26 May 2009

OS ÓCULOS DE ZÉ RODRIX


Quem morreu foi Zé Rodrix, mas uns tantos que ainda estão vivos morreram com ele.
Porque morreram com Zé Rodrix? Que mal ele teria feito ao mundo?
Não levou por certo seus óculos de grau; devem ter ficado sob os cuidados da viúva e penso agora o que ela poderá fazer com eles.
Zé Rodrix morreu e eu me preocupo com seus óculos de grau grandes, abertos... A cara de Zé Rodrix para mim eram as duas lentes grossas penduradas sobre um nariz.
Ele não deve ter sentido falta alguma deles à hora de sua morte; foi súbita, conforme vi nos jornais. Estava em casa, passou mal e chegou morto ao hospital.

Será que ele levou os óculos, mesmo passando mal?
Foram muitos os trabalhos deste compositor que também se dedicou a jingles comerciais; ninguém ficou sabendo; foi o autor de um estrondoso sucesso na voz de Elis Regina, Casa no Campo. Com ele, traduziu um sonho pacífico de natureza combinada com juventude. Paz e campo eram para ele, a tradução romântica da felicidade.
Ainda significa felicidade para muitos, estamos "por aqui" com prédios e caoticidade de máquinas, queremos respirar felizes e meditar na calma.
O sonho da casa no campo, os rocks rurais, as certezas dos limites do corpo e nada mais, quem os atingiu agora goza de uma pequena felicidade, mas a felicidade revelada de Zé Rodrix era mais apelativa, mais ardorosa, naquele chamado único de se encontrar o eu com eu.
O limite do corpo chegou ao fim para ele. Chegará para mim, para você, para o verdureiro do bairro, embora desejemos nunca pensar nisso. Mas, com o desaparecimento prematuro deste músico, aos 61 anos, a morte chegou pertíssimo de mim, esbarrou em mim com seu manto negro e a lâmina de sua espada brilhou no meu pescoço.
Quem eu achei que não morreria jamais, se foi, e com ele, o meu também sonho de casa no campo ficou mais distanciado, mais sonho que cotidiano, mais transparente que o mais sólido silêncio das línguas cansadas.
A casa de campo que eu desejara anos a fio era a solicitude da alma na calma e o repúdio da belicosa paisagem que cultivamos agora.

Não vou dizer adeus a Zé Rodrix porque eu não o conhecia. Só se diz adeus a quem a gente encontra sempre e depois sabe que não verá jamais.

Vou dizer então que eu o amava dentro da estranheza desse amor que não é de verdade; um amor não correspondido e irrevelado, e sendo assim, direi que seus versos foram os meus que eu não soube escrever um dia, e que sua palavra foi a palavra que eu não soube me dizer, que suas intenções naquela única e especial canção foram da mais pura e absoluta verdade. Também para querer pouco, é preciso ter coragem.
Não tem muito tempo, li em algum lugar que Zé Rodrix se arrependera por ter escrito Casa no Campo, por julgar ter sido uma musica pueril demais, fruto de sua mocidade.

Pode ter sido invenção da imprensa, na falta do que dizer.
Fico com o seu pueril, irmão, creio na mocidade e desejo que todos me confortem pela sua perda.

Quando soube de sua morte, foi como se eu tivesse perdido um livro amado, a quem a gente recorre nas horas infelizes ou dramáticas; um livro que restaurasse a nossa dignidade.
Mas os óculos de Zé Rodrix, estes sim, ficaram, e lá se foi ele, por certo, sem o olhar daquele tempo doce, que por eles trespassasse.

Porque ele disse que queria a esperança de óculos, foi-se com ele a esperança, deixando um espaço vazio desse sentimento de nulidade, de ludibriosa sensação de vontade do desapego, da falta de objetividade..
Foi-se mesmo, sem os óculos... E quem precisa de óculos fora deste mundo?
Se paraíso há, e se ele for merecedor deste paraíso, não será com aqueles óculos que ele vislumbrará os carneiros e cabras pastando no jardim do Éden; este cenário por certo será mais espiritual do que o espírito de quem o inventou...

Valeu, Zé Rodrix; vá então, suba reto e suba rápido, com sua cuca legal, embora deixando os óculos.

25 May 2009

POEMA DEDICADO AO SEU AMOR


Eu não lhe amo porque lhe sei amar
Lhe amo porque seu amor sabe de todas as coisas
E se me molho, me seca,
e se me acabo, me renegera,
pois sou noiva rescendendo a sal
e meu véu é cortina de fumaça
por onde aniquilei meus males.
O seu amor é a desfaçatez das grades
que me liberou para o ar.
Portanto, já não lhe amo
por minhas virtudes e créditos

desde que seu amor me ensina e disciplina;
o seu amor é a régua exata
que quando ama, marca
e que quando prende,
no azul profundo do afeto que me dá,
me engrandece, e assim,
me autoriza em mim
e me desata.


SEM PALAVRAS


Eu não escrevo o que desejo,
escrevo apenas o que julgo me ser possível;
e isso, para mim,
é muito pouco,
quando não é nada.

POEMA DE INDAGAÇÃO


Um dia estarei farta de viver,
e direi assim:
Ah, como estou farta de viver!
Talvez a vida me ouça e me corte a respiração
ou talvez não...
Talvez me amarre os pés na terra seca e árida
e me condene a mais e a mais viver.
Nunca acreditei que vida seja prêmio,
nem que seja castigo
Quando eu fui ingênua e cândida,
esse tempo já passou.
A vida então deve ser esse amontado de ais ais
e essa pilha de nervos que se amontoa em pira, dia a dia
Se eu estiver farta de viver,
ainda não morrerei
pois nem é a nossa vontade,
nem nossa disposição para empreender a viagem
que nos basta.
O que nos basta é estarmos, tontos,
à mercê da estrada.

PROGRESSO DE ALMA


Agradecida aos inimigos atuais,
muito agradecida aos inimigos que já passaram
e imensamente agradecida aos inimigos que ainda não sei
mas que saberei à hora certa.
Um inimigo de alma é rei de manto e cetro
a quem devemos reverenciar,
e se possível, conscientemente, amar.
Não é ele quem lhe credita tributo em acréscimo
e não é ele o seu propulsor em meteoro de providência?
Enquanto fui benévola e casta,
nada me adiantou;
mas agora, que uma legião de dedos me aponta o erro
me sei madura para seguir em frente.
A extrema bondade para consigo mesmo, é tragédia;
o íntimo tribunal é progresso.

19 May 2009

CARROSSEL DE PRATA


À primeira luz do dia, nascemos,

seres primeiros de ar e sedentos de experiência

e com o passar do tempo, lentamente

até que não percebamos,

as mesmas experiências nos confundem e nos marcam.

A vida é carrossel de prata,

nem bem gira, ao mesmo lugar nos volta,

mas a cada volta, um trajeto de infelicidade.

Quem viveu bem, sofreu

e quem não viveu, do sofrer não soube;

nem bem viveu, nem bem morreu.

15 May 2009

DOCE


Corações são um pouco de sal e um pouco de açúcar
Não seria meu coração diferente
não fossem as agruras, as confianças abaladas,
a chuva no deserto que nunca vinha...
Meu coração não entende o doce,
e quando há o doce, este o amarga.
Vou aprender com as minúsculas formigas nas açucareiras;
o que foi doce em mim,
dia a dia me foi tirado.

14 May 2009

POEMA DO ARREPENDIMENTO


Não me importam os medos que as pessoas têm;
O que me importa é o meu medo,
que ora pode ser a sombra que eu faço,
e muitas vezes, o ato da minha própria mão.

O que eu sou, eu não desfaço,
e do que eu faço, eu me arrependo.

SE EU FOSSE COMO TU


Recebi hoje pelo postal
uma carta me enviando felicidade
Não seria a felicidade

aquilo que cobiçamos?
Veio a carta selada,

a cola grudava a estampa,
papel alvo, como a alma

daqueles que não pecam
e uma identificação

de remetente estranha,
que muito soava a engano,

engano que te quero engano...
Não foi possível abrir a carta

pois nunca é possível abrir

uma felicidade fácil,
posto que para ser vivida,

lembrada, desfrutada,
a felicidade necessita

ser guardada de nós.
Poetas como eu

recebem coisas extraordinárias,
mas como poetas,

recusam-se a usá-las.
E o que seria de mim,

se eu fosse como tu?
Alegremente tola,

profundamente mansa,
ridiculamente pacífica

com os tropeços enormes
e absurdamente tenebrosa

com os cascalhos ínfimos...
Se eu fosse como tu,

eu não amaria o mundo
E se tu fosses como eu sou,

tu não me amarias jamais.

06 May 2009

PRELÚDIO DA MONOTONIA


Tenho tanta coisa a fazer agora,
e no entanto, a poesia me põe nos cabrestos,

enrodilha meus calcanhares com argolas pesadas

como se fossem de cimento,

me põe a meditar, no canto da sala,
a repensar meus mal-feitos, minha embirração,
meus defeitos de espantalho, abobalhada

que não compreende nada.

As coisas todas estão esperando por mim,

o pó sobre os móveis suspira aliviado,

as panelas vazias reluzem de rejeição,
o cão agora dorme,

depois de cantar uma sentinela triste
de pedido de atenção.

Eu me busco através da poesia,

e embora nunca me ache,

nunca me explique,

nem me arrisque a produzir clareza,

insisto nessa monotonia pontual de todos os dias

que é passar a limpo as emoções que tenho.

O TEMPO


Amanhece a quarta feira, morna
O tempo não me pareceu se importar
em fazer frio
como fez na semana passada

O tempo não precisa de desculpas,

de justificações exatas,

de coerências sutis ou alargadas

O tempo faz aquilo que necessita fazer

ou o que lhe aprouver fazer, sem me informar.

Quisera eu ser o tempo de ar

que ora vem e acalora,

e ora vai e resfria o mar,

as paredes dessa casa,

meu coração que já se encontrava gelado

e que agora, palpita de precipitações eloquentes;

não sabe o meu coração esfriar,
nem esquentar o meu meio.
Meu coração é seixo de rio,
aonde não entra vento.

05 May 2009

HOJE EU TE AMO



Bloco de textoTrabalho do poeta Carlos Roberto Ferriani, para que todos apreciem.



Hoje te amo

Ontem sabia

Amanhã,

tenho certeza.

Dói crepúsculo

Então resta,

a viver,

escasso tempo.

Sei, eu tive,

enquanto paz,

tantos momentos,

para contigo

aprender

Dói saudade,

O amor

que perdura,

guardiã

de toda dor

que ficou.

Chuva e vento,

sem licença,

invadem lento

Alma em pó

Nós atados

Nos todos nós

que nos demos.