30 May 2007

AOS AUSENTES E INSENSÍVEIS


Que me julguem os ausentes e os insensíveis
Mas hoje, deixei cortarem-me os cabelos
Os que não me viram, os ausentes,
Não emudeceram, como eu,
Quando os fios cortados caíram
Pelo chão, angustiados,
E se juntaram todos, solidários
Pela prancha monótona desta minha vida.
Senti-me despertar de um longo sonho escuro
Depois dos fios aparados
Havia um conformismo austero em mim
Na época que os meus cabelos
Desejavam estar abaixo do meu ombro
E escondiam esse ombro, que já está cansado,
Cansado de dançar a tirolesa
E de enfeitar gaiola vazia de pavão.
Os ausentes e insensíveis nada sabem de mim
Tampouco sei eu
Só sei que tinha os cabelos aventados,
Maliciosos, sem noção
E era bom,
Pelo menos me ajudaram a distrair o tempo
Contando os fios, vagarosamente
Em inglês, “countable, non-countable”
Até perder a conta e começar de novo
Countable, um, non-countable, zero

Os ausentes e insensíveis nada notarão
Nem se surpreenderão com o meu ar mais moço
E mais revigorado,
Quando me encontrarem novamente,
(Se me encontrarem novamente,
Se eu permitir que me encontrem novamente
Depois deste ato sujo e covarde de permanecerem ausentes
De serem insensivelmente, ausentes)
Pode ser que balancem as cabeças
E numa possível indagação
Dispararem, insensivelmente,
"Ceci, para onde foi que você mudou? "

E a você, que rói seus dentes com pouca curiosidade
E deseja saber para onde me mudei;
Estou cá, quietinha e abismada
Dentro da gaiola do pavão.


27 May 2007

POEMA DO ACORDAR


Quem me dera acordar sempre como acordei agora
Não teve sol, mas quem busca o sol?
Nem teve o calor artístico de sempre que abafa a vida
Mas quem deveria buscar o calor que abrasa e tira-me o ar?
O que tive
E o que doravante perseguirei
É a voz da poesia me chamando de santa
E exorcizando-me de monstros
Uma poesia que se julga suave
E que me envereda por esse caminho que eu acabei de criar
Um meio sorriso, uma leseira esticada
E uma única e incisiva certeza
Acordei, não obstante o sol e calor,
Quero-me grata hoje
Reverenciando o tudo
Porque se existe o tudo
Esse já foi plantado em mim
E agora que acordo, eu colho.

26 May 2007

DESEJA-ME VIDA


Se tu me amas verdadeiramente, deseja-me vida
Se me queres bem, como o trigo quer bem o sol
E as cotovias desejam o benefício
De um pouso seguro após um vôo tenso e distante
Deseja-me que eu tenha um ânimo
Férreo, como os que têm os camponeses
O vigor que ostentam
E finalmente as palavras
Que saem da boca dos santos de armário
Ah, essas palavras
Ditas sussurradas e meio caladas
Que tingem meu céu da boca de um azul
Tão natural como o diáfano
E que põem-me o gosto dulcicado do passado
Deseja-me então que eu sonhe
Que eu me descubra ainda possuidora de delírios
E de artigos de luxo, como prospectos de planos.
Portanto, se tu me amas
Deseja-me que eu sonhe em vida,
Mas mesmo que sonhando,
Aquele abstrato pedaço de magia
Que eu me ache em sonho,
Mas que eu viva.

21 May 2007

POEMA DO PRANTO DE SAL


Tento justificar um pranto que não aflora mais
Será que foi porque a cotovia não voou
Ou por que o sol de hoje meteu as caras à hora que eu dormia?
Choro é sal
Meu sal da terra está assoberbado
Porque se chorei por décadas,
Por vidas de agora
E todas as vidas passadas
Há que se trazer agora o refrigério
Não choro mais,
Nem sal, nem luz
Nem o vinagre que me impuseram quando eu fui feliz


20 May 2007

POEMA DO DEIXAR PARA TRÁS


Teus olhos minguaram-se diante de mim
Eram só um caldo verde português
Insípido e ralo
Que não me agradou mais
Fecho meus olhos sobre ti
Tenho dúvidas e apelo
Para o que mais me dá desânimo e parto
Sou pomba rola
E tu,
Tu foste o único filho que tive e que me rejeitou
Tu foste a poesia minha,
Desesperada quando eu a queria
E terna quando eu a tinha
Mas minguaste,
Eu mesma te impedia
De ser a escassez da minha poesia
E dos teus sonhos interrogativos e imensos
Lutei e arrebentei-te as pedras
A fim de que tivesses mais espaço
Minguaste assim mesmo;
E ficou em mim
A fonte da água viva que nunca mingua
Essa poesia triste de quem se sabe só
Mas mina,
Em mim
Em ti, não mais.

18 May 2007

LÁZARO E O MISTÉRIO


Foi-se,
Não como viveu;
Estapafúrdias de meia em meia hora
Mas foi-se
Não como quis,
Mas como prometeu
Primeiro, uma cara azeda
Uma ironia já não tão fina como antes
E o pavor estampado diante do mistério
Foi-se,
E levou consigo,
O mistério.



16 May 2007

RECUERDOS


Hoje eu abri a caixa de recuerdos
Não lhe encontrei mais
A traça lhe comeu
Ou foi o tempo que lhe levou?
Nem traça sobrou
E o tempo,
Esse imensurável curador
Ja lhe mandou adios, portanto
Fecho-lhe de novo,
Fecho-lhe sob a caixa,
E fora dela
Fecho-lhe bem,
Fechei-me bem também,
E nem me zango.

14 May 2007

POEMA DO AMOR PERFEITINHO


O amor perfeitinho que eu buscava
Tinha que ser assim
Uma caneca de café à hora que meu sorriso primeiro se doasse
Na fresca e quieta hora da perfeita madrugada
Uns véus de seda e linho quando eu me achasse mais despudorada
E por baixo, nada,
Um perfume que se me jogasse nos cabelos
E no descidão do liso do meu colo
Feito montanha que releva a forma
E umas palavrinhas baixas,
Calor interno que contraste com o frio desse Maio
Uns banhos de banheira negra espumada
Um par de braços que abrace e não aperte
Um jogo de pernas que segure e não engate
Uma cabeça aérea, como a minha
Que não me esqueça
E só me guarde.

POEMA DO TALVEZ


Talvez seja às oito da manhã
Ou talvez às duas da madrugada
Quando eu estiver acordada
Tentando ouvir a fuzarca que o vento faz
Quando quer arrebentar o toldo da janela
Talvez seja azul
Ou o verde claro da garrafa
Verde que agarro como se fosse meu sono
E que mantenho junto de mim
Para desencantar a cor esmaecida que puseram aqui
Talvez seja um sonho
Pequenino e descrente,
Ou talvez seja um pensamento que tive
E nele cri
Talvez seja um nada
Onde depositei um monte de luzes de natal.

Mas mesmo no talvez,
Mesmo na ponta da dúvida
Ainda vibro e subo
Para a superfície
Nessa torcida louca,
Nessa torcida de quem deseja a coroação da vitória
De quem conhece o zero
E persegue os louros.

Quem desceu aos umbrais,
Sabe das sombras
Quem subiu aos céus
Sabe do vôo
Eu quero a única chance de agarrar
A dúvida do azul
E o verde permanente do horizonte
Talvez não seja o horizonte
Nem verde, nem assombreado,
Talvez seja o meu íntimo que ficou assim,
Aparvalhado.

O DITO CONTRADITO DO AMOR


Fiz e refiz aquele caminho mais de cem vezes
Eu era uma mulher contida
Minhas palavras queriam ser duras e irreais
Mas só saia assobio e só saia choro
Porque estavam desconsoantes com meu viver
Agora assobio chumbinho
E gargalho sal
Tenho têmpera de caçador
E não ligo a mínima para quem me quer mal
Os caminhos que eu descubro agora
Todos, estou abrindo à custa do meu suor
Hoje eu sei que sou metade visgo de pele
E metade pudor
Metade serena
E na outra metade, o pavor
Aceite-me como eu sou
Não como eu fora, outrora,
Mas agora,
O dito contradito do amor.

12 May 2007

CONFISSÃO


Tem duas coisas que adoro fazer
E que compensam uma vida
Uma é sentir tudo o que posso ver;
Ver a barata correr, morta de medo de mim
Sentir que quando há chuva,
A chuva molha e me faz ficar molinha,
Querendo cama
E tomar chá de erva cidreira naquele pote verde
Que guardo para dias que penso, são especiais
Depois pentear meus cabelos
Jogando os fios para o leste e para o oeste
Imaginando que o pente é o vento do deserto
Que não deixa coisa alguma em seu lugar;
E escrever
O filme curta que passa em mim
De minuto em minuto;
Nem bem termina uma sessão
Começa outra
Com meus sentimentos à beira da minha pele
Observando tudo,
Através dos meus olhos de gueixa japonesa
Perfumada e paramentada de amor
- Amor por mim e pela poesia
Que tudo dá -;
Barata dá poesia;
E meus cabelos são a poesia em mim.


CORAÇÃO TRINCO TRANCADO


Se o trinco está trancado
Arrombe
E se meu coração estiver fechado
Por causa dos arrepios que sofri
E dos tremores que já senti
Arrombe-o também
Não há tristeza que não se apague
Nem angústia que não feneça
Estou no entre e o finalmente das coisas
Uma hora lá e outra hora cá
Mas se há um trinco
É porque pode ser arrombado
E se ainda há um coração
Mesmo que fechado
É porque um dia ele se trancafiou
Quando estava alvoroçado de pavor
Quero te dizer, contudo
Ele deseja o precipício do passo
Ele deseja o vôo livre dos gliders
Ele deseja o sopro,
O lance, num azul ainda que impossível
No espaço.

07 May 2007

VOCÊ É FELIZ?


Vem ser feliz ,
Se não comigo,
Para uma felicidade pra lá de conquistada
Onde a gente coloca pingos nos "i"s
Abre um travessão
Fala uma frase duvidosa
Dá uma banana solene para quem está ao lado
E morre de tanto dar risada.

THE END


Fico cansada às vezes do seu otimismo
Seu otimismo é um filme americano previsível
Que todos os dias diz a mesma coisa
Seu filme é um longa metragem que nunca traz The End;
Meu filme não é filme
É uma historinha que contaram para mim
E começa com The End, se enreda de The End
E finalmente no The End,
A fita acaba,
E aí, começa tudo outra vez,
The End, The End, The End.

CHORO


Choro, porque te penso
E choro, por não mais pensar-te
Choro tudo que é plausível chorar
Choro-me, porque fiquei
Choro-te, porque te vais
Choro-nos, porque não fomos
E não somos
Choro-te mais ainda,
Porque nunca mais serás.

POEMA DO PAR


Você é a piscina
Eu sou o mergulho
Tremendo impacto de susto no roubo do ar
O bater no fundo, o subir sufocado
Dentro do seu prisma azul esverdeado
Que imita o mar
Você é o tanque de peixes
Que o chinês cultiva
Eu sou o colorido que passa e se traduz
Em leveza de arrepios
Dentro do seu mundo
De cores multiformes
Que habita o mar
Você é a linha reta
O saber conciso
O articular quieto das coisas
Cada uma em seu lugar
Eu sou o liquidificar das linhas
O enrolar, o emaranhar
Do mar, quando eu quis ser mar
Você é dia
Luz que incide e irradia
Eu sou a noite, tensa e cautelosa,
Sonho emendedado ao sonho do seu sonho
Completo no seu projeto;
Você é o inteiro,
Eu sou seu par.


05 May 2007

CONFIAR EM ALGUÉM


Para confiar em alguém, bem confiado
Primeiro tapa seus ouvidos com algodão feito de aço
Veda seus olhos com tela de mosquiteiro
Sela a sua boca com cola de marceneiro
E vigia,
Noite e dia,
Não dorme e não cochila
Confiar em alguém é como
Abrir a porteira do curral no pasto
Foi-se um,
Foram-se todos
E o seu tesouro,
Aquele que você guardava com cuidado
Foi-se embora, no primeiro tombo.

04 May 2007

BOM DIA NO MUNDO CORPORATIVO


Quando eu vivia naquela felicidade de dar nó em doido
Tomava chuva num dia e no outro também
E nunca dava um espirro sequer
Podia ventar os ares gelados de geladeira aberta
Ou cair um granizo feito chuva de arroz em casamento de pobre
Que a minha vida seguia o mesmo rumo que seguem os pássaros migratórios
Tão certa, que bússola nenhuma tinha função

Depois que entrei no hemisfério corporativo dos homens
E deixei de viver as tônicas da poesia e meditação,
Deixei de me alimentar da solidão do espelho
E das confissões espontâneas da alma,
Nunca recebi tanto "bom dia"

De tanto "bom dia" e cafezinho preto descartável
Engripei, adoeci, vulnerei-me
Chego à conclusão
Que bom dia era quando eu vivia pra mim mesma
Voltada para o que é exato e missionário

Eu resido fora do mundo
E se alguém me enxerga aqui
É ilusão de ótica, é miragem da febre dos desertos
Estou por um pouco só,
Devaneio-me em sonhos
De desejar bom dia pra mim mesma.

01 May 2007

JÁ FUI


Porque estou indo embora
Deixo-lhe um spectrum de mim
Aquele coraçãozinho vitrificado e agora,
Desparelhado
Uma voz cantando pra ninguém
Um sorriso de longe quando eu estava feliz
E só duas palavras
Estas palavras que batem triste, inconformadas
Junto com os batimentos do meu ser
" Já fui ".