e organizados
E aqui os meus anseios,
Sem nenhuma vergonha, revelados
Com a minha ternura de menina mostrada
E demonstrada
Contudo, essa útil e feliz capacidade
De depender só de mim;
Se chove, sou feliz
Se não chove,
Ainda meu prazer é rua recorrente
Beco bem feito feito das palavras das quais me cerco
Que é a poesia macia de mão única,
E a fonte onde me sacio que é só minha .

O exterior é só o meu cenário
O meu bem estar é que é meu
Não tenho grandes desejos no mundo
Quero é enredar-me mais nas minhas palavras
E se existisse céu,
Que houvesse lá um dicionário.

TÃO CEDO


Hoje eu quis brincar comigo mesma
E amanheci mais cedo
Tão cedo que aurora ainda nem se preparou
E pensa que eu não a vejo
Está escuro lá fora,
E é breu em sombra,
É é carvão ainda em brasa,
Meio negro, meio rosa
Aqui dentro de mim, porém é luz,
Para mim
Para este corpo que andou e andou
Para este olho que viu e viu
Que experimentou e nem sempre gostou
Para mim
Não é tão cedo,
É tarde demais, pressinto.

05 January 2007

SUGESTÃO

Oi, querida afilhada,
Estou gostando de vê-la filosofar... Quase tanto quanto vê-la compor seus poemas... Maravilha!
Parabéns pela breve publicação de seu primeiro livro!
Que tal "CECI MESMA"?.
Beijos e que Deus a abençoe!
tio amilton
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A CABEÇA É PERNA DOIDA


Estou nesse momento correndo contra o tempo
Mas que luta mais insana e desigual!
O tempo tem três pernas longas
Uma para o passado insalubre que ficou
Outra para o presente domador que aqui está
E a terceira para o futuro caprichoso
Certo que ainda chegará
E eu, pobre corredor
Tenho uma perna só
Curta e limitada
Minha perna agora é
A mente desvairada
Estanque, vacilante;
A cabeça é perna doida,
Que quando dá dois passos
Volta ao seu lugar.

POEMA DO AMOR QUE VAI


Vinga-te de mim
E expulsa-me
Vinga-te e joga-me ao poço
Dos teus mais profundos quintais
Amarra-me a boca
Prenda-me aos cabelos
Ata-me
Diga-me palavras duras que mereço
Mas não te zangues demais
A ponto de deixar-me;
Porque o furo que fincaste à minha alma
Ainda é dor e ainda é brasa
Não te deixes derivar às tontas
Nem te deixes deixar de te buscar
O sentimento existe,
Mas o mal também existe
O mal sobrepujando o bem
Se é o que não nos vence,
Também jamais unidos nos terá.

POEMA DA PRESENÇA



Quem lhe falou de amor
E não lhe fez companhia
À hora mais sombria
Falou e só falou;
A presença ainda,
No meu glossário de afeição
É a chave e o cadeado
É a mão sobre o toque
É o rosário na fé
É a romaria e o cachorro obediente
Que acompanha a romaria,
Silente.
A presença não precisa de palavras,
De justificações,
Basta o estar junto,
No calor da proximidade;
A presença é o amor dedicado
Delicado e cúmplice,
O amor é o respirar de um com o outro;
Cadenciado.

VOCÊ ESTÁ CERTÍSSIMO



Uma das maiores frustrações do ser humano deve ser, quando, debatendo sobre algum tópico mais quente, ou discutindo a relação amorosa, ou mesmo vasculhando sentimentos que estão no outro e não só na gente, no meio de uma frase, seu interlocutor diz: “ Você está certíssimo”.
Daí todas as portas se cerraram, as argumentações caíram por terra, o diálogo se estancou e aquele que vinha carregando um cesto de emoções a despejar, que ainda tinha uma meada de conversa a tecer, perde o rebolado, recolhe-se à sua mísera certeza, sem convencimento algum, coça a cabeça, entre perplexo e vacilante, deixando espaço para mais nada, a não ser a frágil concordância de ambas as partes.
O que dizer depois de um “ Você está certíssimo”? Isso significa que seu interlocutor desistiu de você, não quer mais debater, a distância entre os dois foi sentidamente marcada a ferro e as porteiras, por fim, encadeadas.
Concordar com o outro em certas ocasiões é sinal de puro descaso, ou pior ainda, sinal de tédio e fastio.
Discordar então, não com a violência dos animais, mas com a delicadeza de flor, a fim de não ferir o outro, é generosamente ver o outro crescer, é de alguma forma, amar o outro, fazê-lo mais próximo à nós, e é por fim envolver-se na rede de emoções que nos cobre, a ambos.
O concordar é longínquo e ausente, o discordar é o amoroso ato de nos segurar a mão enquanto ali estamos.
Nunca gostei das afirmações baratas e de invólucro duvidoso.
Prefiro que me instiguem, que me façam pensar e que me deixem vasculhar a mente e o coração do meu parceiro de conversa, de senti-lo diferente de mim. O “ você está certo” esconde covardemente a identidade do seu contendedor.
Da próxima vez que me disserem assim: “Você está certíssima”, vou jogar-lhe à cara: “ Ah, é? Então acabo de mudar de idéia!”

04 January 2007

AO CONTRÁRIO


Se você me lê há algum tempo, certamente já deve ter notado que gosto de me referir ao “contrário” das coisas. Daí nasceram expressões minhas como “viver ao contrário”, “sentir ao contrário”, “falar ao contrário”.
Não quero aqui justificar meus pensamentos tortos, nem para mim mesma e nem mesmo para alguém que me possa ler, porque é absolutamente injustificável querer as coisas ao contrário. Eu as quero assim, e pronto. O mundo ao contrário deve funcionar melhor, senão, veja se me entende; se chorássemos primeiro antes de sentirmos qualquer dor, ali mesmo impediríamos que a dor viesse. Contornaríamos a dor. Se comêssemos antes de sentirmos fome jamais saberíamos o que é fome, acho que há pessoas que ainda não sabem, vivem comendo toda hora; conheço gente assim às pencas. Se nos detestássemos antes de dizer “eu te amo” salvaríamos aí um bom saldo de desprazer, ficaríamos somente no detestar, e que mal há nisso? Se eu detesto, mantenho a distância, se mantenho a distância, não me zango, se não me zango, não te perturbo, se não te perturbo, não nos detestamos tanto assim. Muito pelo contrário.
Se voltássemos primeiro ao invés de irmos, se nos banhássemos primeiro ao invés de nos sujarmos, se lêssemos todos os livros contidos numa vida bem à hora do nascimento e fossemos emburrecendo ao longo dela, nada mais justo e mais saudável. Para os velhos, basta que haja paz de espírito e perfeita ignorância das coisas, pois ao contrário, para que tanta sabedoria e lucidez à hora de morrer?
Eu preferiria escrever ao contrário a que sempre escrevi. Primeiro falaria do fim do poema, que é a conclusão definitiva de quem eu sou, e daí sim, escreveria o preâmbulo como o desfecho, só para dar aos outros e também a mim mesma, a intensa diversão de só lidar com as palavras.
O contrário sempre é mais verdadeiro e autêntico. Pega-se uma blusa, vira-se ao contrário, lá estão marcadas as costuras, as pregas, a construção exata do projeto. O lado sabidamente "certo" é perfeitamente ajustado ao ilusório, ao sentido plástico, irreal.
Quero viver ao contrário, mas não me deixam. Quando canto uma canção, quero que me aplaudam primeiro, capricharei na canção se for assim, bem aplaudida de fato.
Quero morrer ao contrário também. Quero estar no paraíso de alguém que me espera, sair de costas, pé ante pé, bem devagarinho, me livrar da terra que me se assentou por cima, retirar as flores fétidas uma a uma, cair na cama, abrir os olhos, dar o último suspiro moribundo, arfar com o peito forte e contente, e gritar: “ Tem sopa hoje?” Depois, levantar e ir ao cinema.

OLGARINA DOS SANTOS



Nesses meus tempos de áridos pesares
Falam-me de milagres todo dia
Milagre é o reverso da realidade
Coisa que não se vê, mas que se acredita
Precisaria de um milagre ontem
Desses que tirassem do pescoço, a corda
Ou me içassem do poço em que me encontro
Eram oito da manhã, o tempo tão chuvoso
Clamei à divindade sobre o mármore
Que me chegasse a solução pra minha vida
A campainha toca, tímida...
Abro a porta, esperançada, aflita
Quem é que entra, sorridente e firme?
Olgarina dos Santos, tão fagueira
Com seus cabelos longos soltos, farta cabeleira...
Foi se ocupando dos copos, da sujeira
E eu, agradeci de joelhos, e ainda estou agradecendo,
Por voltar a ser poeta, em tempo inteiro.
Olgarina não sabe, nem desconfia
Que é minha parceira na poesia.

SÓ GOZAR



Tenho tanta coisa pra fazer
Tudo está à minha espera;
No entanto,
Minha cabeça rodopia em twist
As pernas andam pra trás sem eu saber
O peito está arfando assim, " bumba meu boi";
Tristeza não tem,
Tédio não tem,
Saudade não tem,
Tem é maresia,
Sentimento de rede fiada à mão de pescador
Afeto de leite de coco misturado à vodka
Pé de chinelas grossas do couro arrebentado
E uma preguiça doida até pra ler gibi
Se as coisas parassem de funcionar
E eu desistisse dos afetos,
Lá ia eu para os ponteiros arrebitados de algum vento,
Pra não fazer nada, não atinar em nada;
Só gozar.

AMAR UM NEGRINHO


Meu coração necessita urgente de um amor sereno
E eu desejaria amar um negrinho
Um negrinho deve ter todas as malemolências à hora do amor
Deve saber babar monossílabos e lamber cantigas
Afro-americanas junto com bolero açucarado
Deve saber pegar sem apertar,
Prender e saber soltar;
E o beijo do negrinho deve ser escorregado
Em meio aos dentes muito brancos e suspiros sussurrados
Um negrinho deve ser bom de amar;
Deve ser igual ao dia em que escorreguei de tobogã
O frio na espinha, e lá em baixo, só satisfação
O negrinho sobre mim é o meu desejo mais secreto
Um tobogã virado no meu êxtase
Por baixo, o frio arrepiado,
Por cima, dentro do meu corpo branco, o contentamento.

POESIA NEGUINHO


Vou lhe chamar de poesia, meu neguinho;
Mas que poesia difícil de se ter!
Poesia é vento brejeiro, é mais prazer
Você, na poesia, destoa, se rebela
Teima, atravanca, empaca, retrocede;
Vou lhe chamar de poesia rebelada
Aquela poesia que ninguém quer,
Ninguém aceita,
Mas eu,
Eu, que sou a própria poesia transmutada
Aceito-lhe, neguinho,
Vem me ver.

POEMA DA MANHÃ


Logo agora que eu estava me preparando para o melhor
O pior é que me é agora preparado;
O Carnaval não aconteceu em Junho
E as roseiras nem brotaram no colchão
Olho à volta neste ínfimo momento
Tudo está absolutamente em ordem
Os tapetes gemem baixinho sobre o chão
O cachorro dorme em Zzzzzz
As cortinas finas, balofas, esvoaçam-se
O céu está pesando em chumbo injustiçado
Meu café preto tenta, sem graça, esfriar
E eu, aqui dentro de mim, estou ensimesmada
O que falta agora não é o natural;
Falta-me o ar.

03 January 2007

O INIMIGO DO AMOR


O maior inimigo do amor
Não é nem de longe a indiferença,
Nem o ciúme,
Nem a traição confessada;
O maior inimigo do amor
É a nossa boa memória.

DESCOMPLICADO


Se isso for muito complicado,
Eu descomplico assim;
Recuo.
Se eu achar que não vale a pena,
Eu desvalorizo assim,
Anulo.
Se eu teimar que não vai dar certo,
Eu decido assim,
Te mato
- Não de verdade,
Matar os outros é pecado –
Te mato gentilmente
Com faca de matar afeto,
Depois vou pra janela,
Sem culpa e sem medo.

REAL


Aqui tudo é inventado,
Tudo é mentira;
A única verdade sou eu
Que quero ser mais real do que o rei

TÍTULO DO LIVRO

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Oi, Cecília,
Espero que você tenha tido uma boa passagem de ano, e que 2007 seja o ano de suas definições como pessoa.
Passadas as festas, vamos encarar o livro?
Beijos
Menalton

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Meus amigos,
Chegou a hora de tentar publicar um livro.
Dentro da minha vaidade exagerada, eu quero tanto, porém, quanto mais me leio mais me acho repetitiva e inconseqüente. E o pior, descubro, boquiaberta, que não sei escrever!!!
Mas meu amigo Menalton agora me cobra prazos, me sugere títulos e me faz subir a escada para o cadafalso.

Peço a quem me leia que me sugira um título do livro, que pode ser de um de algum poema ou não.
Só peço que não me indiquem o título de JACUTINGA, a jacutinga que havia em mim há muito já voou.

Título sugerido por Menalton : ÓLEO SOBRE TELA
Título sugerido por mim mesma: CECI, SAI DESSA E VÁ FAZER OUTRA COISA





02 January 2007

O TIGRE


Essa é uma das raras vezes que escrevo a partir de uma imagem. Não pude resistir ao tigre siberiano, imponente, majestoso, a representação do poder mudo, que impõe, quando não fala, que age e não justifica, que fere e não se culpa.
O mundo está repleto de pequenas representações de céu e de inferno. O tigre pertence aos dois mundos; no corpo atraente, o fogo do diabo, belo e sôfrego; no olhar, a plenitude dos santos de altar, que nada faz e tudo exalta.
Nunca vi um tigre de perto em minha vida. Mas se visse, primeiramente, levaria aquele susto natural, mas depois, iria conferir, entre tonta e maravilhada, que o tigre está sempre vestido para o carnaval.
Exuberante, luxuoso e sensual, na certa arrancaria as notas mais altas do juri popular.
Palmas para o tigre,
Que sendo mau para os homens
É bom para si mesmo,
Porque se basta entre o maléfico e o benéfico;
Palmas para mim também,
Que sou o tigre em tempos miseráveis;
Vestida de festa quando sei que só desfilo em farrapos.
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Ah, o tigre siberiano
Tem as tatuagens imantadas
Por sobre os pelos dourados eriçados
Também tenho a tatuagem no meu corpo
Que ninguém vê,
Desenho em fino corte por baixo da minha capa
Está nos açoites
Pelos quais a vida me marcou
Riscas rasas de dor e crueldade
Que me embelezaram a alma,
E me fizeram
O que eu sou;
Forte, porque marcada.

A VIDA


O mundo é assim,
Tem hora que a gente vence a vida
Tem hora que a vida vence a gente
E eu, que fiquei no empate?
No tênis, zero a zero é LOVE
Na vida, zero a zero é DOR

HIPÉRBOLE


Não é que eu seja exagerada, meu bem,
Mas é só no sentimento,
Na palavra e na ação.
O mundo é que é enxuto demais,
Cru demais,
Pequeno demais,
Estreito demais,
Tedioso demais;
Eu quero é a liberdade dos sentidos
E a expansão do meu jeito de olhar
Para mim a borboleta é gavião
O prato de sopa uma lagoa
O vinho tinto é o sangue das batalhas
E você,
Você é o coelho que tive no passado
Que não era doce,
Era um tição,
De um branco tingido de pureza
Falso como a folha da maçã
Aquele que pulou a cerca
Da altura mínima da muralha
Que envolve e prende a China
E passou sorrindo para o outro mundo
No silêncio do sepulcro magistral
O meu exagero é óculos de sol
Que eu ponho agora quando está chovendo
Porque lhe ver agora é que é exagero
A sua volta é o pingo do "i" do meu poema
Sua atenção é Genesis neste meu momento;
Que explode em trevas
Do final para o começo

SOSSEGO


Deus, tira-me tudo;
A comida saborosa ao meio dia
O leite frio que me sustenta em sono
O trabalho fino que me dá prazer
O beijo do filho à hora mais sofrida
A palavra dura que me faz crescer
Mas não me tire,
Por sua piedade divina,
Não me prive,
Nem no meu momento mais indigno,
Do meu sossego,
Que eu preservo tanto,
Que é ficar só comigo mesma.

A ARTE


Para o pescador, basta que haja água,
O peixe surgirá;
Para o palhaço, o público
A risada irromperá em comoção;
Para o pintor,
A tela branca puxando as tintas
Para que a figura venha à vida,
Traduzindo, feliz, a forma reduzida
E para o lavrador,
Basta que haja a terra
E que o tempo passe,
Nos ventos velozes da germinação

Para mim,
Basta que haja essa página em branco
Imperfeita e mística, sempre à minha frente
Criação ainda por fazer, o único mistério
E que eu escreva somente a primeira palavra
Ainda trêmula de sonho,
Para que na derradeira,
Detrás das vogais e consoantes entrelaçadas
Tenha me descoberto, inteira, nas facetas
Com as minhas digitais impressas na linguagem.

Daí o peixe do pescador também me surgirá
Serei a moldura pálida da imagem formada pelo artista
A semente castanha brotará em flor,
E eu saberei, com meio riso de contentamento
Que o mundo não está caduco; que está tudo certo.

TODO DIA


Se eu não tivesse a página em branco
Todo dia
Seu eu não tivesse a palavra minha
Todo dia
Se eu não tivesse a alegria de me ver sozinha
Todo dia
Se eu não tivesse a ampulheta que me desentorta
Todo dia
Se eu não me tivesse inteira, como tenho
Todo dia
Se eu não me amasse tanto, como amo a mim mesma
Todo dia
Se eu não desejasse pensar na linha reta
Todo dia
Se eu não acordasse mansa
Todo dia
Se eu não me deitasse plena
Todo dia
Se eu não amarrasse o santo
Todo dia
E não liberasse o demônio
Todo dia;

Eu seria
Absolutamente igual
Ao que fui um dia
Se eu não me derramasse todo dia
Sobre a página branca que me espera
Eu seria normal
Como qualquer cristão,
Que vejo e que conheço
Todo dia,
Deus me livre!

01 January 2007

PRIMEIRO POEMA


Assim eu desejaria escrever o primeiro poema do ano
Que as falhas do meu caráter se acentuassem
Já não desejo ser perfeita mais
Esse tempo já passou
Que as minhas tristezas fossem como o ouro refinado
A minha tristeza é minha ferramenta de trabalho
Afiada e desvelada todo dia
Para o poeta que sou
Que as minhas mágoas me elevassem a condição de acusador
Mágoas servem para isso, a mágoa passa
A acusação revela
De que somos barro e pó
Assim eu desejaria encerrar o ano novo que começa
Nem tão só
Nem tão estanque
Mas com a poesia ainda presa em mim
Pois a poesia é minha perfeita companhia
Assim eu desejaria escrever nos dias que se seguem
Que eu me descubra nua e pobre
Quebrada e vil
Mas que ainda haja uma palavra que me venha
Um sentimento de melhoramento
Que eu seja triste ainda,
Mas que contrariamente, e por isso,
Eu seja como estou agora,
No primeiro dia desse novo ano,
Alegre.