Manual de sobrevivência para quem precisa viver:
Viva bem devagarinho
e se possível, deixe para viver de verdade depois de amanhã
Para o dia de hoje e para quando amanhecer o novo dia
finja-se de morto
e adquira um plasma na carne
que lhe dê um aspecto de quem já foi
quando ainda nem fomos
e achamos que não estamos...
(é melhor quando dormindo,
portanto, se precisar,
durma e não acorde
até que o depois de amanhã
finalmente se apresente).
Porque ainda será necessário respirar,
tente respirar com muito ruído
alargando as narinas,
de modo a forçar o peito entristecido
Se o peito doer mais do que a dor
que se quer esquecer
é sinal que há progresso na substituição da dor
e que possível cura virá.
Depois, evite a todo custo o respeito por si próprio,
O respeito nessa hora só nos dá mais razão no sofrimento
(Quando temos respeito por nós mesmos, exigimos justiça,
e como não há justiça para quem sofre,
elimine essa parte e chore com dó).
Se sentir precisão de alguma comunicação,
abra um diário de folhas brancas e pautadas
e se for possível, num caderno novo.
Evite datas,
essas somente atraem atrasos biológicos
e nos adiantam que a vida está correndo depressa demais
e a gente perdendo a corrida desde a largada
Escreva com letra bem miúda aquilo que lhe parte em dois
e desenhe os fantasmas que lhe apavoram
e que lhe sussurram medos inomináveis do futuro
com as cores mais loucas do seu imaginário;
verde febril e rosa borbotão
serão o mínimo para regozijar o pânico
e retardar o siso.
Depois vá tomar chuva, se houver chuva
ou vá tomar sol, se ele não se exterminar
Pois que não há nada com que lutar
se há uma desperança instalada
um grito rebelde na garganta
ou um abismo cego que se precisa saltar
É deixar rolar
para que eles nos vençam,
e que no fim descobriremos, convictos,
que neste entrave, em tempo prorrogado,
não houve vencedor.
E, se por fim, sua vida ainda precisar ser vivida
Consoante as dores de cravo que lhe enfiaram nos pés
e as dúvidas controvertidas acerca da imperfeição ,
Poste-se como a estátua de Drummond em meio à praça,
sentada com conforto, imóvel,
(Não há vento que a derrube, nem sol que lhe amoleça a fronte)
E deixe-se ficar como sustentação de algum passarinho solitário
que sem esperança, nem destino planejado
ali sentou-se para apreciar um extrato da vida.
A vida é isso, meu amigo,
Um momento de distração, uma pausa, um vôo.
Nenhuma razão para que não a deseje
e que a sobreviva...