27 February 2007

POEMA DO HOJE


Hoje o dia veio em cheio com ímpetos de poesia
Saí à rua e tudo me pareceu aquém do que eu sinto
Pessoas vestidas de vermelhos fortes,

Uns amarelos, um calor abafado;
A moça na padaria que pediu um croissant
Tinha uma tatuagem de dragão no braço
Soltando fogo pela minha proximidade
Tudo me pareceu que eu estava dentro do cinema
O céu cinzento ainda era set de filmagem
Só uma música ainda canta dentro de mim
Ininterrupta e cadenciada
Hoje estou do lado de cá,
Se ninguém me chamar
Permaneço nesse estado
De êxtase,
Maravilhada com o mundo diverso fora do meu quarto
Vejo tudo, ávida,
Como se fora e primeira vez e a derradeira,
Com os olhos dos versos que me faço.

BICA DA MINHA INFÂNCIA


Nessa altura da vida
Quando todos estão correndo atrás da roda da fortuna
De possuir e despossuir
Trocar e retrocar
Eu apenas busco uma coisa
A mais esplendorosa coisa que me importa
E que ficou
Secreta e morna dentro de mim;
Aquela bica da minha infância
Etérea, entre os bambuzais, fincada.

26 February 2007

EU E A MÚSICA


O mundo para mim ficou só isso
Uns afetos, uns sorrisos, uns jeitos,
E a música na palavra
Quando a palavra,
Para mim, ainda é música.

ME ERRA


Quando falar comigo, me erra
Não é possível conversar com um poeta
Como se faz quando se conversa com uma irmã
Um pai, um afilhado
Você me fala na chuva espetacular que caiu à tarde
E eu penso nas belezas das floradas
No verde em clorofilas que virá
Depois da chuva que acabou com a cidade
Quando falar comigo
Fale-me de brisas azuis
Da fênix renascida e recultivada em mim
Fale-me dos quindins da minha avó
Do jorro fresco da bica que não me larga mais
E que ainda borbulha toda a inocência em nós
Fale-me do sentimento eterno do mundo
Que é a compaixão
O coletivo inconsciente da miséria que nos ronda
O comprometimento de estar aqui
Mas viver intensamente o acolá no meio fio das coisas
Mas não se torne como eu,
Me erra;
Permaneça com sua essência de terra e de cascalho
De sombra e luz
De verdades discutidas e inverdades comprovadas
Deixe para mim a volatilidade,
Porque eu não me compreenderia
Você não me compreenderia,
Nós não nos compreenderíamos
Dentro da mesma linguagem.

25 February 2007

MEDO DO ERRO


Hoje, maior do que tudo
Maior do que o alvo que persigo
Está meu medo de errar no lançamento do dardo
Minha mão está suspensa no ar
O público dentro de mim me delira
A multidão me avança
Não quero jogar
Deixe-me recolher o braço
Deixe-me voltar ao anterior da ação
Deixe-me pensar que sou capaz
Quando não o sou
Deixe-me possibilitar um ato
Mesmo que não o consuma
Porque errar na elipse do espaço
Agora não seria um erro
Seria um átimo,
De sadismo
De loucura
De espasmo.

POEMA DA MINHA FARSA


Caídas as minhas farsas
Nem o carteiro voltou com a notícia boa
Muitas das minhas promessas foram retardadas
Portanto, acho-me só;
E este sentimento que tenho em minhas mãos
È o embornal simples de juta que me deram para carregar

Único fardo que me restou depois de tudo
Lembro-me do que fui, e choro
Penso no que serei e ainda assim, desvio-me
Tão pouco tenho feito por mim
Sinto que ninguém me envia um olhar
Se me dói viver, enquanto busco
Viver assim, sem pressa, é tudo que me consola
Estou pálida, desatenta,
Tão cínica e amorfa,
Morta.

POEMA DO DESEJO


Quisera que surgissem no céu
Umas estrelas azuis
Um homem de fogo
Um bicho que passa, manso
A fresca da manhã
E as minhas lágrimas
Soltas, sinceras, fartas,
E o sentimento espaçoso
De desrespeito e falta de medo
Desejaria contemplar a face
Que me foi tirada
Da última tarde em paz
Que o tempo
Invisível e calado já levou
Quisera ter mais tempo
Mas nesse tempo
Eu já não sou
Quisera resumir esse mundo
Naquele pontinho negro do oceano
Que uma hora é a ilhota solitária da minha imaginação
No mais das vezes é o corpo dilacerado do afogado
Quisera que surgisse em mim
Uma falta de palavras que me explique
E aquela incapacidade de compreender tudo
Quisera calar-me para sempre
E esvanecer somente
Qual cinza ao vento.
Porque o saber de todas as coisas me endoidece
Ah, como eu desejaria estar somente no meio do caminho
Não ser esse caminho
O ser caminho, neste momento é lamento
O estar a caminho, em mim
É o caminho mais fácil.




23 February 2007

TIO AMILTON VOLTOU....


SER POETA



Oi, querida.
Ser poeta é a coisa mais difícil...
Mas para você é fácil, é facílimo...
Voce é toda poesia.
Beijos do tio
Amilton

GORJEIA


Gorjeia, meu amor
Gorjeia,
Dentro da gaiolinha dourada do meu quarto
Você está preso
Eu, liberta
Gorjeia então, porque está ao meu lado.

COMO OS HUMANOS


Ser poeta é a coisa mais difícil de se fazer
Por que teimo tanto em explicar o meu estado?
Quando todos estão pra lá
Estou pra cá
Se concordam
Eu discordo
Se mudam
Eu não saio do lugar
Mas engano bem minha poesia
Finjo que me mudo
Que concordo
Que caí do lado de cá
Puro medo de permanecer insana
Mas como dói poetizar como os humanos!
Deixa-me permanecer aqui, parada
Onde possa ter um vento, um cheirinho de verde de quintal
Uma possibilidade de rede
Um imenso azul que eu chame de tatame
E essa sensação inescrupulosa de que não preciso de chão que me segure

Nem gravidade que me prenda
Porque atualmente, nada e ninguém me bastam;
Se o mundo fosse só eu,
Essa coisinha em formato de indagação
Ainda assim eu seria feliz
A felicidade não está na mão do filho que me beija
Nem na simpatia do bom dia que vem da porta ao lado
A minha felicidade é pequena, do tamanho exato
De mim mesma.
Eu sou a própria felicidade
Sem chancelas.

21 February 2007

MEU ERRO


Se eu errar, não me corrija
Deixe-me cometer o ato mais atroz
Não só com a língua
Mas com minhas parcas condições
Se eu errar com força
Deixe-me errar
Se eu errar com malemolência de coração
Deixa que meu erro
Me acerte
O errado é mim é o que está certo

NÓS QUATRO


Ah, se o tigre que vivia em mim agora me voltasse
Juro que lhe montaria sem pensar, o dorso
Cravaria-lhe meus dentes sobre seu pescoço grosso
E dispararíamos, meu tigre e eu
Na desabalada correria
Até, cansados, encontrar meu outro eu,
Parado, perplexo, desconcertado,
Em cima de um outro tigre, também perplexado.
E então, o que faríamos, nós quatro?

MINHA ALMA QUE GOZA


Não é só o corpo que goza
A alma há de gozar também
No íntimo das vísceras
Há de se desencadear as maravilhas
De uma explosão de nervos
Por dentro das vontades reprimidas
De uma alma simples como a minha

Minha alma é singular
É cascata de beijo no desejo
Não de possuir o prazer;
Possuir o prazer é se prender a um prazer

Do outro
Mas de ser,
O próprio prazer angustiado
Por gerar o jorro do prazer, em mim aprisionado

Quero para sempre que esta minha alma molinha,
Como está agora,
Nem se levante da cama de manhã
Quero a minha alma lânguida de sono
Que nem penteie os cabelos emaranhados

Que não se canse,
Que não se assuste e só emane
A vigorosa e juvenil sensualidade
Pois que minha alma é a mulher mais vadia da cidade
Minha alma é a sucessão de suspiros e fôlego
No antes do sussurro

E no fim do ato
Minha alma é o próprio fogo
Depois de tanto gemido sôfrego, apagado.

CHINÊS


Por que não aprendi a falar Chinês?
Se eu soubesse palavras estranhas
Que fossem inverdades para quem as lesse
Que fossem cadeados para quem as achasse
Que fossem mistérios para que as olhasse
Eu poderia dizer-lhe que,
Transcendi, elevei-me,
Desprendi-me

Mandei tudo para o Mandarim
Achei-me mais tonta,
E no ar, mais rarefeita e descomplicada
No Chinês, a palavra
É símbolo da composição complexa do ser
Se antes, eu era o verbo
Duro,
Se eu era o nome,
Estático,
Agora sou Ming Dong
Xiang e Dungan
Sou os caracteres nobres e antigos da minha alma
Libérrima, como um tremor de asas
Valei-me, meu bom 北方話
Carrego o velho Chinês
De bigodes longos
De túnica amarelada
De pele macerada
Dentro desse meu corpo nu
Nu de verbo
Repleto, porém, de significado.
Em Chinês, a liberdade não é pecado;
É dúvida apenas, na tradução da palavra.

19 February 2007

O REVERSO DO ESTABELECIDO

Este poema é para a Azália, que adora a expressão "o reverso do estabelecido".
E eu, aqui dentro do seu ateliê, poetizando, poetizando, enquanto ela anda pra lá e pra cá, me chamando de Cilinha...
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
Aqui, onde estou agora,
Chamam-me de Cilinha
Mas que coisa tola,
Mas que coisa boa...
Ser Cilinha de novo
É que é o reverso do estabelecido

EU, CILINHA




Se um dia eu possuir aquele apavorante sentimento de perdição
Se um dia colocarem-me à beira do abismo
E se eu desejar pular, entre acovardada e forte;
Se um dia jogarem-me à cara todas as palavras ásperas
Que bem mereço, embora não seja preciso ouvi-las;
Se um dia eu recuperar o fio da meada
De um novelo de lã que está bem aqui debaixo da minha saia
Se um dia for me perguntado “ por que ?”
E se eu já souber a resposta, que terá vindo
Do borrão do café no fundo da xícara de barro
Neste dia
Será preciso me lembrar
Da criança que fui
Com os olhos grandes, abertos à claridade,
A blusa branca, pureza juvenil que me colocaram,
E essa boca, essa mesma boca,
De espanto diante de tudo
Nesse dia de confrontação com a verdade,
Terei dito,
" Nunca me conformei com este mundo."

TORTA



Upa, cadê meu verso?
To escrevendo ao contrário
Esquerdo, meu pensamento está,
Meu raciocínio varado
Quero meu pensar de volta,
Linear, reto, esticado,
Quero meu verso direito
Mas upa, cadê o verso,
Direito, se eu sou torta?

18 February 2007

ALMA PASSARINHO


Louvem a Deus, passarinhos,
Porque no embate entre o céu e o vento
Há suas asinhas a debater na correnteza
Vitoriosas asinhas...
Louvo a Deus, passarinho que há em mim;
No embate entre a vida e a morte
Há minha alma, cansada, cansada,
De tantos anos de reclusão
Mas viva, porém, e alta!

17 February 2007

CINQÜENTA


A saudade que me alentava
Danou-se;
O verso manco que eu fazia
Como minha mãe fazia doces,
Remexendo a calda,

Lentamente, para não desandar
Esse também já se foi,
Toda a maldade do mundo que comi
Arrefeceu-se, feito o doce desandado
Tenra idade para se começar a viver, Ceci
Ainda mais cinqüenta haverão de vir;
Cinqüenta verões tão tórridos como este
Cinqüenta estações de bananas da terra,

Novinhas, brotando no quintal
Cinqüenta foguetórios em noite de São João
Cinqüenta São Joãos de frio e pura luz,
Cinqüenta contas de terço bem rezados
Cinqüenta carimbos no meu passaporte em busca de destino
Sobre a minha fotografia refrescada
E surpreendentemente renovada
Resta-se para viver a meia corda de fumo
Enrolada sobre o balcão oleoso e escuro do armazém
Que eu própria picarei, caprichosamente,

E hei de enrolar, agora sem pressa alguma,
Em meio à palha fina, cortada e conquistada
A cada dia desses cinqüenta que passarem.

15 February 2007

A INGENUIDADE QUE ME FOI TIRADA


Precisaria ter de novo a interrogação exposta sobre essa carinha
Esse olhar de quem não sabe mais para onde a própria casa foi parar
E a ingenuidade primária que me foi tirada
Até agora há pouco eu tinha essa ingenuidade boa
Esse mover de olhos, vagaroso
A inquisição no semblante sobre um futuro, ainda que fosse possível
E um desconhecimento do mal que me assoberbava.
Acabaram de me tirar essa pureza de alma
Ela era doce e intocada
Hoje é só a imagem que ficou aqui,
Guardada.

AMOR VERSUS AMOR


Ama-me, mas não me vê
Busca-me, mas não me acha
Acaricia-me, mas não sabe onde está a minha mão
Preocupa-se, mas não me atende
Sonha-me , mas nunca dorme
Planeja-me , mas não constrói
Conhece-me, mas já me esquece
Perdoa-me, mas sempre me fala não.
Amor de verdade, quando esculpido à malícia
É só amor de mentira,
Não é amor versus amor.

RIR DEMAIS


Tenho muito medo de quem ri demais
A bestialidade no rosto adulterado
As contrações do corpo
Os múltiplos espasmos
Diante de tão primitiva ação
De ter cócegas na mente

E o involuntário ato de dobrar-se
Até que o riso acabe, como se fosse tosse.
Quem ri demais abstém-se de sentir
O mundo como ele é
Rir demais é contrariar o sentido das coisas
É viver o realismo, mas negar o realismo
Talvez nem negá-lo, mas desconhecer-se
É confundir-se com seres anormais
Neste mundo de impossíveis
Neste mundo onde coabitamos todos
Panteras, acácias, nuvens, esquimós
Nada há para se rir em demasia
A lástima é muita
Mas o rir, insano.
Ri, mas ri pouco,
Recolhe-te ao teu juízo
E quando estiveres prestes a rir demais
Recua,
Nem os animais, em toda a ignorância
Fariam jus a tal ato desumano

DINA VERA



Dina Vera foi quem eu conheci quando criança
Dina Vera era moça, mas era feia
Uma cara gorda, sorriso abestalhado
Cabelos curtos e ruços, enrolados
Dina Vera usava bota ortopédica
Dina Vera era o contrário da sensualidade
Se ria, espantava
Sempre tive imenso pavor, tanto da Dina
Quanto da Vera
Quarenta anos voaram
E aqui estou, mórbida de tédio e sono
Dessa vida que vivi e que não me conformo
Dina Vera, entretanto, não morre dentro de mim
Vive, todos os dias,
Debaixo da minha pele clara
Do meu olhar bem pintado
Das palavras macias, escolhidas a dedo
E dessa minha meiguice, que eu aperfeiçôo e moldo
Dina Vera não sabe,
Mas eu também manquitolo.

POEMA DA FALTA DO AMOR


Esse perfume me basta
Esse derrubar de braços
Esses dentes já não tão brancos
Esse calor,
Fio de eletricidade acesa nos meus pontos
Esse segurar de lágrimas
Esse rio que eu teimo em represar
Esses cabelos,
Ah, esses cabelos,
Eles foram um dia a sofreguidão de vida
Hoje aportam por sobre mim,
Inertes, sedosos, porém,
Inertes.

14 February 2007

GIRASSOL


Tudo neste quarto é morte
Exceto pelo barulho do ventilador
Qual roda fresca em círculo infernal
Que gira o mundo, e o mundo gira
Nem girei o mundo ainda,
Duvido se girarei
Mas por via das dúvidas, plantei
Um girassol por cima do criado
Se eu não giro, dispara o objeto
De fazer vento sobre mim, cansada
E gira as hélices para o norte de felicidade
Enquanto o girassol vira suas folhas para o nada.
Eu não giro, não giro;
O girassol, às tontas,
Finge que viaja.

ESPANTALHO


Disfarçar-me de espantalho
E atormentar-me nas noites que passaram
Com a resignação de padre
Foi esta a condenação
À toda uma existência desprezada
Se eu falava um gracejar ameno
Se eu demonstrasse um pouco da tristeza
Tudo seria inútil entre nós
Não houve armistício, houve guerra
Eu, por minha vez com lenço branco à terra
Tu, com a alma de morteiro sobre minha pele
Fina, e por amar tanto, desejosa.
Não é sujeito o entendimento à fala
Nem aos sussurros que a noite ampara
Tuas palavras foram iguais aos atos
Teus atos, sem misericórdia e sem piedade
E eu, atônita, transformando-me em espantalho.
Ainda sou o espantalho;
Tu, o pássaro.

13 February 2007

MATAS-ME


Mais tarde, quando me encontrares
Não me digas que já viste em mim
O mesmo semblante, cinza como o chumbo

Não me digas, nada fales...
Tua ternura é tão pouca e falha;
Se uma vez alisa, me derretes,
Mas se endureces e te ausentas,
Matas-me.

À TARDE


Tudo que tem que acontecer acontece à tarde
É na tarde que as resoluções divinas são executadas
Portanto, se morro de amor, eu morro nessa tarde
Na tarde dessa minha vida já tardia
Tardia de vingança
Tardia de justiça
Agora, tardia de esperança
Não passa um dia sem que uma tarde não me doa
Dói-me viver
E é um viver apenas,
Como a folha da árvore que espera
Que seu rompimento seja de repente
Se eu morro nesssa tarde
Morro, como a folha
Não virarei, contudo
Nem semente, nem árvore,
Nem fruto
Morrerei de amor,
O amor tardio que se foi;
Tardio, pois.

LÁ DE LÁ, CÁ DE CÁ


Lá de lá
Cá de cá
Quisera teu ressonar de novo
Sobre a cama
A luz sobre o teu rosto, atrevido
E eu sobre a tua alegria de estar pairando
Entre os lençóis
E a colcha entre nós, feito o triângulo.
No amor físico, não há palavras
Nem desvios que sussurrem as loucuras
Somente no amor de homens é que se faz a culpa
Mas o prazer, o gozo, a vitória sobre os corpos
Cá de cá, é luxúria e pecado
Lá de lá, é sublimação da morte.

12 February 2007

RESSUSCITAR O AMOR


Não desejo mais nada
Apenas olhar o horizonte
A firme régua de regrar destino
E acondicionar aqui em mim
Uma saudade antiga
Um gostar de amar um passarinho
Mesmo que fosse morto
E esperar aquietada
Que o sentimento ressuscitasse
Como a alma que eu aprisionara aqui dentro.
Ressuscitou;
Morta de vontade
Morta de sede.

11 February 2007

MARASMO

Há sete mares no mundo
Mapa mundi, por que se esqueceu do meu?
Chorei um mar
De sal
Represado aqui
Debaixo dessa cama
Que testemunhou a dor
Que me afogou em dor
Que me consolou na dor
E me satisfez de dor.
Os sete mares do mundo são do mundo
O meu é íntimo, é vasto e é fundo
É Marasmo.

10 February 2007

TÃO TARDE


É tão tarde, tão tarde
Estou frenética
Naquele frenesi de lampião à gás
Que bruxuleia em chamas altas
Deixando tudo preto ao seu redor.
É tão tarde
E eu não descanso
Cá dentro de mim, revolta-se
Uma saudade
Um choro
Uma vontade
Se sou chama,
Neste momento eu sou é fogo alto
Tenho-lhe tanta sede,
Tenho-lhe tanta mágoa
Mágoa por estar, tão tarde
Tão só, como o enforcado,
Condenado

Sede, por estar em frente ao rio do meu mal
E estar contudo, cega e amarrada.

09 February 2007

A VIDA CERTA


Se existe o que não mereço
É passar os dias como estou passando
As nuvens continuam no céu
Tem bolo quente sobre o fogão
A água do chuveiro está represada à minha espera
A orquídea branca ainda sustenta as flores sobre a haste
E tudo aqui é silêncio de laje
Apenas quebrado pela torneira velha que pinga
Porque não sabe se calar.


A vida aqui está do jeito que imaginamos
O respirar pacífico e o entendimento
De que tudo ficou perfeitamente certo
Apenas é preciso cuidar para que aroma do bolo não se vá
Que quando eu queira
A água jorre
A orquídea se distraia e não desmaie
Que não consertemos o pingo teimoso da torneira
Pois ele marca o tempo precioso da tranquilidade
Que ora pinga plenitude,
Ora, saciedade.

PARIS


Ah, Paris
Se tu soubesses o que senti
Quando botei meus olhos sobre as gárgulas da tua Notre Dame
Tu saberias agora como vivo
Ainda busco o estremecimento, o frenesi
A emoção de estar entre o frio e o medo
Inútil busca
O passado não voltou, Paris
Tampouco a minha alegria tola,
Os meus olhos bem abertos diante da tua desconcertação
Que uma hora vinha em vinhos tintos de madrugada,
As minhas loucas risadas
Ou nas luzes acesas de manhã.
Jamais saberei se te amei, Paris
Por que eras Paris
Ou porque eu era quem eu era,
E me perdi.

AMA-ME COM ATOS


Se você me ama
Com realidade
Então não crucifica
Não me mate
Ama-me, não com palavras
Ama-me com verdade
A verdade de amar é silêncio sobre atos

QUEM EU SOU?


" Diga-me o que blogas
E te direi quem és"
Em verdade, em verdade vos digo

Pálida de vergonha;
Por mais que me busque

Por mais que me leia em braille
Que me abra por dentro com faca de de desossar sentimento
Ainda não sei quem sou;
Ás vezes pássaro,
Ás vezes pedra.

EU FALO E FALO


Se tem felicidade dentro do meu mundo
Falo como a galinha d´angola negra e pintada
Não falo “ Tô fraco, tô fraco, tô fraco”
Eu falo e falo

Na minha falinha macia e interminável
“ Tô amorosa”
“ Tô doce
“Tô cálida”
Felicidade é cascata de palavra que eu espumo no ambiente
Se eu estiver feliz, eu falo nonstop
Tristeza é quando me transformo no quarto escuro dos parágrafos
.

08 February 2007

POEMA DO AMOR POR MIM MESMA


O meu amor por mim mesma
Face ao adiantamento ao qual eu me destrato
Dá-me a serenidade de pertencer aos segregados
Nunca fui tola, mas como tenho sido tola!
Nunca fui santa, e ainda assim vejo que persigo a integridade
Não fui criada por sobre afetos espontâneos,
A cumplicidade, o segurar as mãos, o dar a outra face
Contudo, entre esse querer e esse não querer
Quero-me, a mim mesma, como assim desejo ser
Contraditória, indecisa,
O perfeito inverso do perfeito
É justo e bom viver na imperfeição
Na imperfeição não vejo amarras e obrigações,
Corências infiltradas em minhas retidões
Vejo apenas um terreno longo a arar
Sulcos a rasgar
Um vasto e perdido tempo de inferno e paraíso
Com purgatórios perniciosos no entremeio
E a minha paciência estendida em anos luz
Á espera de um acontecimento que me exorcise
No mais, vou me amando como posso
Um pouco de anjo e muito do maligno.

06 February 2007

A SIMPLICIDADE


Estava pensando em fugir
É que estou cansada de viver aqui
Então imaginei sair de madrugada
Uma trouxinha simples,
Dois ou três pares de sapatos
Para andar o muito longe

Para onde se cria vento

Se houvesse um lugar para onde eu fosse
Decerto seria aquela casinha tosca à beira da estrada
Daquela estrada que eu vi um dia
Estreita, tortuosa
E que me levasse à simplicidade
Desejo comer no prato quebrado de rosas desbotadas
E pendurar de manhã todos os suores

Das roupas brancas nos varais da minha mocidade
Quero a simplicidade,
Quero o silencio da simplicidade
Que de noite mia gatos
Mas que a manhã

Possa finalmente devolver-me a face de antigamente
Aquela face da minha ingenuidade
Que eu jamais perdi,
Está aqui dentro,
Mas onde está nao sei,
Não sei, não sei...


Aquilo que chamam de fé
Eu chamo de perigosa e vã curiosidade
Não morro sem ver tirarem leite das pedras dos meus dentes
E nem de fazer chover canivete de escoteiro sobre a horta dos meus ais.

APRENDIZ


As minhas lutas são essas,
Montar um tigre em pelo
Banhar-me da água que lavou o doce do arroz
E ensaboar-me do cascalho que está no chão
Depois encostar a minha cabeça abaixo do espigão
E lutar, lutar, lutar,
Pra que eu não seja
Ordinariamente como os outros
Os que são fortes,
Os que têm poder de segurar um passarinho
E matar o passarinho na pressão da mão
Os que compreendem tudo e explicam
Os que nunca choram,
Os que ferem e não se culpam
Os que se indiferem
E não se entusiasmam, como eu
Que deixo cair uma lágrima quando estou contente
Para mim, o mundo é feito uma cartilha do primário
Lua, rolemã, pasta de amendoim, saudade
São figurinhas que colei na minha alma
Sou macia e frágil,
Ainda tremo de prazer ao ver um beija flor
Faço de conta que não remo contra a correnteza
Porque hoje tenho medo de tudo,
Até da rachadura da parede
Da aranha que se aninhou no canto da janela
Do grito histérico da criança dentro do berço
Que eu não compreendo
Tenho pavor do mundo feio
Do que vivi, daquilo que eu vejo;
Na vida, tenho sido de tudo

De caldeireira a voluntária do prazer
Mas as insígnias da minha mocidade
Pendurei-as todas
Tenho medo de estar morrendo e não saber.

05 February 2007

FOGO IMPETUOSO

Foto retirada do site Olhares. Tatiana, minha flor, valeu!!!!


Vem, fogo impetuoso
Incendeia esse chão
Essa pele pálida
Esse andar cansado
Incendeia, incendeia
Faz uma fogueira em mim
Senão de vaidades
A fogueira santa
Para que eu me curve mais
Purifique-me mais
Humilhe-me mais
Que eu passe pela chama
Igual o ouro refinado
Que sete vezes se derrete
E sete vezes se desmancha
Fogo impetuoso dos meus olhos
Queima essa vida vã
E renasce o novo
O bom,
A excelência na essência da pureza
Que se em mim já existiu um dia
Hoje fenece e grita por vida e por vingança.

04 February 2007

MINHA CASA



Hoje tem seis anos que minha mãe se foi. Tenho tanta saudade, mamãe, tanta saudade...

++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++



Que saudade de mim
Quando havia um tempo de alegria em minha casa
Meus irmãos rindo,
Meus pais sentados no terraço
A rua batida de lua
E as plantas se mexendo quando o vento passasse.

Hoje a rua ainda é rua
Mas meus irmãos se foram
Cada qual na sua própria destinação
De viver as próprias dores,
E de marcar a ferro e fogo as alegrias
Meus pais desapareceram do terraço
E se refugiaram nas fotografias mortas

Eu não estou morta
Mas é como se eu fora
Tenho sangue quente, minhas pupilas crescem
Quando escurece
Mas é uma vida feita dos entalhes
Do passado
A busca louca pela alegria primeira
Alegria infantil e tola
Quando meus irmãos, na brincadeira de roda,
Na música que cantavam
Garantiam-me um futuro simples e regado
Da benção dos meus pais
E eu sob esse cuidado

Ainda que eu busque com as minhas próprias mãos
Ainda que eu tente comprar com o que já conquistei
Ainda que eu vare as madrugadas me martirizando
Nunca mais acharei a menina franzina,

Com os pés descalços
De cabelos claros de sol,
Que se sentava sobre a mureta baixa
E sonhava, e ria, e se distraía
E imaginava que o mundo fosse só aquilo;
Um mundo bom.



TRADUÇÃO




Ah, se eu pudesse, se eu pudesse
Traduzir a fala estrangeira do meu coração
Eu lhe diria que não há tradução
Aqui dentro pão é pão
E pedra é pedra
No entanto,
Há migalhinhas
De saudade, talvez
Um pouco de vontade

No mais, tudo em mim é música.

PEGA MEUS OLHOS


Pega meus olhos e dá-me a luz
Da luz que haveria em seus olhos
Dá-me a sua condolência
E a sua ternura
Aquecida como o cobertor de lã
Que envolvia-me o corpo de criança
Que dava-me um sono desperturbado
Um aconchego
Que é o seu aconchego
Pega meus olhos de novo
E seca as minhas lágrimas
Elas são o despudor da alegria que tive
Quando esses olhos meus lhe viram
E por fim, lhe suspiraram.

ZOEIRA


Aprendi a falar em z
Zamor, zarinho, zóio, zafeto
Zonzinha e zafada
Zarpando e zonhando
Com zúbitos zolhares
Acho que lhe deixei zurdo
De tanto ouvir zoeira
Zó zei uma coiza
Zinto zaudade de zamar de novo.

HOJE É O DIA

Esse poema sofreu algumas modificações; sempre acato quando me dizem que escrevo o óbvio e redundante, portanto, aqui está o texto final. Valeu.

Hoje é o dia
Do gato preto
Cujo azar virou a sorte no meu trevo
Hoje é o dia
Das palavras cruzadas
Descrucificarem-se pela língua mastigada
Hoje é o dia
Do goiabada voltar para o pé da árvore de goiaba
E ali dar mamão, caqui e pão
Quando vier a tarde

Hoje é o dia de rezar o terço
Sobre as contas regulares dos meus dentes
E declamar duzentas marias sem o “ave”
Hoje é o dia de pintar meus olhos
Novamente
Não mais de preto
Mas de vermelho do cobre do meu peito
Hoje é o dia de falar baixinho
Como se o dicionário, as letras detestassem

Hoje é dia de sol esturricado,
Quando o mundo no meu intimo ficou negro
Hoje é dia de tomar um banho de perfume
Mas há uma reserva inodora aqui dentro

Estou sozinha
É uma solidão cínica, maligna
Hoje é o dia de cerrar os olhos
E contar o tempo em pedaços
Para que o gato preto passe
O terço se desfie
E eu veja a solidão daqui
Distante, pendurada na árvore da goiaba
Que dá mamão em meio aos terços da avelã
Às rezas bravas e às confusões macias

Hoje é o dia de suspender a confusão
Hoje é o dia de limpar o terreiro da mesmice
De matar afogada a cobra dágua
E esconder em mim o que restasse de aviso
Hojé é o dia da confissão serena, sobre o altar, acesa;
Não sou, não fui e não serei feliz.

02 February 2007

PÉ DE PITANGA


Um pé de pitanga nasceu aqui ao lado
Impossível pitanga em fruto imprevisível
Num solo duro, árido e faminto
Mas se nasceu, há que se fazer criar a pitangueira,
Há que se torcer por ela, rogar a força e a reza
E o vingar de todas as vontades

Assim é o afeto, que inesperado, nasce agora
Neste impossível espaço de mim mesma
Indiscutivelmente amor-pitanga que nasceu impróprio
Pra esse coração tão ínfimo, tão só e incompleto

Hei de querer todos os frutos, pitangueira,
De meus invernos, dos verões, das tardes preguiçosas,
Hei de querer os delicados cachos de bondade,
E toda cumplicidade do amor não-sei-porque

Se nasce um fruto milagroso no cimento
Que eu pasmada, vejo crescer em teimosia
Faço valer o meu direito de poeta
Deixo crescer o fruto em sentimento

Venham pitangas, venham vindo aos montes,
Trazendo o gosto infantil do meu amor primeiro
Que qual pé de fruta,
Um amor nasce, se fortifica e cresce,
Milagre semeado, pitanga dos afetos,
Que cresce agora no cimento do meu peito

01 February 2007

ANDRÉ GUTI-GUTI


Esta é uma das raras vezes que escrevo a partir de uma imagem.
Nâo pude deixar de escrever sobre meu filho agora, quando me deparo com essa foto que tirei do Orkut dele.
Hoje ele é um rapaz lindo, amoroso, sensível, carinhoso, amigo, companheiro, leal.
Mas um dia foi guti-guti, uma coisinha gostosa de apertar, de sentir, de amar...

Você ainda é tudo isso meu anjo, só que bem maior, já está deixando até uma barbinha... Fico assim, encantada com a vida...
Eu te amo.
+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

André é dia de céu de levantar pipa quando estou alegre
André é luz de dia
E luz de noite
É meu riso de pérolas quando vão ao chão
É o meu seio e meu ventre
Meu verso e meu brinquedo
É uma saudade permanente
De seu cheiro de leite
André é o desejo que eu confessei
E que eu quis
Mais do que quis
Eu o imaginei
E ele veio
Dentro do meu largo sorriso
Confirmado, loiro,
De olhos ilustrados de céu
De um azul pintado
Feito o dia de céu de levantar pipa
Pomba branca que cruza
E que busca a terra firme
André é guizo
Eu sou o vento que lhe embala
André é música,
Eu sou o instrumento
André é meu menino
Eu sou o colo para seu cuidado.