12 August 2007

SE EU FOSSE MATILDE


Se eu me chamasse Matilde
Certamente não teria esse olhar que tenho
A rebeldia dentro da ironia,
Nem quando calada, nem mais escondida...
Não saberia andar como eu ando
Os pés indo prá frente, o corpo malemolente
O fogo de busca,
Os cabelos entre meus dedos
As nuvens que me acompanham;
Se eu fosse Matilde
E soubesse cozinhar galinha ao molho pardo
Que tivesse um coque, preso
Um avental onde eu enxugasse minhas mãos
Depois que me fizessem amor,
Que fosse virtuosa e nervosa
Se eu fosse Matilde
E tivesse a tristeza do dia para enfrentar,
Sem saber o que é tristeza, o que é dia,
Eu seria a mais feliz das criaturas
Seria mais uma
Matilde, que nem sabe porque vive
E nem porque morrerá
Que comunga a hóstia daquilo que é bem feito no domingo
Que vive cruzando a fronteira da obrigação
Alvoroçada, para lá e para cá,
Sem que a poesia lhe assuste ou lhe visite;
Sem a primária angústia em que vivo
Sem as interrogativas de se desejar uma paixão
E apaixonar-se pelo novo, toda hora
Com os lábios, secos, descorados
E sem o perfume insidioso do meu instinto
Frequente e nativo, que eu ainda cultivo...
Ah, se eu pudesse lhe ser, Matilde
Eu me simplificaria, tomando a forma do seu ser;
No entanto,
Eu sei de tudo que toca dentro de mim
Dos assobios de ais
Até do ronco da motocicleta que me disciplina
Se eu lhe fosse, Matilde,
Ainda por um único dia,
Dentro da sua estreiteza e firmeza,
Eu nem me morria, nem me matava;
Eu só vivia;
Se eu lhe pudesse ser, eu seria mais bela
Porque a beleza não está no que é belo
Nem no que para mim é previsível;
A beleza está para ser descoberta.

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