04 November 2006

OVO QUENTE


Minha mãe, minha mãe,
Hoje acordei com saudade
Do tempo lá trás, um tempo que não esqueço
Quando o seu cuidado comigo era me trazer um ovo quente
E quebrar a casquinha com a ponta da colher
Para trazer assim à vida
A viscosa gema entremeada à clara
E eu, maravilhada,
Por voce ser também a modificadora das coisas
E de vir a tornar o ovo líquido
À massa magicamente transformada.

Não como mais ovos quentes, minha mãe,
Você bem sabe,
E não aprendi a quebrar a casquinha para ver o meu interior
Se me julgo líquida,
Posto que tenho um rio em choro
Me creio massa,
Impactada, dura e irremediavelmente
Sem retorno
E o medo pavoroso de me constatar
Amorfa e confinada

Aprendi poucas lições, minha mãe,
E do pouco que aprendi,
Modifiquei parte da realidade em refúgio insano
Num lugar bobo e infantilizado
Que como o interior do ovo,
É um mistério a ser modificado.
Se ora sou quente,
Sou também o peso frio e massificado do passado.

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