28 October 2008

FORÇA


Faz parte das minhas forças não fraquejar
Combinei com as minhas forças um pacto
Se eu fraquejar, elas me sucedem
e eu seu chorar, doravante,
elas me suicidam

Nâo há muito a temer em vida
a não ser temer perder a própria identidade
Se eu acordasse amanhã,
e se eu não fosse mais quem eu tenho sido até agora
Me perderia, arrancaria os cabelos
temeria o futuro,
atiraria a toalha da sorte ao chão
e desistiria da vida

Louvo-me pelas trincas da alma que ganhei
e satisfaço-me nas imperfeições que arduamente construí
Portanto, se fraquejo e cedo
e se na ânsia de compreender, mudo-me
Mato-me então na fraqueza do outro
e correspondo tolamente ao que o outro
tolamente embeleza

Mas minha beleza, meus amigos, é essa
Na fraqueza, encorajo a força
e na força imperfeita me completo.

23 October 2008

POEMA DA LIBERTAÇÃO


Eu sou aquela que ainda conserva alguma paz
e um pequeno sentimento
pelo desconhecido, pelo novo...
Vi a flor,
reconheci a flor
e decorei a flor
Vi a dor,
reconheci a dor
e apaguei a dor.


17 October 2008

CORAÇÃO


Deste-nos um coração
mas não nos deste compreender esse coração
Que coisa fazes?
Porquanto ficamos olhando à nossa volta
confundidos pela perpexidade
e assustados com nossas indagações
Se nos destes este coração
que se cumpra o que nos fôra explícito:
Ter é conhecer o destemido
Ignorar, é nunca ter tido ou visto.

11 October 2008

POEMA DE NÃO DANÇAR SALSA


Eira, eira, que molhadeira...

Não fosse pela churra infiltrante

eu acharia uma salsa

que pudesse me dançar...

Mas Ribeirão Preto

é um lago sem peixe

e um oceano sem mar...

Minha terra hoje é

antítese da cana

Nem salsa, nem lama

é água que cai...





10 October 2008

SOLIDÃO


Hoje falarei de uma pequenez que já possuo
e de um sentimento mesquinho que também julgava ter
Falarei das minhas necessidades de mulher
e das minhas necessidades de respirar no espírito

Falarei de mim,
quando não desajaria falar de mim
e falarei daquilo que não conheço;
que é a vida
Se vivo, ainda não descobri porquê vivo
e se deixar de viver,
ainda assim pensarei que foi sem conhecimento

O que eu soube, e o que ainda saberei
é que cada chibatada,
cada tristeza abafada,
cada choro repetido
porventura não tenha sido em vão

Foi porque eu fôra tola,
ou por coragem
que eu me descobri sozinha,
e sem razão.



06 October 2008

POEMA DA ESCASSEZ


Hoje estou com saudades de minha mãe
Se eu pudesse alcançar
a paciência de minha mãe no dia de hoje
Eu lhe diria:
- "Mãe, estou tão cansada!"
Minha mãe não me repreenderia,
acho que diria, com aquela voz sem nenhuma animação
de quem passou, estreita, pelo buraco da agulha:
"- Vá dormir, que passa".
Vou dormir então, minha mãe
Os filhos que eu tive,
de longe, já se aquietaram
a comida já está fria por sobre o fogão
a natureza está parada
e a minha vida, escassa.






COLÓQUIO


Não seja demasiadamente rude consigo mesmo
porém, não seja pueril a ponto de se achar
lambendo, tolo, as suas próprias feridas

Fique no meio termo das ciladas
Porquê não seria justo que você fosse
o mais cruel feitor de você mesmo

já que não possui o julgamento conciso
do que é certo e do que é torto

Tampouco seria devido achar que a vida lhe foi ingrata;
ingratos são nossos atos perante o que vida nos criou

Seja para si mesmo o ladrão que lhe espreita
para que não haja muita tolerância
nem confiança nas suas ações

E seja também a mão caridosa que lhe estende um benefício
para que você se lembre
que sempre precisará sobreviver à custa da graça dos outros
e da benevolência para consigo mesmo nos seus equívocos
Seja então para si mesmo o que a justiça humana inspira;
Para o acerto, a neutralidade,
para a imperfeição, a culpa.

As virtudes quando não nos penalizam, nos confortam
E as imperfeições nos recuperam
Seja para você mesmo o céu e o inferno
E se houver de sua parte alguma dúvida,
evitando as extremidades,
por certo achará o bom senso pelo meio.


01 October 2008

MANUAL DE SOBREVIVÊNCIA PARA QUEM PRECISA VIVER


Manual de sobrevivência para quem precisa viver:
Viva bem devagarinho
e se possível, deixe para viver de verdade depois de amanhã
Para o dia de hoje e para quando amanhecer o novo dia
finja-se de morto
e adquira um plasma na carne
que lhe dê um aspecto de quem já foi
quando ainda nem fomos
e achamos que não estamos...
(é melhor quando dormindo,
portanto, se precisar,
durma e não acorde
até que o depois de amanhã
finalmente se apresente).


Porque ainda será necessário respirar,
tente respirar com muito ruído
alargando as narinas,
de modo a forçar o peito entristecido
Se o peito doer mais do que a dor
que se quer esquecer
é sinal que há progresso na substituição da dor
e que possível cura virá.


Depois, evite a todo custo o respeito por si próprio,
O respeito nessa hora só nos dá mais razão no sofrimento
(Quando temos respeito por nós mesmos, exigimos justiça,
e como não há justiça para quem sofre,
elimine essa parte e chore com dó).


Se sentir precisão de alguma comunicação,
abra um diário de folhas brancas e pautadas
e se for possível, num caderno novo.
Evite datas,
essas somente atraem atrasos biológicos
e nos adiantam que a vida está correndo depressa demais
e a gente perdendo a corrida desde a largada
Escreva com letra bem miúda aquilo que lhe parte em dois
e desenhe os fantasmas que lhe apavoram
e que lhe sussurram medos inomináveis do futuro
com as cores mais loucas do seu imaginário;
verde febril e rosa borbotão
serão o mínimo para regozijar o pânico
e retardar o siso.


Depois vá tomar chuva, se houver chuva
ou vá tomar sol, se ele não se exterminar
Pois que não há nada com que lutar
se há uma desperança instalada
um grito rebelde na garganta
ou um abismo cego que se precisa saltar
É deixar rolar
para que eles nos vençam,
e que no fim descobriremos, convictos,
que neste entrave, em tempo prorrogado,
não houve vencedor.


E, se por fim, sua vida ainda precisar ser vivida
Consoante as dores de cravo que lhe enfiaram nos pés
e as dúvidas controvertidas acerca da imperfeição ,
Poste-se como a estátua de Drummond em meio à praça,
sentada com conforto, imóvel,
(Não há vento que a derrube, nem sol que lhe amoleça a fronte)
E deixe-se ficar como sustentação de algum passarinho solitário
que sem esperança, nem destino planejado
ali sentou-se para apreciar um extrato da vida.
A vida é isso, meu amigo,
Um momento de distração, uma pausa, um vôo.
Nenhuma razão para que não a deseje
e que a sobreviva...