14 January 2007

MANHÃ DE DOMINGO

Por mais que não deseje, sempre estou às voltas com o domingo de manhã. Basta acordar neste domingo de hoje, depois de um sábado arrastado, e já quero escrever sobre a sensação de acordar no paraíso, e isso já me rendeu uns dois ou três poemas, sempre repetitivos quanto às idéias e aos meus próprios sentimentos.
Ainda não esgotei o assunto; então aqui estou de novo a repensar o dia.
Quem convive comigo proximamente sabe do amor e respeito intenso que dedico às palavras. Palavras para mim são como gente; algumas tão bondosas, tão próximas, outras arredias, antipáticas, frias. Falar e escrever ainda são, na minha estreita visão, o ápice da sofisticação; tenho uma pena profunda de quem não aprecia ou não ama os vocábulos. Portanto, sem nenhum desrespeito aos grandes ecritores, o melhor livro escrito até o presente momento para mim, ainda é o dicionário, de qualquer lingua ou de qualquer tamanho. As palavras têm uma atração sobre mim de tal maneira que muitas vezes quis explicar e até agora, sem sucesso. Só posso lhes dizer que é amor; quanto mais as amo, mais elas me procuram.
Domingo vem da palavra latina dominica, que significa senhor, patrão. Daí o verbo "dominar" e o substantivo "domínio". Deus em Latim também significa Domini, o soberano. Domingo então, nada mais é do que o "dia do Senhor". O primeiro dia da semana era chamado em grego, tou heliou hemera = dia do sol; para os romanos era o dies solis = daí do sol. Em inglês, a tradução foi feita literalmente , "Sunday", mas o que parece simplista demais na verdade teve sua origem na representação essencial do dia sagrado. Por sagrado entenda o misterioso, o superior, o místico e o mítico. Sagrado é algo que não se deve mexer, violar, tocar. É , portanto, consagração e veneração. O "sol" aqui representa então a força mãe do universo no seu primeiro dia, e nem sempre o sol físico, como supõe alguns.
Há uma importância semântica nessa palavra que carrega o divino e o executor, terreno ou paradisíaco, sublime e humano. Falar de domingo é falar de força; força de motor de ré; e embora a grande maioria de nós não produza nada neste dia de descanso, essa força motriz nos enfia para dentro de nós mesmos na intenção de produzir uma reviravolta interior, uma sacudidela emocional. Poucos percebem isso, mas esse dia deveria ser reverenciado como dia do "eu-divino, eu-santo, eu-força".
É preciso compreender o domingo para vivê-lo bem.
Para alguns entretanto, domingo de manhã é nada; dormem até o meio dia sem ver a luz e a magia desse fragmento de tempo quando ele já se foi. A manhã de domingo é água que batiza o dia; depois do sol a pino, o domingo azeda. Passa a ser um dia de frustrações e ansiedades, puro tédio e aspirações suspensas. Até a noite, o domingo então tão sublimado anteriormente, transforma-se na maioria das vezes em melancolia. Melancolia por se ter desfrutado por poucas horas da manhã, o novo, e por não se ter ainda agido à medida da introspecção; daí a frustração à espera da segunda feira, dia de fincar os pés na semana e realizar o que se planejou. Nem sempre o fazemos, mas só a intenção breve de planejar já nos torna mais divinos, sentido esse que o domingo essencialmente traz. Em Gênesis, Deus criou o mundo em seis dias e descansou no sétimo, admirando Sua obra enquanto desfrutava de momentos de relaxamento e ócio. Planejamento, ação, admiração e ócio então estão inseridos no mundo cristão, assim como no mundo heterodoxo. Para todos, há sempre tempo para plantar e tempo para colher, e tempo para desfrutar o que foi colhido.
Há muito acordo cedo no domingo, pelo prazer de sentir o dia. Ainda é dia santo para mim, hora de contemplar o interior, reverenciar os egos, fazer os balanços inúteis, esquecê-los minutos depois. Respirar o domingo de manhã é respirar eucaliptos na sua forma natural, e mais, respirar prá dentro, oxigenar absurdamente o self, repensar o que somos e o que faremos do novo dia que surge. Então, se eu pudesse lhe transmitir melhor a idéia desse dia, eu lhe diria que as manhãs do primeiro dia da semana são sempre um primeiro de janeiro, acorrentado à celebrações do novo e à declarações de promessas para o que ainda virá. Tempo de rever o que passou e tempo de prospectar ações. Tempo de meditação e tempo de ação. Tempo de analisar e tempo de lançar novas sementes.
Hoje o domingo está cinzento, contrariamente do seu significado real; cai uma chuvinha morna por sobre a cidade, o céu está branco igual vestido ostensivo de noiva ostensiva, cheio, fofo, amarfanhado, com suas as nuvens baixas, porém, gloriosas. Mesmo assim, mesmo sem o sol de sempre, mesmo sem o barulho das crianças no parque, mesmo sem a buzina dos carros já preparados para rumar para clubes em busca de lazer e lazer, mesmo assim, a fantasia do domingo não me larga.
Sinto-me tão feliz por acordar assim, com a consciência que terei tantos domingos de manhã ainda pela frente, não importa quantos, basta-me saber que a mim será dado mais um, e mais um, e mais um...
Se eu fosse mais ingênua, se eu fosse mais poeta, se eu fosse mais aparvalhada, se eu acreditasse mais em santos e em divindades, eu lhes pediria agora, de joelhos, que a minha vida fosse só esse tiquinho de manhã; que fosse calma, que fosse morna, que fosse a expectativa de um dia bom. Ainda dentro da oração constante que nesse momento toma conta de mim, pediria mais; pediria que se eu tivesse que morrer feliz, que fosse num domingo, entre as sete da manhã e o meio dia, para que eu pudesse levar para o lado de lá a sensação amaciada que vivencio agora: a calma, a serenidade, o contentamento gratuito de habitar um mundo que pode parar por instantes.
Morar no céu deve ser assim; uma eternidade de domingo. De manhã.

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