10 January 2007

GANHAR X PERDER


As afirmações da sabedoria popular e suas polaridades

Porque não sou cientista, agradeço a Deus. Que Ele me livre da verdade todos os dias; quero ser enganada em tudo enquanto viver.
Mas os cientistas ainda teimam em decifrar o mundo. E do que é feito o mundo senão o das polaridades negativas e positivas?
Por “negativo” tendemos a considerar que seja a banda podre dos adjetivos, mas tenha o cuidado de não confundi-lo com os pesos dos adjetivos. Na maioria das vezes, acho o feio (negativo) sensacional, e o bonito (positivo), sem sal.
Há que se considerar também os graus dentro dessa variedade de adjetivos, que podem ser classificados como muito, muito pouco, pouco, mais, menos, e assim por diante. Assim podemos dizer que alguém é bom; ou muito bom, o que torna nosso discurso ainda mais enfático.
As palavras desmistificam o mundo e os cientistas que me perdoem; quanto mais vivo mais me certifico que as palavras se bastam. As palavras definem e dão sentido à vida, e a sabedoria popular dá uma banana para a ciência.
Dizem que quando Deus fecha uma janela, Ele escancara uma porta. Se isso quer dizer que uma chance foi desperdiçada, uma oportunidade larga se abrirá à frente.
Há também uma alusão à uma chance perdida através da ilustração de um cavalo selado representando a sorte, que passa uma única vez à nossa frente. Uma vez perdido o assento sobre esse cavalo, “suerte, adios” .
Todavia, o que significa “desperdiçar” uma chance?
O conhecimento dos antigos é imbatível; tudo que se aprendeu e se aprende com esse conhecimento ainda confisca as verdades atuais sobre o acontecimento das coisas. O conhecimento dos antigos pressentia, sem base científica alguma, fatos que estariam por vir. Hoje a ciência ratifica em muito a sabedoria dos antigos; velhos ancestrais da velha Humanidade, buscada nas civilizações extintas do berço do conhecimento na Antiguidade. Como explicar tamanha consciência das coisas? Aos gregos, devemos tudo; a psicologia moderna ainda afirma isso.
Temos aqui duas afirmações vindas dos mais antigos, essas do tempo de meus avós, porém, contraditórias, entre si;

Quando Deus fecha uma porta, Ele abre uma janela

A sorte é um cavalo selado que passa uma única vez em nossa vida

Procurando aqui no meu depósito de memórias, achei também outra verdade universal que me encanta, mas ao mesmo tempo me assusta:
Se um fato já ocorreu no mundo, a chance de que ele se repita é de 90%.

Então, pasme. Se você caiu de bicicleta um dia, terá 90% de chance de cair de novo ao montar a mesma ou outra bicicleta; se você amou e não foi amado, 90% de chance de se frustrar novamente no amor. Sendo mais otimista, se alguém encontrar dinheiro na calçada uma única vez, é possível que continuando a caminhar e a procurar, haverá mais dinheiro à solta para ser achado. Por qualquer um, inclusive.
Entre perder uma oportunidade e ficar lamentando com os olhos de “nunca mais” , prefiro acreditar que outros cavalos selados passarão. A fatal aparição de um único cavalo em toda a nossa vida, e ainda, pronto para o galope conosco rumo à nossa felicidade, isso não lhe parece simplista demais?
Para mim, nunca será possível neste mundo assombroso de Deus existir um único cavalo; cavalos há aos montes, selados então, aos milhares, portanto, sigo o raciocínio de que se há um passando a galope, outros também estarão na trilha e passarão também. Basta esperarmos e termos capacidade de pular sobre qual nos agrade mais. Deus continuará nos abrindo portas gigantescas, e os riscos de fracasso e sucesso acontecerão assustadoramente em percentuais altíssimos.
Em muitos casos o embate entre os opostos “Ganhar X Perder” em suas duas polaridades torna-nos humanamente em farrapos, quando sabemos que essas duas palavras antônimas guardam quilômetros de distância no significado entre si. Como se “ganhar” fosse receber os louros, e “perder” finalmente fosse chafurdar na lama.
Entretanto, perder às vezes é ganhar. Casos assim enchem nossos noticiários. Fulano de Tal perdeu o vôo 777 que desapareceu misteriosamente no Pacífico Sul. Entrevistado, Fulano respira entre aliviado e resoluto ao dizer: “Perdi o vôo e ganhei a vida”.
Agora, num caso contrário, se ganha milhões na Mega-Sena, e Beltrano perde a privacidade total, isso quando não perde a vida, enredado pelos parentes, vizinhos, loucos pelo seu desaparecimento.
Ganhar e perder são atos de coragem, dentro da mesma força e da mesma intensidade. E corajosamente, vamos perdendo e ganhando a todo minuto. Ganhamos a vida trabalhando, mas perdemos nosso tempo de lazer, ganhamos dinheiro, e perdemos paz de espírito, ganhamos amores, perdemos a liberdade.
Ao fecharmos uma porta para um destino, ganhamos outra porta, que abre outra porta, e que abrindo outra, nos leva a caminhos misteriosos de que só as portas que se nos abrem nos dirão.
Escolher uma porta à direita e desprezar aquela da esquerda não nos dará absolutamente nada de satisfação ou alívio, a não ser a consciência de sabermos que outras portas se abrirão e outras se fecharão.
A vida, então, resume-se nesse abrir e fechar de oportunidades a cada instante, animação de pequenas ou grandes chances aparecendo e desaparecendo enquanto caminhamos para a última porta que deve ser a morte, isso se não existirem mais portas pela frente da morte. Mas este assunto é mistério para mim; talvez para poucos outros não seja, mas ainda acho graça em quem me explica.
Portanto, diante de uma difícil decisão, rejeitar ou aceitar aquele emprego, ir ou não para certa universidade, largar a mulher para viver com outra, decidir ser cantor de rock ao invés de continuar a ser bancário, em todas as curvas de opções que temos todos os dias, basta seguir em frente.
Não se engane, meu amigo; se hoje há dúvida, amanhã haverá uma decisão. Mesmo inertes, mesmo irresolutos, mesmo fracos, ainda que fortes, a decisão virá. Mesmo que nos fechemos dentro dos nossos quartos, apaguemos a luz, nos recusemos a tomar alguma decisão, a decisão estará tomada, e essa porta da indecisão momentânea também se abrirá. Porque se você resolveu não abrir porta alguma, tenha certeza de que alguém a abrirá pra você, ou lhe escolhendo um emprego, ou lhe trocando por outro cônjuge muito mais interessante. A vida é assim, dinâmica, se você não faz, a vida fará para você.
Se houvesse um jeito de vivermos bem neste mundo, certamente seria o de vislumbrar qual porta certa deveríamos buscar e abrir. Mas o certo não existe, o duvidoso é permanente; então, só nos resta aplicar bem o ouvido agora e tentar ouvir o trote do cavalo castanho que está se aproximando ali, na ponta da manhã. Investigue se valerá a pena saltar sobre ele. Senão, espere; depois do almoço outro também haverá de passar. Nem sempre castanho, às vezes branco, às vezes rosa, porque o cavalo de cor rosa lhe enganará quando lhe disser que o levará para a tal sonhada porta certa da decisão. Lembre-se então. A porta "certa" tem o tamanho e cor exatos ao da porta "errada"; nosso único trabalho é abrir somente uma, e não importa qual porta seja aberta, certamente, estamos jogando o jogo, como deve ser.
Como neste momento, em que você me lê. Você acabou de "perder" tempo comigo; em contrapartida, "ganhei" a sua companhia. Você, graciosamente, escolheu entre tantas coisas a fazer neste momento, abrir a sua porta para mim, e isso, eu acho, foi mais do que certo.
Feliz, agradeço-lhe, então. E sigamos em frente.

"Assim, eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, a lei da equivalência das janelas, e estabeleci que o modo de compensar uma janela fechada é abrir outra, a fim de que a moral possa arejar continuamente a consciência".

(Machado de Assis – Memórias Póstumas de Brás Cubas)

1 comment:

Anonymous said...

Eu, não considero tempo perdido p/mim. Pelo contrário, me fez voltar ao passado e perceber quantos cavalos lindos eu deixei passar galopando e eu, com cara de tampa velha de panela, só olhando e respirando o pó que restou.
Ganhei ao perceber que ainda vejo cavalos passando e eu ainda não peguei nenhum.
O passado não tem volta, nem o cavalo que se foi, mas daqui prá frente vou ficar de olho!!!
Percebe como NADA é perdido para alguém?