29 March 2012

CORRE, PEQUENINA



Corre deste mundo, pequenina,
corre!
Que a tua infância acaba
e lhe dá os mal assombrados,
onde tem dor e lascívia!!!
Corre deste mundo, pequenina,
corre!
Porque sua infância pouca
passará completamente
quer você corra,
quer pare
na esquina da resolução,
quer feche os olhos,
quer veja,
quer você mude,
quer não.

POETA




O poeta não é nada mais
do que aquele ser adultamente melancólico
buscando a criança que foi por debaixo da cama.

POEMA 1





De quando fui menina,
nem sarda restou
As palavras boas
que aprendi
deram-me luz e sapato de salto.
Se os gestos de menina
eram vigorosos,
foram apenas largos gestos para dentro de mim;
e hoje eu agarro as folhas mais altas
dos coqueiros imperiais que margeiam o rio.
No fundo, no fundo, tudo é ilusão...
Quem foi mais feliz, a menina sardenta
ou a mulher de agora que dança?
Ninguém sabe de felicidade, enquanto vive.

21 March 2012

CANÇÃO DE FAZER LEMBRAR



Era uma vez... um menino bonito...
(as notáveis histórias
sempre começam com "era uma vez"?)
E esse menino bonito tinha ficado encantado na minha memória
(encantado é quando
uma imagem congela-se ,
assim, para sempre,
e portanto, perpétua).
Tinha os cabelos anelados,
de uma cor cáqui
e sua alma  parecia uma nuvem
de tão purificada....
Passaram-se tantos dias e tantas noites,
os sonhos passaram, os pesadelos passaram,
as ruas ficaram mais largas,
os rios vomitaram peixes de tanta sujeira,
as nossas crianças nasceram, cresceram,
e o menino ali ficou, guardado,
caladinho e eterno
sentado à mesa da minha memória.
Um dia, assim sem mais nem menos,
o menino ressurgiu bem à minha frente
(trajava uma bermuda cáqui e uma camiseta branca,
tinha a barba e os cabelos brancos,
que eu tolamente pensava que fossem cáqui).
Tantos dias e tantas noites passando,
tantos sonhos passando, tantos pesadelos,
as ruas ficaram estreitas para tanto frisson,
que até os peixes elevaram-se da água
por causa desta graça.
O  menino bonito levantou-se, de repente da cadeira
à mesa da minha memória,
circunspecto, com sua barba branca,
e seus cabelos brancos,
e serviu-me o mais magnífico manjar,
o mais virtuoso prato,
a mais fiel de todas as comemorações;
que vem a ser, a sua alegre presença de agora...
Salve, meu Deus,  aquilo se preserva,
e salve tudo o que a memória guarda!

16 March 2012

POEMA PARA MEU AMOR



Um divino amor de gato,
ah, esse amor que  mata!
Lambe-me, mas
não come a minha alma;
deixa-me solta, a zoar,
libélula, na minha liberdade.
E se não me compreende,
se não canta comigo,
é porque compreende
a sua própria liberdade.
Somos dois em um,
como a marmelada e goiabada
eu, a marmelada....
Ah, esse amor divino,
meu gato e eu,
que me contou sobre as farsas
das estrelas e das cartas
Falou-me, sorridente
da ausência do divino
entre nós, tão venerado.
Falou-me das casas antigas,
das receitas caseiras tão antigas,
falou-me do nosso amor, também antigo,
até que, vencida, me calei,
por falta de palavra.
Ah, divino amor de gato,
que não me come as vísceras,
mas me mata!

HUMANIDADE



Um dia de menos,
uma humanidade apressada
e um passo pequeno para o futuro.
Somos todos e somos um
e justamente hoje,
que nada me vence
e que nada me arrasa
somente hoje,
descobri a humanidade
que em mim reside:
a falta de vontade,
e coragem para nada.