28 June 2007

ADEUS



Fiz-te de doce, amargaste
Fiz-te macio, encrepaste
Fiz-te um tempo sem amarras
Agarraste-te aos mais irados varais
Preso no solo, preso no ar.
Nada do que te fiz fincou-te ao meu lado
Ora fosse a confusão dos sentimentos que te despertaram
Ora fosse a lua que minguara
Ora foste tu mesmo
Empedernido dentro das tuas razões
Não que eu desistisse de ti
A vida desistiu de ti;
E eu te desisti na vida
Porque não pude ser mais doce
Desamarrei-me também de meus varais
E nos meus quintais de hoje
Também há lua que mingue
E que flutue
Bordando no sereno,
A última palavra desta cena
Onde se lê,
Adeus...

26 June 2007

DEVOLVA-ME A VIDA


Dê-me o que te peço,
E dentro do que peço, dê-me mais
Não quero o teu silêncio,
Portanto, negue-te ao silêncio
- Silêncio é a gaiola das palavras
E o esquecer dos atos, na mordaça -
Não quero tua distância,
Nega-te à distância
- Distância é estender a estrada
E o esquecer o mapa -
O que te peço,
E que ainda não podes me negar
É que se há vida,
Se houve vida,
E se ainda assim, houver vida,
Que me a devolvas
- A vida é o pulsar cadente
E o esquecer da morte
Que é a distância dentro do silêncio.

24 June 2007

IMERECIDOS



Tirei-lhe do mais fundo dos armários
Nem sabia retirar-lhe o pó, mas retirei-lhe
E fiquei assim, a indagar por onde andaria
O verde cana dos seus olhos
No paraíso azul que lhe mandaram ir
Não sofro mais pela sua ausência
Agora é que me alegro
Sei que seus olhos eram imerecidos aqui
Belos demais,
Verdes demais,
E desistiram fácil demais,
Diferentes dos meus;
Que têm alguns respingos verdes que seu olhar me deu
Mas não desistem, não desistem,
Fôra pela mistura com o acastanhado
Fôra pela minha luta pelo inconquistado
E portanto, imerecidos de partir.

23 June 2007

POEMA DA SÚPLICA


Não me queira mal se eu não lhe quero mal
Queira-me apenas
Como se eu fosse o verde que a pedra jade apanha
Queira-me porque sou necessária
E queira-me por que sou integrante
Não da sua virtude
Nem da sua falha
Mas porque sou parte,
E sou sua metade
Portanto, não me queira mal
Se eu lhe quero agraciado
Com minha voz batida, sem entonações
Enquanto destilo palavras para o alto...

Não me queira mal, nem sinta querer-me mal
São só palavras voadoras que atiro,
São punhais sem ponta,
São impulsos,
São aço sem valia...
Não me queira mal se lhe desejo bem
O mal é bem na busca das palavras
Para mim, palavras são canônicas e santas;
Os lábios que as proferem é que não são.

FALEMOS DE SONHOS

Falemos de sonhos, falemos
Construíremos aquilo que contruíremos
E não haverá remorso entre as pedras que assentarmos
Haverá o riso agudo que me dou agora
Porque enquanto falo dos sonhos que sonhamos,
Meu riso doido se espalha pela casa
O que virá de magnífico será o sonho
Partido em dois;
Seu sonho constrói o teto que aninha,
Meu sonho constrói a base que nos liga.

22 June 2007

RIO DAS POSSIBILIDADES


Nunca direi não às minhas possibilidades
Porque o dizer não
É atravancar o curso do rio
Que eu criei na minha imaginação
Falasse o rio o que eu sonho
Ele me diria,
"Deita e navega,
Não te esforça,
Que te levo,
Te levo onde o amanhã está"
A possibilidade de ser nasceu em mim nesta noite
Deito-me para navegar.

MARIA CECÍLIA




Gosto quando você me chama de Maria Cecília;
Maria Cecília me deixa circunspecta e fria.
Quando estou de Maria Cecília sou a faca que corta o pão
Enquanto ele grita
E eu, me rindo, dentro das capacidades...
Hoje, quando saí de casa
E o vento me falava que era inverno
Maria Cecília me dizia que é verão
Maria Cecília afirma e desafirma
E eu gosto do jeito que me dou
De desdizer as generalidades

Chame-me hoje de Maria Cecília,
Chame-me mais,
Chame-me daquilo que já fui outrora
E que já perdi
Porque me fere a face que já perdi
A família que já perdi
A casa que já perdi
O laço que já perdi
A alegria inocente de possuir um nome
Que eu traduzi em beleza e fortaleza
Já perdido no emaranhado das linhas do meu gozo
Perdido, pois.




21 June 2007

POEMA DA TRISTEZA TRISTE


Hoje quero lhe falar,
Mas como dói falar!
Dói-me mais falar e ser ouvida
Do que falar aos ventos e
Receber de volta nada dos ventos
Quero lhe falar, contudo
Das coisas que jamais falaria a qualquer cristão
Ou a qualquer irmão
Ou a qualquer que fosse a condição
De sangue ou de afeto que a gente garimpa
E acha que foi boa a garimpa
Falar-lhe-ei então, que estou triste
Não que a tristeza seja a má insígnia
E que eu deseje seu colo amparando-me a fronte
Ou que segure minha mão
Não,
Estou triste porque estou triste
E o meu travamento de diálogo será só esse
Você me perceberá assim,
Sem o ânimo das roldanas das fossas
Que rangem e sobem,
Rangem e descem
Uma falta de ânimo como a fotografia
Que só tem a estampa,
Porque o espírito já pirulitou-se
Fazendo pose para outras caras
E para outros mundos
Estou triste,
E a minha tristeza não advém de fatos
Nem de pessoas
Nem de idéias
E muito menos de paisagens
A minha tristeza, como falar, hoje
Rouba-me a fala e rouba-me a mente
Rouba-me a própria vida
Porque a tristeza é a tristeza que não tem palpite e prescrição
É a tristeza em si,
Pura, orgânica, filtrada
Estou triste, porque não sei
Mas sei que é uma tristeza assim como eu,
Triste.

20 June 2007

PERDOEM-ME, OS INFELIZES


Perdoem-me os infelizes,
Mas hoje estou absurdamente feliz
Não que eu tivesse visto algum periquitinho verde
Bicando mamão
E que esse momento tivesse me dado aquela felicidade única
Que um poeta busca.
Os infelizes hoje saberão
Que a alegria que me assoberbou
Veio do meu sorriso autêntico,
O melhor dos meus sorrisos
Aquele que nunca dei a ninguém
E nunca darei
E a minha capacidade, agora inédita
E absolutamente suicida
De me debruçar por sobre o parapeito e me jogar do alto
Hora berrando sim, hora berrando não...
Infelizes, perdoem-me
Perdoem-me também aqueles que se me assemelharam
Quando eu marchava com a máscara dos mártires
E recuava como as tropas azaradas
Quando não pressentiam o facho da vitória
Hoje a minha felicidade me permite o máximo dos máximos
Que é a mais simples das simplicidades
Estou, magnânimamente, irresponsável
E a irresponsabilidade, neste caso
Veio na forma de andar por aí
Trocando o passo, ora com a poesia
Ora com o acaso
Perdoem-me, infelizes,
Mas é que hoje eu encontrei o acaso.



19 June 2007

POEMA DA LARGUEZA DA VIDA


Preciso disso, preciso
Da mudança de cor e de paisagem
Preciso de um conselho que me dêem
Mas que me dêem de graça
E não se vinguem de mim
Cobrando-me
A lágrima vertida
Ou o choro escancarado
Preciso disso, hoje
Um pedacinho daquele tecido brilhante,
Azul marinho, profundo
Que cobria a sombrinha antiga
De cabo feito de osso acizentado
Que ficava atrás da porta
Que dava para o quintal
Em verdade, preciso do quintal
Da visão do portão
E da minha destreza de subir no muro
Enfeitado por um caco de vidro verde e outro azul
Preciso saber o que meu coração contém
E que ninguém sabe
Os homens se lançam às descobertas estrondosas
E não descobrem o que há no meu coração
Que precisa de tudo
Do pano sombrio da sombrinha
À largueza da vida que havia além do portão
Da minha destreza de antes,
De contornar o muro, de me desviar nos atalhos
De enxergar o que havia para fora
Dos muros ridículos que me tamparam a visão
Preciso da minha visão.

18 June 2007

O QUE É A VIDA, por Jason Mraz


Música que ando ouvindo sem parar, não podia deixar de vê-la escrita aqui...
Letra muito, mas muito inteligente, melodia gostosa de se ouvir

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JASON MRAZ


LIFE IS WONDERFUL

It takes a crane to build a crane
It takes two floors to make a story
It takes an egg to make a hen
It takes a hen to make an egg
There is no end to what I'm saying
It takes a thought to make a word
And it takes some words to make an action
It takes some work to make it work
It takes some good to make it hurt
It takes some bad for satisfaction

Life is wonderful,
Life goes full circle
Life is wonderful


It takes a night to make it dawn
And it takes a day to make you yawn, brother
And it takes some old to make you young
It takes some cold to know the sun
It takes the one to have the other
And it takes no time to fall in love
But it takes you years to know what love is
It takes some fears to make you trust
It takes those tears to make it rust
It takes the dust to have it polished

Life is wonderful
Life goes full circle
Life is so full
Life is so rough
Life is wonderful, life goes full circle
Life is our love

It takes some silence to make sound
It takes a loss before you found it
And it takes a road to go nowhere
It takes a toll to make you care
It takes a hole to make a mountain
Life is wonderful, life goes full circle
Life is wonderful,
Life is meaningful


Life is wonderful, wonderful
It is so meaningful
It is so wonderful
It is meaningful
It is wonderful
It is meaningful
It goes full circle
Wonderful
Meaningful
Full circle
Wonderful

17 June 2007

DE AGORA EM DIANTE...


Os dias, que os antigos inventaram
Dividindo as luas e sóis em pontos rubros
E negros
Deitados numa tábua
Serão para mim, de agora em diante
Os sinalizadores, não do tempo,
Nem das festas,
Nem dos dias de trabalho,
Serão só os pontos obscuros
Do arrastar do passo

DESPENQUEI


Se a folha tomba,
Dependurada do mais alto
E assim, vem ao chão,
Morta de medo e assustada,
Não foi porque eu implorei
Desejei, pedi, imaginei...
Foi porque o tempo,
- O que tem o poder da cola e da descola -
Achou que era hora;
E eu despenquei.

16 June 2007

A NOITE MAIS DIFÍCIL


Porque hoje será a noite mais difícil
Convoco todos os ladrões a virem me roubar
Roubem-me depressa...
Vamos...
Levem logo o que tenho de mais valor,
A minha vontade que ficará para sempre dependurada no ar
Os olhinhos brilhantes do antes e do depois
E a certeza, frustrada, de que tudo ficaria bem quando chegasse no final
O final chegou, mas chegou tarde
Levem a cortina também que encerrou o grand finale.

15 June 2007

PERMANEÇA


Hoje não é dia de dizer adeus
Muito menos de ir comprar cigarro no bar
E voltar nunca mais
É dia de espichar o pescoço
Prá ver se tem alguma coisa lá na frente
O fundo de poço
Dizem,
É coisa de arrepiar
Porque tem buraco debaixo do buraco que chamam de chão
Eu, que vivo na superfície das coisas
Eu, que só lambo sabão
Quando vi um palhaço,
Ele já ia pra casa, morto de cansado como eu estou
Portanto, não acho graça nem em cansaço
Nem em risada
Eu não digo mais que quero que fique
Ou que quero que se mande
Quero que esteja pairando sobre o ar
Ora indo , ficando
E ora voltando
O adeus para mim é vôo do Boieng que passa de meia em meia hora
O permanecer é o fio terra da emoção
Permaneça, então.

14 June 2007

BASTA


Um dia eu direi, "basta"
E nesse dia,
Não haverá calor que me derreta,
Nem frio que me endureça
Farei o que farei
Como os deuses loucos da antiga Creta
Direi o que direi,
E já direi, sorrindo;
"Mata"

SÓ AMO O QUE ADMIRO


A admiração é Deus e vem de Deus
O próprio Deus, depois de concluída sua obra
Admirou-se
E amou sua obra, sem humildade alguma
Eu trago a admiração portentosa de Deus
Dentro dos gomos dos meus olhos
E passei a amar aquilo que me traz sorte
O cinzeiro de bronze que me acompanha há anos
As palavras portuguesas, tão sonoras
O latim fragmentado que conheço
As virtudes que vejo meus filhos carregarem
E que não vieram de mim
E não sei de onde vieram
Admiro a minha coragem de nordestina que nem sou
E amo a mim mesma e à minha coragem
Amo outros seres
Que seriam os boizinhos no pasto
E a carne tenra do linguado com limão
Admiro a parte nobre de tanta gente
E amo somente a parte nobre dessa gente
O resto eu desamo;
Amo essencialmente a admiração
Quando escancaro meus olhos minúsculos, e digo,
"Olha"!
Pronto; amor é isso.


12 June 2007

VALENTINE´S DAY


Valentine´s day é o dia dos namorados para os americanos. São Valentino é o protetor dos amantes por lá, comemorado no dia 14 de Fevereiro, com cartões, flores ou bombons, tudo decorado com corações vermelhos e laços de fita poderosos. Neste dia, muitos casais também começam um namoro diante de um pedido apelativo como " Be my Valentine". É surpreendente como as pessoas desabam diante de um bordão, mas elas desabam e ainda pedem mais.

Aqui temos vários guardiões do amor que não São Valentino, de quem nunca ouvimos falar. São Valentino foi um mártir cristão da época da Idade Média; desaparecido seu fervor religioso, ficou a corte do amor romântico ligada a seu nome por causa da intensidade do seu amor a Deus.

Para nós é Santo Antônio, o santo casamenteiro, o que também não significa que seja o santo do amor, já que uma coisa não é bem associada a outra, quando todo mundo acha que devia ser.
Hoje então é dia de São Valentino tupiniquim tropicalizado; milhares de namorados estão se beijando e reafirmando tudo aquilo que já se disseram, muitos chegarão ao casamento e matarão o amor com a convivência que torna os amantes em irmãos, outros porém, romperão o relacionamento; ao longo da vida se juntarão a outros, e aí a lembrança do afeto deixado para trás estará para sempre venerada.

Para quem tem namorado, hoje deve ser o dia D; para nós, os que não temos, nem amor, nem namorado, nem ninguém, hoje é terça feira, são 9 e 20 e agora é hora de ir pra cama com São King Size e todos os travesseiros fofos que substituem bem um calor , porque amor para mim morreu como se morre um samba; ninguém ouviu, ninguém cantou e todo mundo se dispersou.

10 June 2007

VAMOS...


Vamos vadiar nesta tarde de domingo quente,
Vamos refrescar a memória com água de lavagem
Que limpou os degraus da catedral onde me batizei
E onde me jogaram por cima a fé, essa que trago hoje
Vamos arrefecer os ânimos
Que não são férreos como previram
Mas têm a fraqueza desencorajada do bambu
E a moleza dos galhos que se entortam, finos
Como eu entorto a cara
Quando nada sai como desejo
Vamos vadiar como se fôramos inúteis
Como se não nos tivessem obrigado a cumprir os deveres
Quando nem chegamos a concordar com eles
E já os estamos cumprindo
Com siso e com desvelo
Vamos nos dedicar à coisa de fazer tudo muito lento
Desinventando a roda e apagando o fogo
Retirando as sementes
Contando os dias prá trás e não prá frente
E dando-nos um tempo de peso no relógio
Onde não haverá relógio
Nem tempo
Sejamos felizes, mesmo que por tão pouco.


09 June 2007

JASMINEIRO


Jasmineiro, que perfuma
A casa onde eu estou,
Leva prá ele um recado
Diz que ele é meu amor
Se eu tivesse um centavo
Que eu pudesse jogar fora
Jogava por cima do muro
Onde exista uma amora
O amor é a flor de Maio
Que eu plantei com o jasmineiro
Dá flor de Maio em Outubro
E só jasmim em Setembro
Se eu fosse uma mulher louca
Colocava um anel no dedo
Fazia que eu era mansa
Só prá eu amar por inteiro
Mas não esqueço o jasmineiro
Que perfuma minha sala
Ele, sim, traz o meu cheiro
Escondido na minha saia
O amor que eu tanto busco
Não existe do meu lado
Se existisse, eu faria
Que ele não fosse inventado
Então eu pego o meu cheiro
Que tirei do jasmineiro
E perfumo meu cabelo
Enquanto essa vida passa
Jasmineiro, jasmineiro,
Traz de volta o meu afeto
Amor perdido de volta
É a flor do jasmineiro
Ou onde exista um grande amor,
Em Setembro, Maio ou Janeiro.

POEMA DO IMPROVÁVEL


Vamos falar das improbabilidades, meu bem
Das poucas coisas que tenho
Uma mente aberta a tudo
E ao mesmo tempo, um parachute
Que só se abre na hora H
Que é a hora do solavanco
Quando tenho um problema
Não me desespero
Só espero
A hora do tombo me cair
Sempre faço de conta que a vida
É tudo mentira
Que ainda vou viver de verdade
Mas enquanto nao me metamorfoseio
Eu me ajoelho, e peço às divindades,
Que o improvável seja o meu escape.

NO MAIS, ESPERO


Longe de mim
Há uma gaze de simples desculpas
E um frescor de matas que ainda nem conheço
Hei de conhecer as matas que me esperam
E o céu de frio que desejo
Debaixo das minhas cobertas
Se hoje estou só
Foi porque desejei estar só
E me reino toda
Sou eleita e vice,
Sou patrão de mim a toda hora
Jamais permitirei que me assentem
Ou que me regularizem
Sou o fermento da massa
E o sal da terra
Quero a mim mesma plena
E a mim, completa
Quando vi pela primeira vez um passarinho
Achei que eu estava do lado errado
O passarinho deveria ser eu mesma
E eu, à sombra de uma árvore
Dê-me liberdade, que serei feliz
Dê-me o espaço, que serei eu mesma
Porque tudo o que eu quis, eu consegui
Mas não foi imerecido, nem favorecido,
Foi sonhado e suado.
Hoje, o amor
É a palavra que carrega afeto
E o meu ar, que respiro, sôfrega
No mais, espero.

PRAZER


Juro que nem vi
A lua cheia que me invadiu o sono
Se eu pudesse morrer
Ah, se pelo menos eu soubesse morrer
Morreria hoje
De pena e de prazer
Desperdiçada pena
Em busca do prazer.

VOZ EM FOGO


Quando amo, sou macia, feito manteiga no pão
Nem quero ser grosseira quando amo
Nem triste, nem alegre
Quero ser sã
Quero ter o corpo sarado
E a mente vigilante
Vasculhando tudo
Desde os barulhos externos
Até os barulhinhos que há em mim
E naquele que amo
Quero contar os pelos do meu corpo que se eriçam
E os pelos do meu amor que correm ao contrário
Quero ser gente
Mas ter o cio dos selvagens
Quero ter a maciez da pata do gato
E o calor do fogo do braseiro
Quando amo, quero ser par
Jamais serei aquela que se afasta
Mas a que busca e ata;
O amor é ventre no ventre
E olho aceso dentro do olho manso
Colado, intrínseco, amoroso
Não há como ser mau no amor
Nem odioso,
Amor bem feito tem que ser ruidoso
Amor é peito ardendo
É voz em fogo.



08 June 2007

SAUDADE


Quando sinto saudade,
Sento-me,
Não quero usar o tempo como se usara uma anágua
Ou um baby doll
Que tiro a qualquer hora
Quando sinto saudade
Quero ficar colada ao meu corpo
E à minha alma
Quieta, sem alarde
Quero sentir a saudade como a cobertura de glacê
Que cobre o bolo, na superfície alterada
Se sinto saudade, quero essa saudade seja realçada
Quero que o gosto que me inspirou a falta
Apareça na área da minha visão
E do meu pensamento escapado
Quero sentir saudade hoje
Quero que meus ventos me tragam a boa nova
Da saudade matada
Amanhã, quem sabe?

ITU, O IT DA CIVILIZAÇÃO

Dedico esta crônica ao meu querido cunhado Deodoro, uma alma pra lá de especial, que tão gentilmente me apresentou Itu e por quem sou grata pelo carinho e atenção.
Ontem conheci Itu.
Itu não devia se chamar Itu, devia ser chamada de It.
"It" é o pronome singular neutro da língua inglesa, que serve para nomear tudo que não é humano, tanto no masculino quanto no feminino. Nos anos 40, o "it" passou a figurar na linguagem brasileira quando se queria dar noção de algo que fosse único e bom, fruto da exposição do cinema americano no Brasil. Era comum dizer: " Fulana é especial, ela tem "it", inserindo aí uma porção de coisas positivas e benfazejas, como se encerrasse ali tudo que não se pôde dizer, de tão bom que era.

À hora que fui, não estava tão frio, mas havia um vento encanado que tubulava por entre as calçadinhas, muitas de paralelepípedo, irregulares e tão estreitinhas, com aquele ar de Brasil colonial. Achei que as casas eram antigas demais para os meus olhos viciados em edificações modernas. Muitas casas de portõezinhos baixos de varanda com samambaia, uns vasos de gosto duvidoso à frente com "espada de São Jorge", tão feios e fora de moda. Uma gente simples e uma cidade simplérrima, contraste de urbano com vilarejo de cidadela fora do estado.

Apesar da apelação turística do exagero, onde tudo é absurdamente grande e projetado para ter graça, fico me perguntando o que fazer numa cidade como Itu.
Provavelmente, nada, como sonho um dia em viver; fazendo aquilo que ninguém aceita que eu faça, ficar olhando o vento mudar de direção e observando as pessoas que passam. Como aquelas duas senhoras que estavam à janela de uma das casas , os cabelos curtos e acinzentados; quando passei, na garupa da moto, casaco, luvas e capacete de motoqueiro, tão indefinida quanto as samambaias das varandas e tão escondida quanto os altares dessas mesmas casas, ainda assim vislumbraram meu sorriso encantado e maroto por trás da viseira e me abanaram a mão...
Nunca entenderei como puderam me reconhecer, essa poetinha que ainda se deslumbra com tudo, que ainda se enternece com o comum e que valoriza os gestos mais banais, que espera reciprocidade de alma e que que deseja só isso da vida, a simpatia pela simpatia e o amor pelo amor, gratuitos.
Como posso me esquecer de agora em diante de uma cidade que neste momento já tem seu pronome próprio e distinto para mim?
Jogo fora o " U", desejo apenas o " IT"; é o que está certo.

SPECTRUM


Aqui, onde estou,
Sozinha,
Chegou agora uma presença de spectrum
Que ora é luz e ora é desejo
Desejo de luz, talvez
Na iluminação perversa do meu ser
Que quando busca um sonho
Encontra um tropeço
Mas se transpassa o tropeço,
Apaga a luz.

06 June 2007

MONTEIRO DE FIGUEIREDO


Depois que perdi minha mãe,
(Mas como me pareço com minha mãe!
Esse olhar realçado e as sobrancelhas altas),
Passei a bordar o Monteiro no meu nome
Mas depois que perdi meu pai
Como estou ficando parecida com meu pai!
(As frases feitas, o pessimismo a me abrigar feito chapéu;
Não havia uma palavrinha que não tivesse uma resposta),
Desenho o Figueiredo como se desenha um rosto
Sou carne; serei pó um dia
E me orgulho de ser a rocha que destoa
Fria, irônica, isolada,
No meio desse arenal em que estou.


(já lhe falei que detesto gente morna?)

CONSELHO


Quando alguém lhe der um conselho
Primeiro, agradeça o conselho;
É preciso agradecer com reverência budista
A quem perdeu seu tempo lhe dedicando um pensamento
Depois embrulha a sugestão,
Como se fosse um presente
Com laço e fita,
E devolve-o, sorrindo, a quem lhe ofertou;
Ele que faça muito bom proveito.

AGORA, FUJO


Prá mim, bastava que dissessem
Fica, que eu te curo
Mas foi a ferida quem falou
Vá logo, se conserta,
E eu,
Tremendo os lábios,
No coração, um choque de mil volts,
Sem ter o que fazer,
Agora, fujo.

JEQUITIBÁ


Quando eu era mais jovem
Pensava que a liberdade fosse só sair de casa
E voltar à hora combinada
Hoje, que já amadureci,
Como amadureceu o jequitibá à porta da minha sala
Compreendi
Que liberdade é morar no último galho do jequitibá
Nem sair, nem voltar,
Estar.

04 June 2007

A MARITAQUINHA VERDE


Quem se ocupa com poesia?
Só eu,
E o bem te vi companheiro que não me larga,
O gavião vizinho que mora num buraco,
E que me guarda o sono
E que me guarda a alma...
Tudo que é alado
Tudo que tem o vôo para a liberdade
Tudo que é alegre e farto,
Comunga comigo e com a poesia que eu faço
Servindo de contraste para a minha causa
Entre a dor e alegria de voar no espaço
E ontem de manhã,
O revoar mais baixo das maritaquinhas
Deixou cair um verso sobre mim;
Que dizia assim;
"Voa, Ceci, voa mais alto,
Você é maritaquinha verde de verdade"
Então eu ri, eu ri...
(Jamais me esquecerei daquela manhã fria,
A combinação de sol, frio e maritaquinhas
Me levou para dentro de um quadro de Renoir
As cores leves, saltando para a vida
Essa poesia tola, circundando o ar...)

AS SEMENTES



Dedico este poeminha para Célia Bianco
e a turma da Mal. Deodoro, com meu carinho e toda a minha saudade.
(ainda esperando um horário, hein?)
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As sementes,
Ah, para você, que se lembrou das sementes
(sementes são a visão do futuro,
são o pensamento da ação)
Quero que saiba que existem hoje, em profusão
Há sementes espalhadas por onde eu piso
E há sementes no ar, não só no chão...

ADOREI


Eu nem estava preparada
Nem enfeitei o coração de batidas mais rápidas
Nem me surpreendi fazendo círculos de fumaça no céu
Olhando para o nada
Mas, tentando olhar o fim,
Eu voltei ao recomeço que há em mim
E adorei,
Como se adora o frio, quando há calor
Como se adora a máxima da vida
Quando há sentido
Como se adora um santo
Quando se tem fé
Como se adora a si próprio
Quando se tem destino.

JUNHO X JUNO


Junho parece ter seu nome originado da antiga deusa Juno. Ela estava encarregada da sabedoria feminina, luz e casamento. Hoje ainda as pessoas tentam arrumar casamentos em junho, porém nunca ouviram falar de Juno.

Para mim, já tão distante da Mitologia que também já amei um dia, Junho começou assim, luz demais, sabedoria demais e casamento de menos. Tem nuvens no céus muito doces, tem frio que corta a respiração e tem agora um cachorro que está preso a uma coleira na venda da esquina, berrando sem parar em busca de liberdade ou incomodado por quem passa.

Junho começou frio, há de acabar mais frio ainda. Como as mulheres que conheci e que ainda conheço em mim. Primeiro aquele ar de deslumbramento da manhã de Junho, tão sem mistura e ainda assim, radiante; depois só o recolhimento dentro da sabedoria própria e à custa da própria luz. Sozinha.

SEM CRÉDITOS


Plantar é opcional,
Colher é obrigatório.

03 June 2007

POEMA PARA ALIVIAR A DOR


Na busca de soluções
Lanço mão da única coisa que sei fazer
A que não me ensinaram
Porque não é aprendida
Nem ensinarei a ninguém
Porque não sei ferir meu semelhante
Faço isso,
Sofro, distanciada,
Retiro-me ao breu do meu inferno
Que é um inferno pequeno e próprio
E nunca partilhado
Que não resolvendo nada
Alivia o que meu lamento consome
E assim, vergada ao chão
Recolho-me à dor
Dor de não poder fazer,
Dor de não saber de nada.

ELOGIO


O maior elogio que me fizeram até hoje
(Nem pense que falaram de uma possível beleza
Escondida por trás deste meu riso
Ou de uma graça envelopada de jovialidade e molequice)
O que me fez enrubescer
De prazer e da mais pura alegria
Foi que me disseram que tenho um coração inteligente
Se sofre, transforma
O aturdido destino em paraíso.

CELEBREMOS


Celebremos a vida,
E aquilo que a vida dá
O pão e o vinho
O queijo e a tempestade
Mas celebremos
Primordialmente,
O que desejo para nós
Que o pão seja o que nos sustente
O vinho, o que nos ruborize e nos aqueça
O queijo, o que nos azeite,
E a tempestade, o que nos mova
Para frente.

CATÁCLISE


O que chamam de coração
O que os românticos compreendem
Que é o sentimento envasado dentro de um tórax
Eu chamo de catáclise
O que eu tinha em mim, que era bom
Que era são,
Virou monturo e desastre
O mundo me tornou enviesada
Não é por culpa de mim que sou amarga
O mundo é máquina de fazer decepção e mágoa
Eu não carrego o mundo dentro de mim
- Eu rejeito a amargura do mundo, não vê? -
O mundo é que me carrega
Igual eu carrego um pão
E eu, catarse e explosão,
Vou balanceando as emoções em fluxo
Não sofro, nem exulto,
Não ligo a mínima mais,
Eu sigo,
E sinto muito.

CAI O TEU NOME


Cai o teu nome ao chão
Recuso-me a resgatá-lo
A ajuntar, paciente,
Tudo o que sobrou de mim
Dentro do teu nome
Essas letras multiformes
Mal feitas, infames
Tortas...
Recuso-me também,
Nesta hora de difícil passagem
A respeitar teus afazeres
E a te desejar boa sorte
Recuso-me a entrar prá dentro de casa
E recuso-me também a sair deste espaço
Fico onde fico
Vejo teu nome ao chão
E respiro, aliviada
Está onde deve estar
Chão é a linha dura do horizonte
Horizonte, para mim, é a limitação do norte
Não é vida, nem saída;
É morte.