Hoje ainda é quinta feira e o feriado de Tiradentes aproxima-se, ainda longínquo, no sábado. Estou feliz; Tiradentes esse ano cismou em morrer num sábado e eu não estou nem aí para a sexta. Por mim, Tiradentes acaba de morrer nesta quinta feira às 21:50, portanto estou exultante. Amanhã não dou aula nenhuma, vou acordar cedo, tomar café bem preto, comer uma macia e pequenina bisnaguinha Jack com margarina light e sair pra caminhar no Curupira, certa de que a vida é assim mesmo. E tome Tiradentes antecipado!
Tiradentes deve ter sido um mártir e tanto, estou me sentindo tão plena de vida, que ainda o martirizarei mais amanhã o dia inteiro, para acabar de matá-lo no sábado até que eu vá dormir. Quero que Tiradentes morra toda a hora que bater o sino; e que morra muito, que morra devagar, e para meu próprio bem.
Porque estou feliz, abri uma garrafa de vinho tinto. Porque mereço. Porque gosto de me sentir assim, descompromissada com tudo e comigo mesma. Porque o vinho aquece a alma e alegra o rosto. Não preciso ir ao espelho agora conferir no meu rosto os olhos mais brilhantes e a pele ruborizada. A alegria traz o que o vinho revela, o rubor do conforto e a premissa de ventos bons que ainda virão. Agora, então, verifico, contente; tudo está bem.
Enquanto escrevo, observo o cálice de vinho ao lado deste computador. O copo alto está meio vazio, o que me lembrou agora aquela estória estúpida de Polyana, de ver um copo pela metade, positivamente meio cheio, negativamente, meio vazio. Não gosto desta visão simplista das coisas. Acho que as implicações eternas e impermanentes da vida são mais complexas do que são e o buraco é sempre mais embaixo. Mas há pessoas que simplificam tudo; Polyana é um baita de um sucesso há pelo menos duas gerações e eu me mordo de revolta por saber que há pessoas que acreditam no quem lêem, e o que é pior, passam a tese adiante. Se a humanidade é burra, sou também, já que sou parte do todo, mas também nunca me conformei com a humanidade, isso não quer dizer que sendo parte, concordo em ser. Nunca concordarei, e aí é que está a graça.
Mas, hoje, especialmente hoje, tudo está meio cheio em mim. Meio cheio de vida, meio cheio de alegrias, meio cheio de amor por mim mesma, pela vida que construí e que ainda me embala e pela vida que pavimento, agora só, sem as responsabilidades por compartilhar atos alheios. Eu faço e permito-me fazer. Eu decido e sigo, eu lamento e recuo, sozinha nesta minha decisão. Meu leme tem uma única mão e toco o barco absurdo de papel, sentindo segurança nesta mão. Mão meio cheia, agora nada vazia. Nestes anos que vivi, edifiquei paredes de solidão e hoje derrubo essas paredes. Cimentei comportamentos, hoje chapinho por sobre eles. Quero ser, e sou. Serei, portanto; já me sinto como sendo, porque quero assim.
Porque estou feliz, abri uma garrafa de vinho tinto. Porque mereço. Porque gosto de me sentir assim, descompromissada com tudo e comigo mesma. Porque o vinho aquece a alma e alegra o rosto. Não preciso ir ao espelho agora conferir no meu rosto os olhos mais brilhantes e a pele ruborizada. A alegria traz o que o vinho revela, o rubor do conforto e a premissa de ventos bons que ainda virão. Agora, então, verifico, contente; tudo está bem.
Enquanto escrevo, observo o cálice de vinho ao lado deste computador. O copo alto está meio vazio, o que me lembrou agora aquela estória estúpida de Polyana, de ver um copo pela metade, positivamente meio cheio, negativamente, meio vazio. Não gosto desta visão simplista das coisas. Acho que as implicações eternas e impermanentes da vida são mais complexas do que são e o buraco é sempre mais embaixo. Mas há pessoas que simplificam tudo; Polyana é um baita de um sucesso há pelo menos duas gerações e eu me mordo de revolta por saber que há pessoas que acreditam no quem lêem, e o que é pior, passam a tese adiante. Se a humanidade é burra, sou também, já que sou parte do todo, mas também nunca me conformei com a humanidade, isso não quer dizer que sendo parte, concordo em ser. Nunca concordarei, e aí é que está a graça.
Mas, hoje, especialmente hoje, tudo está meio cheio em mim. Meio cheio de vida, meio cheio de alegrias, meio cheio de amor por mim mesma, pela vida que construí e que ainda me embala e pela vida que pavimento, agora só, sem as responsabilidades por compartilhar atos alheios. Eu faço e permito-me fazer. Eu decido e sigo, eu lamento e recuo, sozinha nesta minha decisão. Meu leme tem uma única mão e toco o barco absurdo de papel, sentindo segurança nesta mão. Mão meio cheia, agora nada vazia. Nestes anos que vivi, edifiquei paredes de solidão e hoje derrubo essas paredes. Cimentei comportamentos, hoje chapinho por sobre eles. Quero ser, e sou. Serei, portanto; já me sinto como sendo, porque quero assim.
Tiradentes e eu somos uma única pessoa neste momento, morremos todos os dias, ele por causa alheia, eu, por causa própria, matando o que houve de usurpação em mim. Ele venceu, virou feriado, eu venci; virei mais eu e faço feriado em mim quando me dá na telha.
Tenho absolutas verdades e meio pressentimentos. Falo e espero a reação, não me importo mais sobre a força dessa reação; a minha frágil força hoje me basta. Se o vento sopra prá cá, acerto as velas prá esse lado, se está soprando para lá, vou ver o que vou fazer. Suspiro, e decido. Sozinha.
Nunca me conformei com o mundo; o pé de mundo que plantaram no meu quintal nunca deu fruta boa. Ainda me inconformo e agora mais. Não quero quer dizer - não quero - e " desejo", para mim quer dizer " hoje, conseguirei" . Luto e tenho resolvido, falo e decreto uma posição. Nem sempre dá certo, mas a intenção é sóbria, e o desejo, verdadeiro.
Tenho planos de mil folhas, as folhas que escrevi estão fechadas, mas não as lacrei, ainda as revisito, e como suspiro de feliz ao ver que as escrevi! São mil folhas de noites solitárias, de incompreensões, de distanciamentos, mas de adventos únicos, de como me empinei numa noite de sábado em que chovia, e eu estava tão só, mas me lembrei num instante da força de minha mão, do meu coração de lebre, que corre e safa-se, daí eu sosseguei.
Tenho planos de mil folhas, as folhas que escrevi estão fechadas, mas não as lacrei, ainda as revisito, e como suspiro de feliz ao ver que as escrevi! São mil folhas de noites solitárias, de incompreensões, de distanciamentos, mas de adventos únicos, de como me empinei numa noite de sábado em que chovia, e eu estava tão só, mas me lembrei num instante da força de minha mão, do meu coração de lebre, que corre e safa-se, daí eu sosseguei.
Toda a minha vida foi aquela sucessão de corrida e parada, puxando o ar quando pudesse, aquietada, para correr mais um pouco adiante e parar de novo. Venci correndo a corrida dos loucos, correndo eu sei do quê, mas nem sempre sabendo porque parava.
Minha vida tem sido um despencar e arribar constantes, mas neste minutinho, concluo que não foi por mim mesma que a roda louca rodava. Os fatores mais do que externos me agitaram, como à uma água parada e tive que marolar, marolar, até chegar aqui, crespa e instável. Se permaneço neste estado, sinto que preciso revirar, hábito de quem enxergava o copo meio vazio. Hoje meu olho de mártir simplificado enxerga um copo que está meio cheio, o vazio dele é a falta de compreensão de quem anda em volta de mim.
A plenitude de uma felicidade foi habilidade de peão que tive que aprender rapidamente a usar. O montar o touro mais forte que saltar sobre Minotauro e esperando que a porteira se abrisse; tudo que tive que fazer foi benzer-me e cair na sorte.
Meu touro foi mais bravo do que eu supunha, mas a morte não me pegou, muito menos o tombo final. Tive, foi sorte. Caí e me ajeitei, deslizei e voltei ao prumo. Aprendi a jogar, a me fingir de morta e a apertar no lugar certo o lombo da besta. Aprendi que a vida é certinha pra quem sabe ter corpo mole. Enrijeceu, perdeu. Fui adquirindo aquela consistência de molusco por sobre o duro da vida, cai aqui, ajeita ali, e assim, meio encaixa, meio monta. Vida é balanço, é movimento, ganha quem sabe montar.
Hoje sou santa de terreiro, aquela que fala com propriedade o que a vida é. Quem me vê não me conhece; quem fala comigo, não me compreende. Mas tenho o respeito de meia dúzia e quem me vê de longe sabe que não entro em briga, no máximo, aposto, no mínimo, fujo.
Mas há quem diga que sou doce como a pedra azul do fundo do aquário ou ingênua como a menininha sem sapatos que conheci no Bairro Alto quando eu era criança.
Não sou, nem uma coisa nem outra. Sou dura por dentro e por fora, macia, e agora, meio cheia e meio vazia, como o taça que vejo à minha frente, com o perfume da uva tinta que pintou meus ais, ou do vermelho do meu rosto que ruboriza meu passado.
Sou meio cheia de sonhos e meio vazia de dores. Os sonhos, eu alento, as dores, já quase me esqueci. Tenho pena de quem carrega dores; é gente de corcunda baixa e andar arrastado. Gente de dar dó. Eu só inspiro.
Minha vida tem sido um despencar e arribar constantes, mas neste minutinho, concluo que não foi por mim mesma que a roda louca rodava. Os fatores mais do que externos me agitaram, como à uma água parada e tive que marolar, marolar, até chegar aqui, crespa e instável. Se permaneço neste estado, sinto que preciso revirar, hábito de quem enxergava o copo meio vazio. Hoje meu olho de mártir simplificado enxerga um copo que está meio cheio, o vazio dele é a falta de compreensão de quem anda em volta de mim.
A plenitude de uma felicidade foi habilidade de peão que tive que aprender rapidamente a usar. O montar o touro mais forte que saltar sobre Minotauro e esperando que a porteira se abrisse; tudo que tive que fazer foi benzer-me e cair na sorte.
Meu touro foi mais bravo do que eu supunha, mas a morte não me pegou, muito menos o tombo final. Tive, foi sorte. Caí e me ajeitei, deslizei e voltei ao prumo. Aprendi a jogar, a me fingir de morta e a apertar no lugar certo o lombo da besta. Aprendi que a vida é certinha pra quem sabe ter corpo mole. Enrijeceu, perdeu. Fui adquirindo aquela consistência de molusco por sobre o duro da vida, cai aqui, ajeita ali, e assim, meio encaixa, meio monta. Vida é balanço, é movimento, ganha quem sabe montar.
Hoje sou santa de terreiro, aquela que fala com propriedade o que a vida é. Quem me vê não me conhece; quem fala comigo, não me compreende. Mas tenho o respeito de meia dúzia e quem me vê de longe sabe que não entro em briga, no máximo, aposto, no mínimo, fujo.
Mas há quem diga que sou doce como a pedra azul do fundo do aquário ou ingênua como a menininha sem sapatos que conheci no Bairro Alto quando eu era criança.
Não sou, nem uma coisa nem outra. Sou dura por dentro e por fora, macia, e agora, meio cheia e meio vazia, como o taça que vejo à minha frente, com o perfume da uva tinta que pintou meus ais, ou do vermelho do meu rosto que ruboriza meu passado.
Sou meio cheia de sonhos e meio vazia de dores. Os sonhos, eu alento, as dores, já quase me esqueci. Tenho pena de quem carrega dores; é gente de corcunda baixa e andar arrastado. Gente de dar dó. Eu só inspiro.
Sou serelepe e surpreendentemente ainda criança; aprendo e sei desaprender depressa, ando empinado, sou cheia de esquecer do que me fizeram. O que eu faço, também esqueço, portanto, ando ereto.
Sou como Tiradentes agora, meio mártir na quinta, cheio de dor no sábado, dor de quem morreu por causa alheia, não porque quisesse, mas porque foi obrigado a morrer, para que eu tivesse esse momento interno e profícuo como agora.
Sou como Tiradentes agora, meio mártir na quinta, cheio de dor no sábado, dor de quem morreu por causa alheia, não porque quisesse, mas porque foi obrigado a morrer, para que eu tivesse esse momento interno e profícuo como agora.
Vinho tinto que desce gostoso, uma noite inteirinha pra dormir, feliz, uma paz de quem cumpriu seu deverzinho de viver um dia de cada vez e um desejo de que o mundo não se acabe no sábado e Tiradentes aguente mais um pouco para que eu prolongue meu prazer.
Tiradentes foi necessário nesta noite para mim. Que venham as conspirações! Eu tenho um copo, agora, meio cheio, meio vazio. Mais cheio que vazio. Me basto.
Tiradentes foi necessário nesta noite para mim. Que venham as conspirações! Eu tenho um copo, agora, meio cheio, meio vazio. Mais cheio que vazio. Me basto.
Tiradentes, me desculpe, mas vá morrendo devagar, meio culpado e meio antecipado, e se puder, tenha uma boa noite. E morra todo ano, por favor, com vinho tinto derramado sobre o sábado. Perdão, é a solicitude da vida que vibra e clama; não morro mais por ninguém, e nunca mais, nem mesmo por mim.
E tome vinho!
1 comment:
CECI,
Absolutamente lindo. E olha que eu nem sabia que era feriado ! Muito menos Tiradentes.
Acho que por isso meu dentista marcou hora para amanhã.
E o Marcel, ARRANCOU o siso.
Dentista que sabe das coisas.
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