27 April 2007

COMPREENSIVA?


Tenho sido compreensiva por cinqüenta anos.
Nasci compreendendo; nasci de sete meses e compreendi que não valia a pena esperar mais a fim de que minha mãe logo se acostumasse comigo. Compreendi e aceitei o nome que me deram, a família que me impuseram, o afeto que me dedicaram.
Compreendendo vida afora, fui me afastando do que era amarfanhado, mas o amarfanhado não adianta afastar; a vida está cheia deles, nem bem a gente se desvia de um já está esbarrando em outro. Então, foi pulando uma cerca de preocupação, uma ribanceira de mágoas represadas, um rio turvo de lágrimas que jorravam, que compreendi que a complacência foi inútil e exacerbada.

Tenho sido compreensiva com os fortes, mas também com os fracos. Entendi a dor dos outros assumindo as minhas próprias. Dediquei-me ao fundo no mais negro porão, sabendo que nem sabia sofrer direito ainda; fiz do monturo um parque nacional, emendei as lástimas até de madrugada, chorei o choro de criança já adulta e me desesperei quando as portas que eu chutava não se abriam.
Fiz de mim uma Joana D´Arc fajuta e miserável; tentei vencer as causas de terceiros e de quartos, quando não tinha nenhuma causa íntima para lutar, vi os anos se passarem como se fosse um filme, e quando o The End apareceu na tela eu já estava exausta de tanto dar rewind.
No momento em que eu já estava tonta de tanto rodopiar, recebi uma rasteira que me jogou ao solo; nem assim deixei de sorrir e de pensar que a subida seria mais gloriosa.
Recomeçar para mim é baba, fingir que está tudo bem é coisa que acho mais do que normal.

Compreendendo tudo, fui ficando irônica, as palavrinhas que eu escolho a dedo são ácidas; tem gente que não percebe, então eu vou jogando e adocicando aquelas que preciso suavizar.

Mas a notícia que meu coração neste momento declara é direta como o tiro no pardal.
Compreensão aqui, depois de cinqüenta anos, já parou.
Não lhe compreendo, nem vou um dia lhe compreender. Farta estou de excuse moi.
Se a compreensão tem validade, a minha já amarelou.
Consulta a validade dos meus sentimentos e prepare-se para o pior. O pior aqui é só a ausência da minha paciência e o fruto indesejado do meu mau humor.
Tem coisas na vida de outros que são infinitas; na minha, quero que tudo tenha prazo para acabar.
Sou compreensiva numa coisa, aceito-me, vou aceitando-me assim no percurso dos atos; mas certa de que não sou mais subserviente, e o que repica agora eu rebato.
Vamos recontar a vida de hoje em diante de trás pra frente, primeiro não lhe aceito, depois, eu só recolho aquilo que já me baste.

Antes de me pedir compreensão, primeiro vive a vida que vivi, depois remonte-se, ponha-se de pé, analisa a sua conduta, daí quem sabe a vida lhe sorria e você seja como eu?
Um pouco dura e muitas vezes, sombria.

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