28 April 2009

PERDÃO


Perdão, Senhor,

se sou indisciplinada e rude

Se sou maré,

inconstante e caprichosa

quando devia ser lua,

a reguladora pontual da maré.

Perdão, Senhor,

por desejar ser a fruta

e não ser a árvore

e por maximizar os grãos de terra

fazendo deles, montanhas aos meus pés.

Se há perdão, tenho que ser perdoada,

pois o próprio perdão não perdoa,

antes me vinga
e raivosamente, mata.

27 April 2009

SEM AR


O primeiro passo para a discórdia é a má ação
e o segundo passo, se é que há, é a conseguinte palavra
Hoje eu me vejo dentro da discórdia.

Se houvesse palavras duras, eu as compreenderia
e se houvesse as amorosas, as cálidas,
as de boa ventura,
eu também as compreenderia,
com seus motivos interligados às ações.
Mas não houve palavras seguidas da ação.

Neste momento, não estou alegre, nem triste;
estou sem ar.

INSPIRAÇÃO


Visita-me,
toma a minha fronte e me beija

Toma a minha visão
e dê-me planícies,

dê-me montes,

dê-me horizontes de superação.

Apenas não me esqueça,

nem tardes no encontro.

Somos as partes somadas

e quando vier,

me chame de amada

que eu lhe chamarei de inspiração.


PÁSSAROS


Tomemos a iniciativa de nos preparar para o melhor
O mundo é casa e casulo,
se nos desfazemos delas,
se alçamos vôos,
é porque está previsto.
Jamais nos contentemos com a escravidão,
nem com a condição de quarto.
Alcemos vôo,
sejamos pássaros.

18 April 2009

LEITURA DA ALMA


As leituras da alma são assim;
ora prosa louca de cronologia avessa,
ora um pouco de jornalismo,
em sensacionalismo aberto.

A minha alma, quem sabe ler,
lê ao modo de braile;
são tantos pontos iguais,
mas que diversidade!

14 April 2009

BUSCA


Vamos para London, meu bem

Não veremos o Tâmisa,

não veremos o Mercado das Pulgas

não visitaremos as Torres de Londres...

Estaremos visitando nós dois, reciprocamente

cada um buscando no outro o auto-conhecimento
que de um e outro vem com o tempo.

London é só uma cidade,

como o Rio é Rio

e como Tocantins é Tocantins.

Aqui ou ali, o que necessitamos é

fuga breve e busca longa...

London ou Tocantins
serão para nós, o curial terreno.

12 April 2009

DOR


A procissão passou ao meio dia
feito uma serpente insidiosa à minha porta.
As pretas velhas cantavam um tom acima
e o padre se aborrecia.
Já era tarde da noite
e eu fiquei lembrando da cantoria das pretas velhas
do olhar pintado de Jesus,
solavancando sob os braços dos fiéis
e da aberração do povo em contrição.

Já tive fé, mas está escondida
Já tive esperança, trancaram-na
Já tive certezas, sumiram.

A procissão repassa o que eu passei;
as penúrias das estações dolorosas
e em nenhuma delas desisti de mim e suportei.
Agora quem tem o olho pintado
e vive aos solavancos
sou eu, que chora e chora
Mas quem há de explicar a dor?
Quem é santo sentiu dor,
quem é pecador sentiu dor,

A dor deve ser uma coisa muito boa,
se procissão para ela há,
então, dignamente, sintamos dor.

POEMINHA DE COMPARAÇÃO


Minha mãe foi a criatura mais frouxa que já conheci.
Não ralhava, não alterava a voz,
não manifestava dor, não castrava ninguém,
não me obrigou a comer ovo.
Minha mãe não morreu dormindo,
mas bem era a cara dela dormir
para não acordar nunca mais.
Minha mãe não soube viver como eu sei agora;
deve ter entrado no céu e se acomodado por lá,
sem um grito alto.
Deve ter balbuciado assim:
"Que lugar mais fresquinho esse,
bem melhor que Ribeirão!"
O céu e minha mãe devem ser mornos, entretanto
E o que é morno, eu desprezo, minha mãe...
O que eu gosto é de quente fervendo
ou gelo que prega na gente
No mais, eu devia ser como minha mãe;
e se não sou é porque não me mereço.

10 April 2009

POEMINHA COMUM


Alguém aí me lê?
Então já pôde compreender meu estado
de solidão e falta de solidão.
Quem está perto, está longe
e quem está longe, longe foi.


Ninguém me procura
e ninguém sabe mais quem eu sou
Nem eu sei mais de mim,
apenas o conhecimento de algumas digitais
por sobre a cera dos móveis
e três ou quatro fios de cabelo na escova sobre a pia
mostram a minha presença.

Se eu me for, quem finalmente dirá,
"Ela foi santa, serena,
compreendia e realizava coisas ardilosas,
sabia cantar, costurava meias, limpava a prata da casa..."

E se eu não me for,
e ficar aquém das paredes,
de modo invisível e envergonhado,
o que dirão?
Dirão que desisti,
porquanto não fui santa, nem pacífica,
fui má.


O AMOR DA POESIA


Qualquer coisa que eu diga hoje será pouca;
Os móveis respiram, as cortinas estão aliviadas
e eu me coloco em pé em frente à poesia:
que não é minha, mas é como se fosse;
é a única e verdadeira companhia.
Porque os amigos se foram
o amor que me ama está ausente, off
e a poesia...
essa não sabe o que é ir embora,
sempre soube me morar.
Bendita poesia e bendita morada que sou eu;
somos o que as comadres lá de Minas são,
não importa o tempo que faz,
quem morre, quem nasce,
somos só nós.

06 April 2009

A TRISTEZA DE CLARINHA


Clarinha está com uma carinha triste
Clarinha finalmente conheceu o mundo,
seus bichos, suas noites de inverno,
as caras medonhas dos homens à noite
e as caras medonhas dos homens
também quando amanhece.
Soube que os bolinhos de fritar
sofrem quando são fritos,
que os balões de gás da sua infância
deviam berrar quando lhes estufavam,
e Clarinha agora sente medo.
Não tenha mais medo, menina,
porque tudo passa
e o que não passa,
passará, enrodilhado
com aquilo que passou.


Música preferida de Clarinha, que precisa crer no sol e nas tardes preguiçosas de algum Itapoã

04 April 2009

PEDRA E ÁGUA


Gastamos um minuto na interlocução
Eu falei pedra e ele falou água.
O que não soubemos é que a pedra pode represar a água
e que a água pode erodir a pedra.
Ficamos mudos,
e a expectativa de recomeço ficou suspensa no ar.
É que o ar também segura pedra e água,
então, para mim, está tudo certo.