Saí ontem de manhã para caminhar na Nove de Julho. Não era tão cedo, a avenida estava vazia, coisa muito incomum de acontecer num domingo e que pela hora, já devia estar cheia de gente como eu, caminhando, apressada.
Eu vinha pela ilha, debaixo das árvores, muito entretida com as músicas swingadas da Norah Jones que estavam tocando altíssimo nos meus ouvidos vindas do MP3 que estava escondido preso à minha cintura debaixo da malha. Quando caminho, muitas vezes não presto atenção às coisas ao meu redor e tenho que em concentrar pra isso, dizendo para mim mesma, a toda hora, que é preciso observar as calçadas, as lojas, as pessoas passando. Se vou escutando música, tudo que minha mente quer é prestar atenção na música e só na música, e assim vou andando sem notar quanto tempo andei, norteada somente pelo percurso que já sei de cor.
Mas ontem, naquela paradeira de domingo, sol forte e calor de já quase 30 graus, avistei, em direção contrária, pelo lado esquerdo da avenida, um senhor e um garupa, de bicicleta, muito simples, quero dizer, ele, assim como o garupa, simples e a bicicleta, também simples, vindo encostados ao meio fio, bem vagarosos. Sobre o quadro, uma criança de uns dois anos no máximo, porém, à frente, empoleirado entre o guidão e o selim. Vieram passando bem perto de mim e os dois imediatamente me olharam fixamente, certamente curiosos também por me ver caminhando ali, sozinha, toda de preto, óculos escuros pretos, cheia de fios enrolados em volta da orelha. Jamais esquecerei a cena: Nós três nos grudamos os nossos olhares; o homem pardo, camisa azul clara e calças jeans bem surradas e o garotinho de boné branco, shorts, camisetinha regata, óculos escuros e uma chupeta azul enorme enfiada-lhe à boca.
Viver cinqüenta anos para ver um nenê de chupeta, boné e óculos escuros foi para mim uma experiência ímpar. Imagino que deve haver milhares de crianças que brincam com óculos e bonés quando ainda usam chupetas, mas essa cena de quem já se personificou de adulto ainda tão criança me pareceu uma cena externa dantesca de filme mexicano de quinta. E o máximo, pegando uma carona de bicicleta.
Mas adorei. Os olhares dos dois me vendo passar enquanto eles também passavam decodificaram algo em nós de pura síntese de expressão; uma fração de segundos de ligação de pensamentos e possibilidade de troca de desejo na urgente comunicação humana. Enquanto eu pensava na bizarrice dessas duas figuras em meio à uma avenida elitizada como a nossa, achei na hora que eles bem que poderiam ter pensado: "Coisa estranha, essa mulher doida, vestida como um urubu, cantarolando baixinho, e ainda por cima, andando movida por fios!" O nenê certamente não pensou diferente, quase que a chupeta lhe cai da boca quando me vê, os olhos tão abertos, a expressão muda!
Sei que causei uma impressão forte neles; em mim, trouxeram-me a ambigüidade da vida e o sabor do absurdo em meio ao contraste.
Mundo bom esse, quando a gente sai, nunca volta como antes...
Eu vinha pela ilha, debaixo das árvores, muito entretida com as músicas swingadas da Norah Jones que estavam tocando altíssimo nos meus ouvidos vindas do MP3 que estava escondido preso à minha cintura debaixo da malha. Quando caminho, muitas vezes não presto atenção às coisas ao meu redor e tenho que em concentrar pra isso, dizendo para mim mesma, a toda hora, que é preciso observar as calçadas, as lojas, as pessoas passando. Se vou escutando música, tudo que minha mente quer é prestar atenção na música e só na música, e assim vou andando sem notar quanto tempo andei, norteada somente pelo percurso que já sei de cor.
Mas ontem, naquela paradeira de domingo, sol forte e calor de já quase 30 graus, avistei, em direção contrária, pelo lado esquerdo da avenida, um senhor e um garupa, de bicicleta, muito simples, quero dizer, ele, assim como o garupa, simples e a bicicleta, também simples, vindo encostados ao meio fio, bem vagarosos. Sobre o quadro, uma criança de uns dois anos no máximo, porém, à frente, empoleirado entre o guidão e o selim. Vieram passando bem perto de mim e os dois imediatamente me olharam fixamente, certamente curiosos também por me ver caminhando ali, sozinha, toda de preto, óculos escuros pretos, cheia de fios enrolados em volta da orelha. Jamais esquecerei a cena: Nós três nos grudamos os nossos olhares; o homem pardo, camisa azul clara e calças jeans bem surradas e o garotinho de boné branco, shorts, camisetinha regata, óculos escuros e uma chupeta azul enorme enfiada-lhe à boca.
Viver cinqüenta anos para ver um nenê de chupeta, boné e óculos escuros foi para mim uma experiência ímpar. Imagino que deve haver milhares de crianças que brincam com óculos e bonés quando ainda usam chupetas, mas essa cena de quem já se personificou de adulto ainda tão criança me pareceu uma cena externa dantesca de filme mexicano de quinta. E o máximo, pegando uma carona de bicicleta.
Mas adorei. Os olhares dos dois me vendo passar enquanto eles também passavam decodificaram algo em nós de pura síntese de expressão; uma fração de segundos de ligação de pensamentos e possibilidade de troca de desejo na urgente comunicação humana. Enquanto eu pensava na bizarrice dessas duas figuras em meio à uma avenida elitizada como a nossa, achei na hora que eles bem que poderiam ter pensado: "Coisa estranha, essa mulher doida, vestida como um urubu, cantarolando baixinho, e ainda por cima, andando movida por fios!" O nenê certamente não pensou diferente, quase que a chupeta lhe cai da boca quando me vê, os olhos tão abertos, a expressão muda!
Sei que causei uma impressão forte neles; em mim, trouxeram-me a ambigüidade da vida e o sabor do absurdo em meio ao contraste.
Mundo bom esse, quando a gente sai, nunca volta como antes...
2 comments:
CECI...
Já fazia um bom tempo que eu não acessava Pé de Pitanga.
Cda poema ou texto, foram imensamente gratificantes.
Vc me faz querer te amar!
E eu te amo !
Esta foi demais!
Dei risada só de pensar na cena.
É bem a sua cara!
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