01 June 2010

A LEVEZA DA SOLIDÃO - MINI CONTO


Abri a caixinha de plástico amarela e tirei as coisas: um colar de pérolas de três voltas, um bilhete datado de Abril de Armando que me dispensava e uma rosa seca do dia dos meus trinta anos.

No momento que fui enrendar o pescoço em volta do colar, um estampido soou lá fora. Era meio dia e a rua neste momento não fervilhava.
Não tive ânimo para bisbilhotar, o almoço já ia sair, mas a notícia chegou rasteira com os gritos de Joaninha que passaram por debaixo da porta:
"Mataram, dona Nenê, mataram seu Camilo!"

Deu-me uma tristeza de colo, aquela tristeza de segurar o ar, de pensar palavra e reter palavra! Nem bem vi, o colar de três voltas falou por mim: mandou que a rosa ainda mais se secasse e que Camilo subisse depressa para o lugar onde ficam os ares, e que aqui, livre, não precisasse haver mais despedidas.

O que a polícia apurou depois, ficou retido, lívido, num papel verde assinado pelo sargento de bigode.
Bem tarde da noite, quando tudo era silêncio de novo, guardei as coisas de volta dentro da caixinha amarela; o relatório do policial em cima tudo, e pela primeira vez em muitos anos, dormi a noite inteira.

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