23 June 2010

AO PÓ VOLTAREMOS


Quem sabe fossemos feitos do mesmo sal,
e que fossemos, a um só tempo,
levados para aquilo que chamamos de brancos areais,
que fossemos a duna quente que sustenta a praia
e fossemos a luz que irradia o rio de nós?
Quem sabe fossemos um só, tu e eu,
e que soubessemos nos falar, em uníssono
que o que nos levantou para o destino
nos carregou de força e contrariamente
nos retirou a síntese e nos tornou em pó.

POEMA PARA TUA APATIA


Vem-te as pérolas,
e as pérolas me amassam

Vem-te as correntes

e elas me instigam e passam
Vem-te este meu amor,

o delicado broche dos errados,

e este amor meu te desarma...


Vem-te a minha muita tristeza,

a minha muita alegria,

a minha pouca certeza
e a tua muita apatia.

14 June 2010

CONVITE

Hoje, às 16 horas, no palco principal do Theatro Pedro II, estarei lançando

A CASA DA INSTABILIDADE

Sua presença encherá de luz este dia.

07 June 2010

FELICIDADE É POUCA COISA


O homem morava debaixo da marquise do cinema que não funcionava mais na esquina da Tiradentes com a Marquês de Pombal, mas tinha um asseio! De manhã, pouco depois das cinco, o chafariz da praça larga era banheiro e nesta hora, só passarinho é que disputava a água; tão fresco o ar...
Depois tinha a faxina do quarto; os papelões eram limpos só do lado de cima e lá pelas seis e meia, a única coisa que restara era o saquinho do Super +, repleto de vingança; não é porquê não se tem nada que não se possa produzir a gostosura de se ter lixo: dois envelopes amassados, vazios de figurinhas, um pedaço gordo de bacon que há muito estava passado e um bilhete do metrô rasgado pela metade.
Não que ele se sentisse rico, pobre também não era; tinha um céu de noite e um sol de dia, uma barba por fazer a cada dois anos e os pés calçados com as havaianas, cada pé de uma cor.
Felicidade é pouca coisa, um tantinho de nada, uma poerinha que assenta na cabeça da gente já é motivo para mostrar as gengivas segurando os dentes.
Nessa hora, ter coração que sente é puro delírio de um contentamento são, gratuito e grato.




03 June 2010

A POETA E OS LAMBARIS


Quando eu tinha nove anos,
pesquei noventa e nove lambaris
na represa rasa da fazenda da tia Madalena.
Jamais me esquecerei daquela tarde!
Os lambaris chegaram mortos dentro da cesta,
mas a felicidade que exibi ao mostrar a peixada!
Esse ano mal começou,
e já há tantos lambaris mortos
debaixo dos meu dentes!

LANÇAMENTO DE LIVRO NO THEATRO PEDRO II

02 June 2010

PARADOXO


Eu sou aquela que possui um navio e um porto
- um luxuoso navio de dois convés
e um porto estático de madeira encerada -
mas o quanto me falta!
o azul da colcha do oceano
e uma cabeça de água.

A POETA E O PIMENTÃO


A poeta almoça um pimentão;
ela que conhece este pimentão
mas não o desnuda;
ela que antecipa-lhe a vegetação,
e imatura,
por ter o pimentão dentro de si,
pimentão lhe é,
e pimentão se torna.

01 June 2010

A LEVEZA DA SOLIDÃO - MINI CONTO


Abri a caixinha de plástico amarela e tirei as coisas: um colar de pérolas de três voltas, um bilhete datado de Abril de Armando que me dispensava e uma rosa seca do dia dos meus trinta anos.

No momento que fui enrendar o pescoço em volta do colar, um estampido soou lá fora. Era meio dia e a rua neste momento não fervilhava.
Não tive ânimo para bisbilhotar, o almoço já ia sair, mas a notícia chegou rasteira com os gritos de Joaninha que passaram por debaixo da porta:
"Mataram, dona Nenê, mataram seu Camilo!"

Deu-me uma tristeza de colo, aquela tristeza de segurar o ar, de pensar palavra e reter palavra! Nem bem vi, o colar de três voltas falou por mim: mandou que a rosa ainda mais se secasse e que Camilo subisse depressa para o lugar onde ficam os ares, e que aqui, livre, não precisasse haver mais despedidas.

O que a polícia apurou depois, ficou retido, lívido, num papel verde assinado pelo sargento de bigode.
Bem tarde da noite, quando tudo era silêncio de novo, guardei as coisas de volta dentro da caixinha amarela; o relatório do policial em cima tudo, e pela primeira vez em muitos anos, dormi a noite inteira.