29 January 2011

TRISTE

Hoje, manhã ensolarada,
os pepinos pepineiam
as libélulas libeluleiam
as águas aguam,
tudo isto enfurecido
de paixão arrastada que é a vida.
Mas não a minha poesia,
que sem qualquer consentimento,
calou-se.

20 January 2011

CANÇÃO DA LIBERDADE


A melhor coisa deste mundo
é  ter  tido enfiado na cabeça
aquilo que se tem  nos pés;
missão, horizonte e liberdade.

CANÇÃO PARA A MINHA MENINA

Hoje ela se enfeitou de um rosa cravo
e nas orelhas, duas estrelas cintilantes faiscavam neon...
Ainda ontem era aquela que eu  levava,
e hoje, inventou-se de um amor
mais sublime que o amor de peito e ventre.
Ontem era só minha menina
e hoje é a ponta desta lança
de que já fui um dia.

TON TON, VIVER É TÃO BOM

Ah, viver é tão bom!
Chupar sorvete na praça
as quatro da tarde
vestindo uma saia estampada
de cetim alaranjada
tem a felicidade
que nem em Paris se acha!
Viver é tão bom!
Se toca o sino então
"ton ton, ton ton,
meu coração bate junto
sentindo aqui por dentro,
"é tão bom,
" é tão bom!".

19 January 2011

CANÇÃO DA SÚPLICA

Meu Deus, tira-me 
a santidade e dá-me a loucura;
melhor demente do que pura;
a insanidade acresce
e a pureza deturpa.

CANÇÃO DA SURPRESA

Dá-me a súbita surpresa
e vista-me daquilo
que compreendo bem:
o círculo vicioso de
nosso começo
e o anel ilusório
do nosso fim.

CANÇÃO DO CASAMENTO


Socorre-me, oh Deus,
socorre-me,
porque minha filha se casa
logo no mês que vem.
Socorre-me, oh Deus,
socorre-me,
porque juntamente com ela
caso-me mais uma vez.

18 January 2011

MORRER UM POUQUINHO



Morrer um pouquinho esta noite,
e desalojar-me da capa...
Morrer só um pouquinho,
para ver a metade de um anjo
e ainda a metade da casa;
permanecer aqui
no que se funde no bom
e elevar-me ali
no éter fingido dos mortais
e morrer só um pouquinho...
Seria esse o estado
de uma felicidade que não dói?

17 January 2011

CANÇÃO DO TEJO E DO TÉDIO


Tenho feito canções portuguesas,
que de tão tristes,
cortaram-me o mal.
Por ter sonhado com os azulejos do Tejo
é que me encontro assim,
sem a poesia de sempre, tropical...
Neste imenso desejo de zincar os  mares,
é que me arrisco a ser como um dândi de palha;
falsa como os ouros que exibo
e serena qual a lâmina da navalha.

CANÇÃO DO CONHECIMENTO DE SI MESMO

E afinal, o que me tornei
depois de ter bebido
um litro de água e sal
e de ter dormido
à sombra dos areais
de um inferno de deserto?
Em mim havia um pouco de freira,
aquela que se casou com as vestes,
e um pouco de prisioneira,
aquela que se despiu das crenças,
e agora que me amei mais
defino-me um pombo de praça;
a despeito de quem passa,
ainda acha alguma graça
em emporcalhar a praça.

CANÇÃO DO POUCO AMOR


Vim, e no entanto, não vim;
coloquei apenas meu pé esquerdo
para fazer saltar minha presença
mas meu vício de mulher
e a muita alegria
da minha muita juventude
deixei para trás daquela porta
que se cerrou, pesada, quando meu pé entrou.
Jamais estaria alta e composta para
dentro deste teu lado
pois tua boca riria de mim
e teu sorriso me faria em lascas...
Apenas um pé meu  agora te ama
e só este pé seduz a tua alma,
que se deixa venerar, patético,
posto que és tão  pouco
e neste  pouco que te dou
em tudo, basta.

10 January 2011

CASA VAZIA


O que é uma casa vazia
senão o apelo do nada
para que não se lhe habite?

09 January 2011

CANÇÃO DO DIA


Um dia de mais,
um dia de menos.
Um dia,
em que meu corpo
aqui viveu,
mas em nada acrescentou
de acertos.

08 January 2011

CANÇÃO DO ANTES


Era essa a árvore verde
que lhe viu me amar...
Lembra-se do frescor
e da coisa nova que fazíamos?
Hoje passei por lá,
estava um dia fervente e sufocado
e a árvore, antes tão tesa
e emaranhada,
como nós dois
diante da secura e desencanto
superando a lei da impossibilidade,
não mais pode ser achada,
e para outros lados se mudou.

MIMO

A ARQUITETURA DO SÁBADO


Hoje é manhã de sábado
e ainda nem bateu dez horas.
Neste dia haverá de tudo;
desde sardinha assada até
o circo depois do alcorão.
Promete-se muito;
e até a noite,
quando o último pássaro
já estiver alojado,
terei descoberto
que a sardinha azedara
que as orações não se elevaram
e que no circo não houvera sessão.

07 January 2011

POESIA


Nunca misturei amor com poesia;
seria o mesmo que depositar poeira crua
sobre a textura branca do pão.
A minha literatura não transpira
como o suor cheiroso dos corpos
sobre a cama,
mas mecanicamente origina
o que o espiírito entende
do que o mundo respira.

06 January 2011

PASSA AMANHÃ


Deu uma chuva assombrosa hoje de tarde;
uma agonia de trovão e luz!
Tive ímpetos de correr
mas não tinha saída nem entrada
que fornecesse fugida.
Fiz o que precisei fazer
dando um berro para o alto:
"Deus, passa amanhã!"

DOIDIVANAS


O que não me é natural
me desgasta.
Só acredito no bem
se  for inato.
O mal,  se
feito com delicadeza
e requinte
pode ser uma dádiva.

05 January 2011

A SOLIDÃO FALARÁ


Um dia desejareis dizer:
- Vem comigo, pirilampo!
Mas tentarei ser macia
como aquela rosa do estrangeiro
que me deste
e te direi baixinho,
de soslaio,
dizendo, mas não dizendo:
"Impossível sair com este tempo,
se faz calor, faz calor
e se frio faz, frio está".
Neste dia a solidão
dos dois falará.

SELO DOS AMIGOS

Graciosamente oferecido pelo meu amigo SOTNAS para enfeitar o Pé de Pitanga.

04 January 2011

AS DUAS COISAS EM UMA


Para mim, duas coisas são apenas uma.
Como por exemplo, a aurora e o crepúsculo
simples movimento do nascer e o ir deitar.
Entre o nascer e o morrer
há um espaço de vida
que chamamos vida
única e singular,
e que não se divide,
posto que morte é vida sem vida.
O prato e o ovo
revelam a simbiose
da sustentação da fome,
aquilo que é sobre o que será,
assim como o cavalo que pisa sobre a areia,
a qual sustenta do transporte, o trote.
O que é um, é milhar
e o que pode ser milhar,
- milhares entre milhares,
é o signo da solidão do uno
a que estamos todos tristes,
e lamentavelmente misturados.

EU NÃO SEI DANÇAR


Umas pernas roliças que Deus me deu
não me permitem dançar
nem entender o ritmo
do subterfúgio.
Por isso as pessoas tristes
não se alargam;
apenas mexem o corpo
para lá e para cá
enquanto os dedos estalam
e o espírito esfria.
Só dançam aqueles Deus apadrinhou
e elegantemente enfeitou a testa
com a leveza da saciedade.
Os tristes, esses morrem de fome da graça.