Sempre me lembro da frase de John Masefield em "Um livro de duas espécies: Envelhecendo": Fique comigo, beleza, porque o fogo está morrendo".
Masefield situa o fogo da juventude bem ao lado da força da beleza ; a extinção de um leva ao abandono da outra, que com o fogo do vigor entranha a individualidade da beleza, o diagnóstico de uma felicidade etérea, passageira, fugidia, porém tão desejada.
Escrevo hoje para todas as mulheres, que como eu, estão envelhecendo.
Fique comigo, beleza, porque o fogo está morrendo... e morrendo está o fogo que nunca jurou ser fátuo, o fogo alto, combustado de duplas cores, ora o vermelho apaixonado, ora o azul belo, sensual, carnal, da velhice afastado...
Fique comigo, beleza... porque me morre a pele acentinada, me morre o canto dos olhos que eu pintava de preto e de dourado, me morre o bater dos cílios grossos, da pintura de Cleópatra na cara... Fique comigo, beleza... porque me morrem os brilhos dos cabelos, os fios esticados dos rabos de cavalo, pura crina e puro chiado quando eu os jogava para cima e para baixo...
Fique comigo, beleza, porque o fogo está morrendo, e se morrendo se extingue, de que modo andará a minha cara marcada? Dentro do livro de um neto, marcado para marcar página? Está morrendo, beleza... então fica ao meu lado... tinge de negro meus atuais fios finos de tão alvos, sobrancelhas deformadas, nariz adunco que o chão encara, pernas de manchas várias.... fica comigo, beleza, porque o fogo está morrendo... não morra mais do que o fogo que já me morre mais do que a graça.
Uma mulher sem o viço da beleza apenas possui duas personalidades: uma é o benfeitor espelho verde dos anos passados e outra é o delator do espelho negro do murchado.
Assim, fique comigo beleza, porque o fogo está morrendo... e não me venha, beleza, falar-me da sabedoria dos anos que o fogo quase extinto deixou-me por legado... fique comigo, beleza, que sabedoria da pele fresca é a melhor de todas as sabedorias: ao mesmo tempo que não ensina, nos exata.
Fique comigo, para que o pouco fogo que ainda vive nunca se apague, e para que dentro dos nossos olhos ainda brilhe aquela faísca erótica de asseio e plástica.
A despeito de minha inteligência, desta minha bravura, das tempestades enfrentadas em meio aos filhos hoje adultos que alimentei, das intermináveis jornadas, das mesas postas às moles papas, do colo quente às sexuais noites selvagens, é ainda o fogo significativo da beleza o que me faz olhar para trás e me faz orgulhar das minhas pegadas...que vá o fogo frágil, mas fique comigo, perseguida beleza ... até que a vida se acabe.