07 January 2007

VAMOS FALAR DE NÓS

Ainda ontem fiquei sabendo de uma pessoa que escreve para se comunicar com um outro, lançando mão de e-mails ou cartas e bilhetes colocados estrategicamente à frente desse outro por onde ele passe, por simples e pura desculpa que escrever é mais fácil do que falar. Choquei-me em horror.
À falta de coragem ou habilidade para travar um diálogo em patamares civilizados diante de uma crise que surja, e por assim dizer, em níveis decentes de exposição de sentimentos , essas pessoas se utilizam papel de lápis para deitar ali suas idéias mais bem organizadas e assim, tentar, muitas vezes, com êxito, representar suas emoções, pensamentos e sentimentos. Se eu digo aqui, com êxito, quero dizer, que a escrita sobre o papel, depois de raciocinada e revisada, adquire aquela consistência de verdade e coerência que se buscou; o êxito então é inexpugnável.
Quem escreve com a desculpa de não saber falar de si mesmo, passa recibo de incompetente. Incompetência de jogar o jogo das palavras, igual ping pong de afeto: eu jogo a bola, você a recebe, e passa a bola de novo para mim. Escrever é jogar sozinho.
Agradeço a Deus por minha escrita se recusar a realizar a façanha.
Falar é falar e escrever é escrever; esse óbvio ululante é que nos engrandece, habilidades distintas que deveriam se desenvolver conosco, ao longo da vida dentro dessa trabalhosa atividade que é a comunicação.
Embora a comunicação se dê em todos os sentidos da vida, considere que há implícita e explicitamente, a comunicação verbal, a comunicação escrita, a gestual, a comunicação moderna hoje pela mídia e ainda pela telepatia, como querem crer alguns. No entanto, não posso deixar de considerar que as pessoas que se lançam de cartas ou bilhetes a fim de comunicar-se com o outro por pura falta de habilidade pessoal, é finalmente uma pessoa manca. Eu a chamaria de “deficiente” na comunicação.
Se possuímos todas as capacidades, se as desenvolvemos ao longo da vida, uma transmissão de idéias jamais deveria substituir a outra, embora, sejam assistentes entre si.
Falar, debater, discutir, argumentar, é de longe a melhor comunicação humana, visto que o olho no olho e as sensações próximas de calor, suor, um possível arqueamento de sobrancelhas, sorrisos e choro; é aí que a comunicação corporal completa seu mais sofisticado artífice inserido no mundo humano. A fala, que nos diferencia dos animais, suprema e soberana ferramenta, nos põe divinos.
Escrever também é o divino, mas o divino confinado em pasto, pois basta que haja uma página em branco e um objeto de deitar rastros, tinta, giz ou grafite, que nossa comunicação já passou a ser censurada, sujeita a revisão, facilmente artificial. Escrever não é artificial, expor os sentimentos de modo a transmitir idéias é que é. O papel aceita tudo, a voz humana não.
Nunca lhe escreverei um bilhete ou carta sentimental para lhe dizer o quanto sou triste e o quanto estarei descontente com você. Basta que você me olhe, me diga bom dia, as minhas palavras virão como a água liberada da torneira , e você tiver paciência, ao longo do dia, lhe falarei tudo de mim, desde os meus fracassos dos quais me orgulho tanto até dos meus sonhos que já sei que se realizarão. Falarei do que sinto por você, e porque não sinto , mas não me peça que lhe escreva. Isto seria a pedra que segura a porta para que o vento não a tire do lugar. Quando eu lhe falar de mim ou de nós, ou ainda desse planeta velho e sem solução, quero que você me veja articular as palavras, quero que me observe dando a adequada entoação a essa ou aquela expressão mais forte, quero que me descubra por trás da minha ironia e sentimento atravessado. Depois quero que você segure a minha mão e que me diga que entre nós não há mais desvios ou precipícios; que nossa comunicação seja assim, o vagão seguro dentro dos trilhos das nossas emoções. Eu falo, você me ouve, você responde, eu colho de você o fruto da minha explosão.
Deixemos os escritos para o papel do jornal que informa fatos, ou ainda para a poesia ou o lirismo que teima em sair quando não encontra o próximo assim tão próximo para nos ouvir.
O papel, é confidente, nunca foi um objeto de diálogo. É mudo e parco. Pouco demais.
O papel do papel é o de ser receptor, que submisso, aceita o trágico e o cômico, o vil e o fantasioso. O papel é somente o parceiro fiel do escritor que encontra nele a companhia e cumplicidade da aceitação de suas idéias, de seus fardos. É só.
Esse texto que escrevo agora atingirá sua destinação, particular ou em massa. A leitura dele por você ou indiferentemente por outros, me traz a sensação frustrada de que lhe falo através de um vidro herméticamente fechado. Jamais lhe saberei sua reação, suas respostas aos meus estímulos, embora eu esteja aqui torcendo com os dedos em figa para que você me compreenda, comungue comigo e me aceite. Se houver resposta, nem sempre essa resposta virá como desejarei; você também poderá não se pronunciar, ou até mesmo, se pronunciando, não me devolver a conclusão que tanto busco. Meu texto é só uma tentativa, sendo você a minha certeira intenção de troca de calor. Desejo através da escrita, estabelecer consigo uma intimidade, porém, não lhe tendo aqui, me abro em palavras escritas. Contudo, se estamos próximos, desprezo a página e definitivamente, escolho você.
O diálogo, esse sim, é insubstituível. O diálogo é que eu gostaria de ver reinar entre
nós, humanos, como o mais sofisticado item de interação. Saber falar e saber ouvir, ouvir e saber devolver a resposta, essa é a prática que devemos exercer todos os dias, e da qual nunca deveríamos abrir mão.
Deixe para o papel suas reminiscências e histórias.
Olhe para mim e me veja. Fale comigo e me descubra. Fale-me de você e deixe que eu lhe ame. Assim, nos conheceremos mais e mais.
Simples assim; apenas falando. E por falar em simples, quase tudo o que é simples é bom.

1 comment:

Anonymous said...

Aliás, esta é uma atitude comum p/mim.
Será que sou estranha?