31 December 2007

POEMA PARA O ANO NOVO


Desejo-lhe hoje o que lhe faz bem
A chuva que caiu hoje,
(estava tão quente) lhe faz bem?
Chocolate derretido sobre o pêssego tenro,
As nuvens esgarçadas como polvilho branco salpicando o céu,
O luar espetáculo que bateu na ponta da piscina clorada
A música indolente que tocava baixinho, entre as samambaias,
O quadro de Di que você já viu um dia,
iluminado, magnífico, pela lâmpada dicróica
que traz grande mistério misturado às cores da beleza,
Os goles de vinho seco e tinto, na varanda, de madrugada
Junto com a lembrança do coaxar dos sapos quando ainda havia sapos,
As frases mágicas que lhe disseram uma noite, ao ouvido
A sua sensação que ficou estática nesta hora ao perceber
que para alguém voce fôra um deus, mesmo que de mentirinha
mesmo que por alguns segundos...
Os arrepios de emoção ao beijar um amor pela primeira vez
pela enézima vez,
pela última vez,
e nesta última vez, compreender
o que fôra o amor que não se prolongou.
Os grudes do cinema de antigamente,
o escuro que seduz,
a claridade eventual que puxa e atrai,
As vontades de nadar no mar,
O mar, inteiro,
E todas as constelações maiores e menores sobre a sua cabeça
feito coroação de rei ou incorporação do divino
Desejo-lhe um ano novo de descobrir as conchinhas do mar
Quando você estiver longe do mar
(o segredo é buscar o mar onde ele estivera
e quando não se pode buscar mais)
E desejo-lhe o meu amor
Meu amor lhe faz bem?
Só um amor singelo, um amor doador
um amor que não pede mais,
não sabe pedir mais,
mas que é um amor das quatro operações
divide, multiplica, soma e subtrai o velho
Um amor crédulo e dadivoso,
Que está longe,
mas que está pronto para que seja vivido e descoberto.


FELIZ 2008!



30 December 2007

A FARTURA DA NOVA ESTAÇÃO


Finalmente,
Quando todas as estações já me bastaram
Surge-me essa
Uma estação nova
Não cria expectativas
É a expectativa
Não cria prazer
É o prazer
Não cria nada
É-se
Na estação de agora
Que eu vivo e que me levará até onde eu me permitir levar.
Devo viver dentro do verso bíblico
"Há tempo para todas as coisas"
Meu tempo de colhedura já chegou
Boa estação essa,
A da colhedura
Da resolução da semeadura de ações
Da pródiga vindima
Da vivência do trabalho que se frutificou.
Plantei-me, cresci-me, colhi-me
Alegro-me na minha fartura.



29 December 2007

POEMA PARA CLARISSA


Um filho é ilha dos sonhos, paradisíaca e distante,
Cheia de descobertas circulares
De avistá-la e desejar-se atingir-lhe
De se contentar com seu destacamento e sua independência
Uma filha entretanto, é o continente,
Rico e vasto,
Generoso e hostil
Terra de se plantar e de se colher
Terra de se encontrar o que já foi plantado;
Continente de contornos femininos
Essência do que é fértil e do que é doador
Quanto mais o buscamos, mais ele se dá.



28 December 2007

POEMA PARA ALGUÉM QUE FICOU




Não há palavras minhas que mereças,
Deixemos então que alguém fale por nós.



OS APAIXONADOS

Apaixonados pela vida,
Pela música no violão,
Pela música sem violão,
Pela música,
Pelos filmes às sextas feiras à noite,
Pela Casa do Queijo, aos sábados, quando estamos juntos,
Apaixonados...


FIGUEIREDO DE VERDADE


E um meio lá e meio cá...
Para ser um bom Figueiredo,
Não basta assinar esse nome com a caneta
Há que ter fibra,
Há que ter coragem.
(Coragem para sustentar o gênio
e combater o gênio com a risada).
O melhor de ser Figueiredo
É que a gente não precisa se explicar
É-se Figueiredo.


OS QUE SÃO FIGUEIREDO


Uns verdadeiros,
Outros marca barbante,
No fundo, somos todos Figueiredo.

CURE O MUNDO


Se o mundo pudesse ser curado,
e de alguma forma, cuidado,
Eu me ocuparia de lhe fazer todos os curativos,
e dormiria com ele todas as noites,
observando-lhe, torcendo por sua recuperação...
Daria-lhe meu colo,
que é um colo inútil, mas quente,
Um colo que está desalugado de amores
dedicado, porém, assíduo, presente
O que mais o mundo doente poderia desejar
a não ser um colo de poeta?
A cura também se dá por ilusão.


27 December 2007

PORQUE EU ESTAVA TÃO TRISTE


Ganhei este presente da Zazá, só porque eu estava tão triste...
O mais curioso é que ela nem sabia que eu estava triste
ou tristeza também contagia?
Sabia ou não sabia?

Mas porque eu estava tão triste
Tão triste de marré deci
Veio um presente no ar
Para me fazer sorrir...
Então agora eu sorri.


26 December 2007

O FIM DA VONTADE


Restou uma migalhinha do pão hoje sobre a mesa do café
A manhã estava quente
Não tinha passarinho na gaiola
Porque nenhum passarinho que conheço resistiria à prisão
Volto meus olhos para as migalhas do pão
Nem sabem que são migalhas,
Não conhecem seu destino de pertencer ao mundo do descarte
Se soubessem, como se comportariam as migalhas?
Talvez como eu agora,
Um pouco silente,
um pouco com a resignação de quem marcha para a catapulta
um pouco com a alegria de ter sido, num átimo, justa.
Fui o que fui,
De mim usufruiram o frescor e a meia experiência
Fui o desejo do início, a saciedade do meio,
O fim da vontade;
Descarte.



QUANDO ME VISITAS



Quando me visitas por aqui,
Sinto um tremor em febre,
Sou mulher-pássaro,
também tenho medo de aproximação.

Quando te vais,
Sinto um tremor em febre
Sou mulher fora do cangaço,
também não me acostumei às lonjuras das perdas.

Quando nem te vais e nem me permaneces,
ficas suspenso na ponte imperceptível dos calores,
sinto tremor e tenho febre;
sou mulher-cavalo
também esperaria disparar a solto trote.

Quando me visitas por aqui
E sinto tua presença,
Estremeço de febre
Quando não há remédio
Sou mulher em todos os atos,
Mulher por fora
E também mulher,
Quando me visitas por dentro.

25 December 2007

A MULHER AMARGA


Agora há pouco, quando fui ao espelho
Me encontrei de fato
Sou essa mulher?
Que mulher me tornei, meu Deus,
Que mulher fui capaz de me tornar?
Todos os adjetivos começados em A me ocorreram
Amante, amável, amiga, amorosa, absurda, amarga...
Amanso meu espírito agora,
Amadureci, contudo,
Amadurecida e absurdamente, amarga.



POEMA PARA DEPOIS DO NATAL


Depois do Natal, haveremos de refletir sobre tudo
O quanto nos faltou a amizade
E o quanto nos faltou do amor ganha-ganha que buscávamos
Falamos tanto de amor,
E eu não compreendi o amor
Falamos tanto de emprestar nossos sapatos,
Doar nossos sapatos
E eu não consegui sequer mover os meus sapatos em direção ao outro
Ignoro muitas vezes a minha intolerância
(Jamais saberia adotar uma atitude tão franca comigo mesma
se não fôra em verso)
Dôo-me todos os dias à minha poesia e à meia duzia de projetos que acalento como se lhes fosse a mãe
Tenho crises de histeria se não me adulo em graça
E no entanto, enquanto os gandhis de gravata me falavam
Enquanto de Calcutá me falavam as terezinhas, preocupadas,
Enquanto os martins luther king da vizinhança me cansaram
Abri uma garrafa espiritualizada de Martini seco,
Coloquei duas pedras de gelo imorais dentro do copo baixo
E bebi à saúde de todos os povos neste Natal abafado
Os foguetes espocando, vibrantes, à certa hora,
Eu sorri.
Minha poesia também sorriu;
Minha poesia é tão egoísta e presunçosa...
Sorrimos, ao mesmo tempo
A poesia e eu.




23 December 2007

FALANDO DE PAIXÕES À HORA DA VIRADA



Imaginaria um ano novo de paixão de almas
Bem à meia noite, à hora do entrelaçar de braços
dos beijos de boa sorte,
aos cheiros fortes das carnes nobres sobre a mesa
E aos tilintares do champagne no cristal
Desejaria apenas um enroscar de pernas
e um recém chegado beijo de desejo,
dos mais loucos,
dos mais intensos que conheço,
Dos mais puros, se há pureza na loucura
E dos mais quentes, se há calor na falta da razão.
O orgasmo que eu queria,
as explosões das múltiplas paixões,
Explodidas por dentro da virilha,
na nova vida que tenho aqui comigo,
Neste ano novo, novíssimo,
(Branco que competirá com o azul estrela platinado)
Que vem sorrindo e que agora se inicia.



VENHA FELIZ, ANO NOVO



Uns lamentinhos que não foram lamentos de verdade
Como se pode sofrer sem ter motivos!
Essa é a sina dos que sentem dor...
Uma dor, um abafar da dor
Depois, em pares,
Umas felicidades tontas, iguais as borboletas pelo ar
As estações trocadas, enfiadas no cano da viagem...

Mais um ano que encerro
Mais estações tremendas que guardei,
Os sóis esféricos do verão,
as frias madrugadas de um abril agora constelado,
As tardes cor de rosa, tristíssimas, do outono,
as flores de setembro que ainda estão na sala,
frias, ressecadas,
querendo renascer,
impossíveis renascer, coitadas!

Encerro este ano como encerro um verso
Peso-lhe o sentido e a razão,
Contento-me com ele,
E súbito, já não é mais meu,
Depois de tê-lo vivido, pensado,
Depois de tê-lo tido em minhas mãos,
Decido que não o quero mais,
Ele não me deseja mais,
E sem olhar para trás,
Esqueço-o.

Estou tão feliz por ter vivido esse ano como vivi ...
Foi como um sopro no sabão
A bolha que se formou,
Ah, a bolha de sabão que se formou...
Ja está indo para o fim do nada,
Nem bem vejo sua imagem,
Já se foi.




21 December 2007

POEMA DE NATAL


Desejaria hoje reviver um Natal
que não existe mais;
Um Natal de quando somos crianças

e que lá fora nem existe,
Um Natal de busca de proteção

e da realidade da proteção,
Como naquele Natal,

eu ainda pequenina,
E podia estar dentro
do colo de minha mãe,
Refletindo,
no sentido molhado dos olhos,
o translúcido das luzes da cidade,
que era absurdamente sobrenatural

aos meus olhos naturais.
Desejaria reviver um Natal

de quenturas de cama revolvida
De beijos estalados

em meio à saliva farta de champagne
Ou de qualquer bebida

que amornasse os adultos,
Que lhes modificasse,
Que lhes tornasse santos,

como eu lhes quisera santos.
Um Natal onde só eu ficasse
À meia noite acordada
Ouvindo os passos,
Não de alguém que sorrateiro, me visite
e com estardalhaço, parta,
Mas de alguém que, mansamente,
Venha, fique e que me baste.
O melhor do Natal não é celebrar a vida
Mas a lembrança do sentimento
mais puro que a vida traz.


20 December 2007

VAMOS FALAR DE FLORES


Vamos falar de flores
Eu falo das hortênsias
E tu falas das bromélias
O falar de diferentes flores me dá uma coceira na inteligência
O teu pistilo é longo e sem suporte
Minhas pétalas, alvissareiras, curiosas, nuas,
Só querendo mais saber da flora que te nasce
Bendita natureza que nos assemelha,
Bendita a rega invisível que nos põe juntos e nos assenta!



19 December 2007

HOJE TENHO FEBRE


O que eu poderia lhe dizer hoje?
Que há em mim uma febre
Que não é a poesia
Nem o suposto encantamento pelo mundo
Mesmo quando mundo me traz o mal
Visto que teimo e vejo a beleza em tudo
No bem que me faz o bem
Quando me toca o coração,
E no mal que não me faz o mal
Quando meu coração compreende o mal.

Sabe que o mal é só uma inveja perversa do bem
Portanto, o mal tem também as suas boas intenções
De admirar loucamente o que é benéfico
E trazê-lo para si,
Na falta da possibilidade,
Enche-se de mais mal
Pura incapacidade de transmutar-se, tolo!

A febre, que há em mim hoje
É a febre do corpo que sofre
Porque por um instante,
Olhei para trás e descuidei de mim
Deixei de me olhar como um corpo leal e amigo,
Desfiz-me da amizade que tenho para comigo
Para o corpo desarmado que possuo
E que me serve como um sombrero;
Esqueci-me.

Entretanto, o que me sobreveio jamais será o mal de fato
É somente a distração do bem que nem se reparou,
Que foi andando solto, olhando para o teto das coisas
Perdeu-se num rumor interno,
Esqueceu-se.
Contudo, todo o bem do mundo já foi declarado no meu mundo
No diário oficial
Vigente, executável e pleno.

Tenho para mim que sentir-me mal muitas vezes é bom
Quero raciocinar por sobre os arames farpados da minha existência
Nada do que foi liso e reto me ensinou a ser a torre vigilante
Mas as tortuosidades do caminho,
As linhas perigosas do meu ser
Estas, sim
Deram-me a noção exata do meu tamanho,
Da minha covardia
E da minha fraqueza.
O bem, conforta e expande;
O mal,
Este senhor acinzentado que hoje me trouxe a febre,
De alguma maneira certa,
Me ensina e me ama.


17 December 2007

SER PRETO É SER FELIZ - ODE AOS PURISTAS


Quer que eu lhe conte uma historinha?
Era uma vez dois patinhos
Um preto, outro encardido
O encardido vivia desfazendo do preto
Porque era preto e não encardido
Até que um dia,
Olharam-se no espelho da água
O preto encantou-se com seu pretume
Tão lustroso pretume, tão negro,
E o encardido não achou nada bom ser encardido
Moral da história:
O que é puro ainda é o que prevalece
Nessa sociedade que não conhece a mistura
Ah, esses puristas!
Aos encardidos,
Resta a frustração de pertencer
Ao mundo dos rebaixados e humildes
Ser preto é ser feliz
Ser encardido é ser pretendente a preto
Sem nunca conseguir
E assim se conta uma história
numa noite de segunda feira
Onde a inspiração é morta
e o sono não vem.
Fim





16 December 2007

POEMINHA DE DOMINGO A TARDE


Uma tarde modorrenta como essa
Um vento que bateu e já entrou no buraco de uma porta
Um sentimento de quem jogou na loteria e está para ver o resultado
Um pequeno presente da vida para mim
O sossego que eu queria e que agora,
Recebo, cheia de alma boa...
A felicidade é coisa mínima
Basta um sorriso benévolo,
Uma mão leve que aperte
E esse calor que sabe que vai ter chuva que refresque.



14 December 2007

POEMA PARA MINHA MÃE


Minha mãe, minha mãe,
O que é felicidade?
Seria o mar, minha mãe?
Seria o céu que reflete o mar?
Seria a areia afundada do mar?
Ou seria esse frescor que tenho agora
Esse sentimento de que tenho tudo,
Quando julgava que não tinha nada?

12 December 2007

DEZ HORAS


São dez horas e ainda não quero ir
Já faz muito tempo que não quero ir
Quero ficar
Tu, no entanto, com esse teu ar cansado
Foste primeiro
E me deixaste aqui
Imóvel, muda,
Pasma com teu silêncio
De quem se foi e nem deixou recado.


FIM DO ARCO IRIS


Venderam-me um ingresso para o fim do arco íris
Comprei de um cambista
Fiquei no alto da arquibancada
Nem vi cor, muito menos jogo de cor
O arco íris era fake
E clandestina, a van que me transportou
O ticket era pirata
O cenário, dos circos mambembes do Ceará
E a luz que eu vi de longe
Foi seu sorriso, neguinho
O seu sorriso branco, sacaneado
Me dizendo da tola que eu fui.


PERDEU-SE


Já está tão tarde
Nem a 9 de Julho deve estar aberta
Talvez tenham fechado as ruas
Talvez tenham colocado policiais à curva das esquinas
Para inspecionar o que foi feito de mim.
Está tão tarde,
Nem verso quebrado me vem
Nem aquela vontade de comer tamarindo me voltou
Tão tarde está,
E a melancolia chuta o balde da euforia que havia há pouco
Todos foram para casa,
Devem estar tomando um prato de sopa quente
As risadas deles, altas, estrambólicas, me humilham
Fiz de tudo o que eu sabia fazer;
Aprendi a beijar,
Falei inglês como se fala em Londres
Escolhi o melhor azul do vestido que eu tinha
Está tão tarde,
O que iria aparecer devagarinho,
Com a trouxa de luz debaixo do braço,
Nem apareceu,
Perdeu-se no caminho.







11 December 2007

A POESIA E O MUNDO


A minha reflexão de hoje é para aqueles
que se esqueceram que no mundo há apenas duas coisas:
A poesia,
e o mundo.
Se não for possível que você conheça a poesia
Ainda que lhe seja impossível ter a poesia como uma parte de si
Ainda que a poesia lhe seja uma estranha senhora
De ares arrogantes
Ou de delicadeza morta
Não se esqueça de se lembrar das duas coisas que há no mundo:
A poesia ou o mundo
(as duas coisas são incomunicáveis)
Na falta da poesia,
Esqueça o mundo.

10 December 2007

UGHHHHHHHHH


Já detestei muita coisa na vida
De levantar cedo a lavar a louça depois de uma festa de arromba
Mas o que mais detesto,
O que me dá náuseas
E ao que nunca me acostumarei,
É a visão de uma perua Kombi.

AS TRÊS PAIXÕES


Clara, dia de sol quente que às vezes nubla
André, manhã de sol e tarde de sol
A escrita, o sol.

09 December 2007

PROMESSA DA UVA


Quando eu lhe amar de novo
Faça com que a ira que me tomou conta
Se dissipe
Façamos assim,
Ama-me como se eu fosse a última
E eu lhe amarei como se eu fosse a primeira
Das últimas parreiras que já tive
Eram esguias e ressecadas, as parreiras
Esparramadas por sobre o caramanchão
Nunca vi-lhe um único cacho de uva
Mas a promessa da uva,
Ah, a promessa da uva..
Quando eu lhe amar de novo,
Quero da sua promessa, a uva que não houve.







DO SILÊNCIO


Meu silêncio não quer dizer nada;
Meu silêncio é ouro e não mais prata
Faça do seu silêncio o que deve ser feito
A cada palavra pensada,
A cada estímulo de fala,
A cada engate de primeira para uma frase acionada
Reflete e pára.
Porque o falar, muitas das vezes, é estopa,
E o consertar da palavra mal dita, é praga.



07 December 2007

PARABÉNS, TRISTEZA


Quando, um dia
Meus poemas forem publicados
E houver uma festa de apresentação
Todas as pessoas me parabenizarão
E eu olharei em volta,
Entre aturdida e envergonhada
Por me darem congratulações
Por só ter escrito sobre a tristeza,
O desânimo,
A desesperança;
E as pessoas acreditarem que foi pura arte
Ter escrito avidamente sobre uma vida manca
Por ter perdido tudo,
Dos bons sentimentos à razão.


06 December 2007

POEMA PARA THEREZINHA


Era uma noivinha de bolo
Foi-se a noivinha
Aquela voz suave que chama a todos
Um por vez
Chamou a noivinha
E a noivinha deve estar entrando na passarela do além da vida
Tímida, cansada,
Mas deve estar seguindo agora
Com os passos firmes, e pouco olha para trás.
Sabe que a celebração chegou e está à frente.


05 December 2007

POEMA PARA A OUTRA METADE DO RIO


Fazer uma escolha é como pegar um rio
Passar-lhe uma régua ao meio
Represar a parte que se quer desprezar
E tornar da metade que sobrou
Um rio inteiro,

E esquecer-se dos peixes da outra metade
Esquecer-lhe as partes sombrias e as luzidias
Esquecer-se dos banhos frescos que meio se tomou
À luz refletora de espelho dos fins de tarde da fração perdida,
As pedras pontudas e as roliças,
E a divisão também do céu que se partira.

Fazer uma escolha sábia é dividir-se ao meio,
e esquecer-se, tolerante, da metade do que se foi
E saber-se, também sabiamente,
Tristemente,
Meio ganhando o que se privilegiou,
Meio perdedor.



04 December 2007

POEMA DO BOI DA CARA PRETA


Visto que me perguntaram
Não emudeci, como antes, diante de algum muchocho
Disse que sou uma mulher feliz,
Como feliz é a cadeira
Ando como se fosse a rainha da cocada preta
Porque sinto que dentro de mim há tambores africanos
Tocando em ré menor
Chamando para a festança
Em tudo que é gente alegre, eu me encosto
E se há paz de presídio, eu me alargo
Desencanei de coisas que me encanavam
Agora só tiro dez nas provas da passagem
Se eu falo, calo-me depois
Que é para ouvir o ecoar do pensamento
Que agora acelera pra longe, longe
Do que fui
E do que quis ser
(Tudo aquilo era bobagem)
Agora, ou sou a mandala da borboleta branca
Ou sou o boi infeliz da cara preta.




03 December 2007

POEMA DO ABSTRATO


Há muito tempo,
Quando ainda não havia nuvens
Nem estrelas
Nem pórtices
Nem mares,
E só o caos negro prevalecia, nervoso
à espera de arrebentar,
houve o aparecimento ingênuo do meu desejo de alegria
Depois,
Arrebentou-se o mar
Estrelas miúdas se formaram
O azul espichou seu bico no espaço
A vida proliferou
Só ficou o meu desejo ali,
Filhote rejeitado da luz,
O dedo mindinho do universo...
Quem liga para o meu desejo?
O mar ainda ruge,
A lua bóia no céu, esplendorosa
Pessoas maduras passeiam de vermelho pelas praças
E eu, pontinho negro

Enfiado na garganta da terra,
à espera da arrebentação do mundo.
O mundo já está velho de caduco
E eu ainda à espera do milagre.



DOR CAPITAL


Hoje descobri que a capital da Australia não é Sidney
e sim, Canberra.
E daí?
Meu coração dói do mesmo jeito,
Se fosse em Sidney,
Ou se fosse em Canberra.




02 December 2007

POEMA DO AMOR COBRADO


Hoje não falaremos de amor
Não obstante, tudo que falaremos, será de amor
Porque se eu falar-lhe de ressentimento
Ressentimento é amor desprezado
E se eu falar-lhe de mágoa
Ainda assim, a mágoa será o amor ferido
Se lhe falo de desapontamento
O próprio desapontamento é a expectativa do amor frustrado

Hoje então, falaremos do amor às avessas
Que também será uma forma de amor.

Amor bom é amor que aponta para frente
Mas o amor manco, o amor dividido, o amor serrado pela metade
Embora amor,
Sugere a face mascarada do anti-amor
Que é o amor sendo desamado

Hoje então falaremos do desamor
Que nada mais é do que o amor cobrado.
Ouçamos "La vie en Rose"
Uma melodia longa, cheia de blues da saudade
E cultivemos o que há de melhor em nós
A nossa lembrança de avivar o amor
Soprar o amor, como se fosse brasa.