28 April 2008

NA BRANCURA DE MARINALVA


Depois que cheguei em casa, na hora da janta, Marinalva resolveu abrir o berreiro. Falou que não tinha isso, não tinha aquilo, eu só fiquei na espera da parada dela para eu resmungar. Depois de boa meia hora, a Lurdes já tinha até trazido o café, ela parou.

- De necessidade, também tenho eu, Marinalva.

- De necessidade temos tudo, pai. Até calcinha faltando elástico a gente tá usando.

Olhei para Lurdes, ela encostada no fogão, os olhos vermelhos, mas sem falar nada.

- Tá faltando, ô Lurdes, elástico pra calcinha?

Ela não disse nem que sim, nem que não. Lurdes era uma mulher de palavras guardadas, se tivesse que falar, falava de um jato, e com pouca coisa já comunicava. Marinalva é que era um diabo de maledicente. Se tinha um doce, queria comer a jaca que não tinha.

- Quanto precisa prá comprar elástico, Marinalva?
Eu falava com paciência com a menina, sempre gostei de filha mulher; é que eu achava que mulher tinha um pouco do demônio que a terra dá, e demônio quando é bom, fica melhor que santo.

- Precisa de tudo novo, pai! Tudo!

- Mas que é que isso que está acontecendo aqui em casa? Teve enchente, que não tô sabendo? Ou queimaram tudo quando eu tava fora?

- Pai, cê não entende, uma moça não pode passar sem as coisas...

Sabia que eu não entendia. Lurdes, mesmo quando novinha, nunca me pediu um grampo, uma flor para por no cabelo. Trazia sempre o vestidinho lavado, a carinha limpa, os olhinhos mais brilhantes que a cera do vermelhão. Os únicos presentes que dei à Lurdes foi um rodo de plástico que estava empilhado em oferta no mercado; ela me pediu sem me pedir, olhou para o rodo e olhou para mim, eu entendi o recado. Outro presente foi uma colcha de cama de flor desbotada, que tinha vermelho nas flores e das folhas, tinha um verde meio de barro, que ela até hoje estende sobre a cama. O representante das lojas Veraneio veio aqui oferecer, Lurdes falou que era para ele voltar de noite. Sem as palavras de Lurdes e com o turbilhão de palavras do representante, comprei a colcha em seis prestações, que acabei pagando no banco da vila todo dia seis. As crianças nasceram, vomitaram, mijaram e cagaram por cima da colcha, Lurdes nunca se importou. Lavava, botava na corda, tava sempre nova.

O mais velho dos meninos, Alcino, também cresceu sem que precisasse de nada. Menino de coração calado esse, puxou à mãe, jurava que tudo dava, e o menor, Gilson, herdou o que tinha sido do irmão. Marinalva é que saiu espevitada e cheia de querer.

- Pai, sabia que na escola todo mundo repara em mim?

As lágrimas caíam, soltas, e encharcavam o vestido. Fiquei olhando o quanto de água saía daquela cara, e me perguntava se ainda haveria mais para cair.

- Lurdes, vem cá.

A mulher foi se chegando, as mãos apertando o vestido, e no rosto uma espécie de esperança de que a filha fosse ganhar o mundo.

- Isso tem senso?

Ela continuou muda.

- Fala, Lurdes, desembucha!!!

- A menina precisa de coisas, Telvino...

- Que coisas, minha gente??? Que coisas???

Saí andando pela sala com as mãos em cima da testa, dor no peito de impotência e de falta de resolução.

- Coisa de mulher, ué.

- E tu, por caso, é o quê? Durmo com homem? Casei com homem? Cê tem o que tem pra vestir, e tem o que tem para viver, igual Marinalva!

- A menina é vaidosa, Telvino, e tamos noutros tempos...

Marinalva agora tinha estancado o choro e foi se colocar onde a mãe estivera, no segundo plano, assistindo a cena, como se ajudasse a mãe, que precisaria de ter seu aparte.

- Tá faltando comida aqui, Lurdes?

- Tá não, Telvino.

- E água pra tomar banho, tá faltando?

- Tá não.

- Tem sabão e papel pras necessidades?

- Tem, sim.

- Então acabou! Um homem se mata de trabalhar de quando o sol nasce até que some para sustentar a familia e agora, tem que ter reclamação?

Choro compulsivo que vem do fogão, é Marinalva de novo que abriu o chororô.

- Santa Mãe de Deus, criatura.... mas o que é que te falta???

- Falta tudo, pai...

Senti uma tristeza de não passar nem com pinga. Me lembrei nessa hora das mulheres bonitas que às vezes eu via quando eu saía da vila, eram enfeitadas de tirar o ar, perfumadas, uns ouros faiscando, uns cabelos macios de ouro também sob o sol. As que tinham um pouco menos de recato, rebolavam, fogosas, pra dentro das saias, e os saltos fininhos dos sapatos batiam na calçada na base da intenção, girando a cabeça da homarada. A gente olhava aquilo e ficava virado.. ninguém é que falava nada na horinha, só contemplava a manada passando... Muitas vezes elas passavam de duas em duas, cochichando, outras vezes em grupinhos, as boquinhas rindo, vermelhas, igualmente ignorando a gente, e que a gente também nem ligava. As nossas partes de baixo esquentavam, era um tal de nego se coçar dali e se coçar daqui...

Falei sem pensar:

- Não quero você de mulher de desfrute, Marinalva!

- Pai!!!!!! Ela arregalou os dois olhos.

Já tinha falado, então reafirmei:

- Mas é o que é.

Marinalva ia fazer dezessete anos no mês que vem. Todos os anos do aniversário da filha, Lurdes fazia um bolo de fubá com queijo dentro e fazia também a torta de carne moída, que ela servia de noite, na hora das visitas, pra comadragem, cortada em tirinhas. Pra beber, era sempre o refresco de saquinho que eu pegava no bar. Agora a menina ia fazer dezessete anos e tudo estava fora dos conformes

Não falei mais nada. A minha dor de cabra macho que sustenta a família sem covardia agora me pareceu que não valeu de nada. Olhei pro rosto branco de Marinalva e para a cara de descorsoada da Lurdes , saí e bati a porta com força.

A rua estava silenciosa e só os cachorros do seu Bardo latiram quando eu passei.

- Merda de cachorro lazarento, cala a boca!

Desci a rua poeirenta, vi o bar do Mauro já aceso e com as mesinhas do lado de fora.

Rumei pra lá com a confiança que seria ali o meu alentamento.

- Boa noite, Mauro, solta uma aí.

O bar vazio também, só a televisão berrando num canal de filme de tiro.

- Cabeça quente, cumpradre?

Mauro era o aliado maior da vila, chorava, ria, torcia pelo time que nem tinha, só pra ganhar a confiança do bebedor da hora; não precisava de nada e ele já vinha tirando as conclusões.

- Tão quente que precisa de álcool.

Nessa meia palavra Mauro entendeu de um tudo, tanto que ficou parado, olhando a rua também.

Depois coçou a cabeça com as duas mãos em cima no cocoruto, mostrando as axilas de cheiro podre, contornadas pela regata branca e suja nas beiradas.

- Vai comer o quê?

- Nada, cumpradre, já jantei, obrigado.

Trouxe o copinho baixo, assentou por sobre a mesa sem toalha, e voltou para o balcão, meio esperando que eu lhe desse uma confiança de última hora.

Fiquei ali observando o vazio da passagem e a falta do dinheiro que agora fazia falta. Marinalva era uma menina bonita, de pernas grossas, o sorriso branquinho, que não tinha nenhuma falha. Quando ela nasceu, até pensei que fosse corneagem da mulher. Não tinha o ar do outro mais velho e nem a nossa cor. Era branquela e esguia, no daí que nasceu, tive a idéia de por o nome de Marinalva, que a gente ja sabia que alva significava branca demais.

Quando a mulher saía com menina no colo, era uma baita vaidade em mim, com pinta de criança rica, mesmo que envolta nos panos que a gente arranjava.

A rua continuava seca, parada... Mauro agora estava se distraindo com a tiraiada da televisão que matava mil.

Marinalva merecia o melhor que eu podia dar e que Lurdes nunca me inspirou.
Lurdes era uma mulher de fora da vila que eu trouxe debaixo do braço quando arrumei serviço nestas paradas. Era um pouco mais que uma criança de nove irmãos, e quando eu a vi pela primeira vez, os pés estavam sujinhos da poeira do chão, barrigudinha. A família deu graças a Deus que eu tirei um de lá.

Depois que veio para cá, encorpou, deixou o cabelo bater na cintura, criou uma cor. Ficou boa prá de dia, e boa prá de noite. Mas nunca conheceu aquilo que um homem via na hora da parada do serviço fora da vila, que era quando as moças bonitas feito potrancas passavam e lascavam os perfumes bons delas por cima da gente. Do que a gente não conhece, a gente não tem vontade.

Marinalva era mesmo diferente, uma menina que já era mulher, mais preparada, já mais sabedora do mundo. Até inglês a bicha tava querendo falar, a escola pobre daqui não tem de um nada, mas ela ia atrás de tudo que era novidade que saía na revista, rádio ou televisão. Às vezes eu chegava em casa e encontrava a mãe e a filha de risadinhas por trás das portas. Era decerto revista que Marinalva trazia e que Lurdes olhava, agradada. Marinalva tinha que explicar tudinho à mãe, corrigia a fala dela sem dó; Lurdes só ria.

Minha merda de vida não tinha nem revista nem risadinha, é um serviço bruto, que não pergunta nem responde, lanha.

Também queria coisas, também conheço o que o mundo tem de bom e que Marinalva desconfia. Também queria pegar uma mulher de salto, dar uma cheirada no cangote dela, levá-la para beber um do mais refinado, um conhaque de garrafa, soltar meus buchos em cima daquela macieza...

Marinalva me vem à cabeça... Dava de um tudo para dar para ela o que nunca me dei para mim.

Quando a gente nasce grosso e cresce bruto, a gente sabe que não é preciso ser assim, mas esquece, vai tocando a vida, vai tomando as pingas de rebote... só que de repente, a gente desperta. Os bacanas passam assoviando, a gente come a poeira deles e ainda tem que achar que já tá bom.

- Boa noite. Vê uma carteira de Royal.

Mauro desgrudou a pança gorda e se virou para pegar o maço de cigarros.

Virei meu rosto na direção da voz modulada que pedia com educação. Era um janota de jaqueta de couro e óculos escuros por cima da cabeça. Tinha também umas correntes de ouro que faziam de pulseira, coisa de mulherzinha.

Abriu a carteira de couro claro, saltou nota alta para lá e pra cá.

Mauro abriu um sorriso fedorento e falso, parecia que nunca tinha visto dinheiro na vida, babou-se todo por cima do mijadinho.

- Quer café, conhaque?

- Um café, se faz favor. É passado agora?

- Agorinha.

Abaixei minha mão até o bolso da minha calça para sentir o pesado da navalha que sempre carrego comigo. A lâmina estava fria de tão nervosa.

O rosto de Marinalva apareceu à minha frente, branco, branco, com aquele choro que falava "tudo, pai!" Depois vi o desfile da mulherada vadia que passava em cima de mim, os decotes bem baixos, as risadas de batom vermelho... "Tudo, pai! ".

Foi sangue na pança do boiola e sangue nas costas gorduchas do Mauro que pulou por cima do balcão para socorrer o frangote.

A carteira de couro claro, grossa de dinheiro, veio por cima de mim, com os vestidos finos de Marinalva, os sapatos lustrosos de Marinalva, os dentes brancos de Marinalva...

" Tudo, pai, tudo pai!" ... a minha vista escureceu de repente, senti um sangue morno e viscoso descer da minha garganta... "tudo, pai!" "tudo..." ... e ja não tinha mais nada, só a brancura da pele suplicante e fresca de Marinalva.







27 April 2008

É PRECISO MATAR CLARICE


Daqui, onde estou sentado, vejo-a preparar o almoço. Tem um corpo leve, fino, os ombros estão descansados. Anda como se pensasse que estivesse sozinha, e olha sempre para o chão procurando alguma imundície enquanto se movimenta. Imagino o que vá fazer com o tomate. O barulho da torneira da pia é infernal para mim; ela lava e relava esse tomate como se ele devesse tomar um banho dos humanos; acho um exagero a forma como ela se dedica às coisas, esse jeito profissional de cuidar de algo simples, como varrer a casa.

Passou por aqui agora há pouco e me deu um sorrisinho de quem sabia que eu a ignoro. Eu tento também me concentrar no dia frio lá fora, penso no livro que precisarei escrever até o final do ano, as minhas idéias todas se embaralham quando chego no destino que darei às personagens.

Ela passou de novo e levantou a cortina da sala com a energia de quem tem só meio dia para resolver uma vida inteira.

- Quer café?

- Não, obrigado, vai me tirar a fome.

- Hum... quer refresco?

- Nao, não, obrigado, vai me tirar a fome.

Pronto, já voltou para a reunião das panelas.

Sinto um cheiro de alguma coisa cozinhando em panela aberta, suponho que deva estar jogando pitadas de sal e se ruborizando, enquanto prova a comida com a mesma colher que vai novamente enfiar no molho.

Que destino eu daria à minha personagem Clarice? Se mato alguém como Clarice, mato meu fio condutor da história, e se não a mato, o que faço com as vaidades dela, aquela arrogância de madame Bovary, aqueles ares aristocráticos que nem a mim atraem? Quem queria ficar com Clarice?

- O almoço sai em 15 minutos.

- Hum... falo, assentando com a cabeça. Por 15 minutos darei à minha personagem um destino decente... viajar para Estocolmo... hum... talvez encontrasse alguém em Estocolmo, alguém como ela, um aristrocrata falido, cheio de ares, cheio de ...

- Que tal uma caipirinha, antes do almoço?

- Não, obrigado, vai me tirar a fome....

- Tudo lhe tira a fome? Está com tanta fome assim? Porque não tomou o café da manhã direito? Porque não se cuida? Porque não faz como todo mundo, levanta-se toma café com leite, pão, manteiga, alguma fruta, quem sabe uma granola...

- Hã, hã...
Estou com os olhos grudados no papel, meus ouvidos estão se rebelando, eu eu preciso me controlar. Ah, sim, Clarice... está meio velha demais para se aventurar com moços de Estocolmo, teria que ser um velhote aristocrata, desses que...

- Depois acho que você devia ir ao médico e rever suas taxas, esse tempo que passa em cima desse livro é muito desgastante, não tem hora, não tem disciplina, não se exercita...

Levanto de onde estou com dificuldade, minhas pernas tremem de emotividade; alguém como ela para me enxovalhar antes do almoço, me encher das regras alheias, me vasculhar e me interroper o pensamento. Logo agora que eu deveria achar um destino para Clarice.... Pode ser que o velhote seja um sádico, que tenha prazer em enxovalhar Clarice e ela, por sua vez...

- ... Tenho falado com Dr. Pretzel sobre você... uma pessoa sedentária.
S-E-D-E-N-T-Á-R-I-A. Quando fez sua caminhada pela última vez? Acho que foi no ano passado, quando fomos ver se tinha limão no terreno debaixo. Quando usou a esteira que está aqui, criando pó??? Você é um impulsivo, comprou a esteira e nem teve a curiosidade de saber se é 110 ou 220. Se não fosse eu a colocar para funcionar de vez em quando....

Faço menção de ir ao banheiro, ela me corta a passagem.

- E depois, tem a bebidinha da noite, não é? Se o sono não vem, é a bebidinha que resolve o sono. Você acha isso certo?

Exibo um sorriso cortês. Arrisco:

- Vamos almoçar, meu bem?
Ela vai à frente, ainda está falando sem respirar. Penso em Clarice, falando também com o recém entrado no livro, cheio de aristocracias, mas no fundinho, um sujeito estranho, com desvios. Clarice no primeiro encontro já pode ir se justificando por ser tão..., tão o quê? ah... tão perfeita e nem escondendo que pensa que é perfeita... o recém chegado fica como eu assim, embasbacado diante de tanta palavra mal colocada em hora mais imprópria ainda... Já sei, estarão num vagão de trem...

- Quer carne?

- Ah?

- Carne, carne!!! Ela está um pouco mais nervosa.

- Ah, quero, sim... meu sorrisinho de plantão se abre de novo, não gosto de contrariá-la, ela me mandaria para o inferno em poucos segundos.

- É carne de porco, meu bem... Está um pouco dura, precisei fazer fora da pressão, a panela que eu usava se acabou, caiu cabo, a borracha arrebentou... bem que pensei que você fosse me trazer uma nova quando saiu na sexta feira, deixei dois bilhetinhos para você, um no banheiro e outro na sua carteira.

- Ah, sim... me desculpe. Quando cheguei à cidade, esqueci completamente, não usei a carteira, foi isso.

- Não acha que está se desviando da vida comum e se tornando uma pessoa anti-social?

- Anti-social???? Porque não comprei uma panela de pressão?

- Lógico, a pessoa vai vivendo uma realidade irreal, sabe? Como a do seu livro.. então perde o controle da vida prática...

De onde ela tirou isso, nem imagino. Acho melhor sorrir de novo.

Ela já fez meu prato, dispôs a carne de porco, arroz e os tomates torturados e lavados, numa pirâmede disforme. Não gosto que façam meu prato; ela tem adoração por isso, acha que está cuidando de mim quando amontoa tudo numa disposição de lugares que eu jamais faria.

- Pessoas anti-sociais não falam às refeições.

Aí é que emudeço e fico olhando bem alguns longos segundos para o rosto dela, tentando compreender algum traço da piada. Ela está contrita e dura.

- E normalmente não falam depois das refeições também, só dizem bom dia, boa tarde e boa noite.

Penso em Clarice novamente, em Estocolmo, falando assim com o recém chegado aristrocrata da história. O que diria ele? Se é um aristrocrata, jamais cometeria uma deselegância...

- Escutou?

Pulo de medo.

- O quê?

- O que eu falei.

- Sei.

- Sei o quê?

- Que você está certa.

Pego a faca e o garfo com decisão e agora destrincho a carne dura do que foi um porco um dia com a selvageria dos aborígenes. Mato ali mesmo Clarice, tiro-lhe os buchos de fora, arranco-lhe febrilmente os olhos arregalados, o aristrocrata bobo se remexe de tanta alegria...

Olho de soslaio para ela. Pelo meu ato, impetuoso, assassino, ela foi se calando, se calando... até que sorriu também. Um sorriso de quem viu finalmente em mim uma tímida reação dos anti-sociais recuperados.

Já sei, depois do almoço, mato Clarice de novo.
É preciso matar Clarice, essa personalidade rebolante e castradora precisa morrer e bem matada. E dane-se a condução da história.





26 April 2008

EMOÇÃO


O soar do sino que está longe
e o piar do bem-te-vi que está aqui
em todas as sonoridades
em todos os espaços
a curiosidade do barulho
e da quietude, a insatisfação
Ser feliz neste momento,
é ser a testemunha da emoção
que bate ou soa,
mas em ambos, emoção.


UM SORRISO NÃO BASTA




Ouço agora a sinfonia
Minhas pernas não sabem o que é uma sinfonia
e houve um tempo que eu também não me sabia
Hoje, a despeito de tudo
correndo atrás de qualquer papelzinho
que me assegure felicidade
espanto-me na melodia
que formou tons e meio tons
e espanto-me na vibração do que falo
Se meu coração fosse alguém
seria um alguém que está perdido numa cidade grande
como numa rua de São Paulo
São seis horas da tarde, os carros passam desvairados
para chegar numa casa quente e de luz acesa
Esse alguém desorientado,
desconhece as ruas e desconhece o porquê das ruas
Quisera hoje que me agarrassem pela mão
- um sorriso não basta -
e me levasse
onde fosse um pouco o que chamam de terra natal
úmida, piedosa...
Se um coração subsiste à dor
por certo há de subsistir à dor da solidão.






25 April 2008

PRELÚDIO


Os homens da minha vida
aquele que me mandou rosas
eram mil
Rosas sobraram
minhas lágrimas,
ah, as minhas lágrimas,
ai, as minhas lágrimas...
lágrimas são a advertência do bem
na condução do mal que enviou as rosas.




24 April 2008

POEMA DA PIEDADE DE MIM


Tem pena de mim, que sou uma mulher perdida
As prostitutas de Taiwan valem seu peso em ouro
e eu não valho a força motriz da gravidade
Venho rebatendo aquilo que julgam o máximo
Mas quando me perdi,
no beco onde os gatos sórdidos descansam
Foi-me a confissão mais triste
que eu mesma pude me dizer
De tanto lutar,
perdi o gosto para a batalha
Hoje tenho um travor na boca
e uma mágoa férrea de quem me passou para trás
Mas tem pena de mim
porque não me acho
e tem pena de mim
porque agora
já nem me quero achar
e tendo pena de mim,
larga-me.


21 April 2008

ABERTAS ESTÃO AS VIDRAÇAS


Podes compreender o que é bater o coração como à um bife?
Se destroçado está meu coração
abertas estão as vidraças
Julgue-te por ti mesmo e nem tenha esperança de resgate
Hoje pude me olhar como há muito eu não me conhecia
(onde eu andava que não eu me sabia?)
Vi minha boca que desenha a crítica
mas vi a beleza em minha boca que eu não via
Meus olhos, apesar de que, não estão menos claros
ao contrário, conservam a cintilação da meninice
e meu corpo ainda carrega alguma graça
Valei-me Deus, que tenho amanhã para fiar
Se podes compreender uma mulher
se podes ingressar numa mulher
Surta-te, espirra-te, amoleça-te
O vai e vém das paixões,
do ponto de vista da mulher,

concordante com as intempéries da ocorrência,
reflete, recompõe-se e se arrisca

e diferentemente, se atavia.


VERDADES E MENTIRAS


Ceci acordou puxando tristeza pelos lombos
Tem dia que é noite e tem noite que é dia
Fiz um trato com Ceci, que morre de vergonha
de lidar com alguém assim, tão experiente
Falei que não vamos mais olhar de binóculos para dentro
Falei que lá fora não precisamos nem de óculos
Ceci assentou assim com a cabeça
e fez o símbolo da paz com os dedos esticados
depois foi pensar em mais poesia
Eu não me alegrei, nem me ensandeci
Mentiras, todos me contam
Verdades, nem mesmo Ceci.




PRÊMIO DE BLOGUEIRA


SENTINDO FRIO NUMA NOITE FRIA


Por que me tens fugido
sorte minha?
Há tanto que te perseguia
e há tanto que me fugias
furtiva, por entre as folhas das árvores
de copas entediadas e maciças?
Um dia amanheceu sombrio cá onde eu habito
e eu soube naquele instante
que o que morrera em mim não fôra a fantasia
mas que o desejo da fantasia
morrera, breve, como a manhã que aqui
apareceu sombria.



20 April 2008

POEMA DA PEQUENA NOTÍCIA

Meus amigos,
Hoje tenho esta pequena notícia
Tenho me desalentado com a vida
Aquilo que esperei, nasceu torto
e o que desejei,
saiu de mim e voltou-se contra mim
As vicissitudes deram-me em contratempo
e se eu pudesse lhes pintar hoje
um quadro da minha posição mental
esgotaria o tubo de tinta nr. 4 da cor gris
Quando pronuncio "pedra"
Me entendem "água"
e quando conjugo o verbo da água
Jogam-me pedras
Só há uma vida a ser vivida em toda a sua plenitude
Aquela que desejei para mim num dia ensolarado
e eu, fresca, gostosamente ingênua,
debaixo da mangueira
A mangueira por certo, ainda há de estar lá
Contudo, a vida que desejei,
cruou-se nas mentiras dos homens
Nestes anos de correção da minha existência
quando joguei par ou ímpar
deu ímpar na cabeça
o que é par para mim
(e par é força de desejo completado)
as pessoas todas não juizam
nem sabem calcular o indivísivel
Meus amigos,
quando eu me for
nem falta farei a este mundo
de composições babélicas
O que eu distribuí,
nao contribui nem soma,
perde-se.



ENTRE A LOUCURA E A EXCENTRICIDADE


O meridiano entre a loucura e a excentridade
se eu pudesse,
compararia ao sinal de tráfego
enquanto uma luz amarela avisa que já se pode interromper a marcha,
dentro do louco, há em quase todos os casos,
a trangressão para a luz verde
e para os excêntricos,
só há a luz verde.



18 April 2008

RESPIRAR


Duas pegadas de sol no asfalto que trilhei no dia de hoje
e um azul puríssimo de turquesa na baba da minha fala
O que seria um ordinário dia
Foi-se como o algodão ao vento
Houve silêncio que em balança,
pesava mais que o chumbo dos brazões da antiguidade
Meu coração palpitou de tão contente

Vida que resulta de um prazer tão ínfimo
Respirar, respirar, respirar...
Que mais se pode desejar deste mundo
a não ser respirar e nada dever por respirar?
Quem inventou as regras da sociedade impávida
nem se lembrou de tingir as cláusulas de azul turquesa
do dia que viveremos

Azul, que respiro azul
Turquesa que me tornei
Turquesa.


17 April 2008

PARA ISABELLA NARDONI


Isabella Nardoni,
Perdão porque eu não estava lá na sua hora,
Acho que eu estava fazendo uma coisa tão desimportante neste dia;
Acho que estava mexendo na geladeira, passando um paninho por sobre os móveis
Talvez estivesse verificando que as orquídeas morreram
E você morreu, longe de mim,
atirada pela janela (que estava protegida, protegida!!!! por fios de nylon)
e eu aqui, fazendo cachinhos nos meus cabelos!

Também não sou uma pessoa carinhosa,
dessas de se deitar no chão para que as crianças passem por cima
(aliás, Isabella, tenho deixado que os adultos me passem por cima)
Mas possuo uma delicadeza de alma que não permite a violência
que não permite o descontrole,
que não permite a transgressão
Nem de grito gosto, Isabella
pensa então,
o que senti ao tentar imaginar o seu vôo precipitado
para a cara do solo?

Tenho chorado todos os dias,
um chorinho de gato, que não se acaba, nem perturba
Mas o meu choro é o choro de quem gerou todas as Isabellas
e de todos os Nicholas, os Marcelos, os Brunos
Os Caios,
aqueles a quem amamos,
não importando se são nossos de fato ou nunca serão

A minha tristeza maior foi aquela de que você morreu
e nao deixaram que vivesse
nem um tiquinho das maravilhas que a vida tem
o primeiro desafio, o primeiro beijo de amor
o amor, o medo de fracassar,
o fracasso e depois a vitória,
que só pode advir do fracasso

Quem lhe interrompeu a vida
também terá a sua vida interrompida
senão pela justiça e as mil perícias daqui
mas pela justiça da consciência que deve doer
mais do que martelada em dedo desprevinido

As suas quenturas, as suas manhinhas de criancinha de leite
os seus soninhos, as suas palavrinhas
todas foram embora enquanto a queda se dava
Mas não vai embora a incrível ternura que passei a ter por você
Pois todo o carinho e proteção que dediquei aos meus próprios filhos,
as noites que perdi, velando e cuidando
me foram muito poucas pelo que não pude fazer para que você não desaparecesse

Talvez esse mundo seja erradíssimo, como eu já desconfiava
As mães deviam ser multi-tarefas;
Cuidar amplamente de quem está perto
Premeditar a tragédia de quem está longe
E a nós todos, salvar-nos, de nós mesmos.

Nunca me perdoarei por não poder segurar a mão de quem bate
e nem poder desviar o louco da sua cegueira
batendo-lhe na face as razões do amor que tudo suporta.
Para nós, que cremos em divindade, estamos mortos de medo
abandonados à nossa condição primitiva de outros tempos

Se você sofreu naquela hora, eu sofri também
e se você se foi,
eu não me fui
e aguardo, com paciência,
que eu possa antever o que está incorreto
e corajosamente, evitá-lo
Um trabalho de Deus,
que na Sua hesitação
eu me proponho a fazer.






08 April 2008

ABRIL


Faz-me um Abril de ontem
Naquele dia em que espirrava estrela por tudo que era canto
Eu era feliz, feliz,
E me mordia de tanta felicidade
Quando chegar Dezembro
bem que podia ser Abril
Quando o ano acaba é que é preciso haver essa esperança
Frio, mas nem frio
Só um calor infernal de carne que vem de dentro.



07 April 2008

POEMA DE DIZER SIM


Eu era um bicho geográfico
Subia pernas e descia as lombares
em busca de destino
Me denunciaram,
graças a Deus!
Hoje não percorro nada
nem preciso caminhar quilômetros
de bandeira dois
Sinto-me livre
e sinto-me sã
Bombásticas e traiçoeiras são as palavras
nâo para mim, que as falo
mas para quem me crê
e para quem me ouve
Quando eu disse sim,
Eu disse não.

06 April 2008

POEMA NR. 1 DA TRISTEZA DE HOJE


Amar alguém que está longe de nós
é como amar uma obra de arte de um século passado
Sabemos que ela está ali,
embora o autor já não mais esteja
Podemos possuí-la, tocá-la, vê-la, fotografá-la
Mas nunca será verdadeiramente nossa;
é somente a lembrança de quem
passou por aqui e nunca nos conheceu.


05 April 2008

AMOR DISTANCIADO


O que tu chamas de cuidado
Eu chamo de descuidado
Como pudestes deixar uma meninazinha
de noite, tomando chuva lá fora?
Ouvistes-lhe a voz em busca de socorro
Ouvistes-lhe o chamado
No entanto,
coaste um chá quente para a meninazinha
que continua lá fora,
a chuva tão apertada,
e dissestes, baixinho,
à meninazinha que não se preocupasse
que o chá estava quente,
e estava coado
Não pudestes supor
que entre a chuva e o chá quente
do teu conforto
É necessário que uma porta se abra,
que a meninazinha entre
e que tu, finalmente
possas oferecer o teu cuidado
O que tu chamas de suporte de presença
Eu chamo de verdadeiro amor distanciado.




DOIS E DOIS SÃO QUATRO


Houvesse uma voz a atender pedidos
eu pediria hoje uma porçãozinha de amizade
Houvessem guerras lá fora
eu pediria que cá dentro,
neste universo fechado
de entranhas e afeto
eu pudesse recostar minha cabeça exausta
e fazer os cálculos
onde dois e dois sempre pudessem
resultar em quatro
Onde procurei amor,
não achei amor
e se busquei amizade
nao achei amizade
Achei um resultado de
"seus mistérios para lá
minhas coisas para cá"
igual a insinceridade
Sofro igual a criança que foi
no seu primeiro dia à escola
Ainda tenho suor em minhas mâos
minha figura ainda é triste
e ainda treme de tanta solidão
O medo suplanta a dor do mundo
Herdei um mundo diferente do que concebo
O que plantei, nao colhi
O que eu distribuo, negaram-me.


AMO-TE E TENHO SAUDADE


Tenho tanta saudade de ti, meu filho
Desse filho que já não tenho mais,
Não porque não sejas mais meu
Mas porque tivestes que empreender a tua caminhada
naquela estrada que sabes que
há muito preparei para ti
Tu te foste,
tímido e medroso
Eu te apertei vigorosamente a mão
e te deixei que fosses
em busca da malícia do mundo
e em busca do conhecimento da tua veracidade
No começo, bem que ficastes olhando para trás
e corrias de volta para mim, para a minha dor
ao primeiro terror
e nas primeiras horas
Depois, mas bem depois
quando teu vulto foi se esvanecendo na estrada
quando já estavas suficientemente valoroso,
me senti livre de ti
mas contrariamente
presa às tuas recordações do menino que fostes
afundado no meu regaço
e aos teus olhos úmidos de curiosidade
Tuas indagações, teus silêncios
as tuas conquistas
Todas me foram consagradas
como se a mim mesma fossem ofertadas
Hoje tenho saudade de ti
uma saudade antiga
de filhos que tu vens sendo há centenas de séculos
e a saudade suave da mãe que te tenho sido
desde o começo das eras
Ou saudades de ser tua filha
consolada, por teu sorriso bom
e tua mão hoje corajosa,
quando a seguras forte.
Temos sido a dualidade das paixões perpétuas
Tu por vezes é lamparina,
eu sou o fogo fátuo
Tu, as marés
e eu, a lua lícita da tua regularidade
Peço-te perdão hoje
não por ter sido menos amorosa
nem por ter-te retirado as ambições
(sabemos nós dois que não seríamos assim)
Peço-te perdão por ter-te exposto ao mundo
Ao mundo dos restritos, dos que pensam o infímo
e por não ter te preservado dentro do amor que guarda
Mas contudo,
porque te amo
e porque te amei desde o início
e porque sinto saudade,
Ouço-te agora cantar para mim a música que
amei ouvir quando estavas perto
Assim, reconcilio-me com a tua imagem
e com tua meiguice de filho muito amado
Amo-te, amo-te,
e por amar-te assim,
tenho saudade.

03 April 2008

NAO TEM O QUE FALAR....

Para quem nunca acessou o YouTube, um aviso. Tem que ter paciencia para ver o video rolar naturalmente. Deixe primeiro correr até carregar e depois, sim, pode ouvir por completo.


Janaína

ANDREZINHO



É UM TCHUTCHUCO,

NADA MAIS A DECLARAR

01 April 2008

POEMA PARA ZAZÁ

Uma escada, um pé quebrado, uma estiagem de muitas semanas, distrações poucas.
O Criador faz o que lhe é certo fazer; pára quem corre, mas acelera aquele que está desprovido de pernas.
Aproveita para sonhar um pouco e amansar o leão forte, e se sentir vontade, urra. Urrar não gasta sapato.
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Recomendo-lhe que descanse um pouco
Recomendo-lhe o confessionário
e a depuração da alma
Faça com que o seu ser se interrompa
de tiquinho a tiquinho
depois aos borbotões
para que dê o valor imprescindível do sossego
e do cessar da roda
Vida que se embota,
acorda cedo e lenha
Vida que lhe desejei,
acorda e deita.