31 March 2007

POEMA DA DOR


E imediatamente eu digo não
Não à falta de coragem que se te instalou de repente
Não que fosse de repente em ti
Mas aos meus olhos que te viram antes, corajosos
E te confessam agora, fracos e desesperançados
Digo não à tua ternura anunciada
Que muitas vezes julguei que fosse minha
E que descubro agora, estupefata;
Etérea ternura doada não só para mim
Mas pela humanidade
Pelas estrelas, pelas pedras,
Pelo focinho do gato,
Pela serenata que te dediquei
E que fugiste com ela para o espaço

Imediatamente eu digo não
Não porque quisesse dizer não
Mas é que a tua fala,
Teus sussurros cada vez mais baixos
E que me obrigam a me desgastar,
A me exaurir, a fim de compreender tua palavra
Teu cantar açucarado,
Me confundiram,
Me azucrinaram
Me desacertaram o passo

E agora eu te peço para que me mandes de volta
Quero voltar imediatamente ao meu estado de antes
Um estado evocativo de silêncio
Que não era bom
Mas era meu silêncio,
Que eu guardava como um julgamento
Alternando martírio e indiferença
Para me abarricar
E me manter viva de tempo em tempo
Te peço, te imploro
Te suplico
Que me deixes voltar ao antes da derrota
Porque o doer que sinto agora
Não é um doer de dor suprema
É um doer sacaneado que continua em mim
E já não morre
Nem em mim
Tampouco em ti

E a minha dor foi conhecer
Que já sabias que só assim eu morreria
Não da dor de amor,
Porque na dor de amor não há morte aparente
Mas morrer na própria dor
Porque na dor se morre muitas vezes.

30 March 2007

CATAVENTO


Se houvesse um catavento à beira da minha sacada
Eu lhe diria, descontente;
Catavento, catavento,
Eu também, como o vento
Tentei me desdobrar à beira de um regaço
Mas ninguém me alisa
E ninguém me acata
Estou mais só do que aquele ninho de pássaros
Que bateram asas, que voaram
Lançando-se no espaço
O esquecimento é remédio
O prolongar o esquecimento é mágoa.

28 March 2007

PORQUE TUDO BASTA


Seria tão bom se eu soubesse contar as minhas lágrimas
Atreladas aos passos que ensaiei
Nada me comove mais
Tudo me basta
Que agora haja fôlego extremo
E que haja a paz dos percevejos
Que matam, mas não sabem
O que matam.

DÓI-ME VIVER


Inútil te procurar
Dentro das páginas do livro,
Debaixo da minha cama que afofei agora
Em dúzias de travesseiros mornos

Perto da varanda
Inutilmente te procurei
Onde há um jasmineiro que não flori mais

Só decanta o que supus ser natureza

Tu não virás nesta noite
E meu semblante corta-se de lástima
Resmungo um choro
Decresce em mim o pouco de luz
Se há sentimento, desato-me
Se há força, acuo

Tenho medo de permanecer neste estado
Eu, aqui,
Duas palmas estendidas
No espaço
À espera de um “vem”
Mas é só silêncio o que acho
Quero vingar-me
E mato-me de coragem
Digo não às coisas que são imateriais
Elejo diáfano o meu par
E é diáfano
Eu te procuro
Já não te acho
- Já te disse que dói-me viver?-

27 March 2007

ESTRELAS


Dizem que Portinari pintou as listras do Rio Tigre
Sobre um painel de longa correnteza
Pintei também de azuis meus dias abismados
Sobre uma tela amorfa e feia
Virou dia a noite que me vinha
E as pedras que caíram, são estrelas.

25 March 2007

DOMINGUEIRA



Minha poesia hoje não cabe mais em mim
Aqui dentro tudo tem se tornado natural
E o mais que tudo deixou de ser de plástico
Ainda não sei o que aconteceu
O sol nasceu à hora que sempre nasce
E as frutas do quintal nem sabem que é terça feira
Mas aqui dentro,
Aqui bem dentro de mim,
As terças passaram ser as domingueiras
De quando era criança, a casa cheia
Meu pai, logo cedo, na limpeza das gaiolas
Aquele canto que parecia um riso dos passarinhos da terra
O vento batendo na mangueira
Um disco de boleros na vitrola,
A água que corria da torneira.

É terça feira
Mas aqui dentro a poesia repica o calendário
Minha poesia sabe que o enfrentar da vida é áspero
Mas não se resigna, não aceita
E hoje aqui dentro
Ainda é domingueira.

20 March 2007

DÁ FLOR?


Depois de tanto viver
Depois de ter acumulado todo tipo de conhecimento secular
Da culinária nos temperos
Ao Minotauro mitológico dos gregos
Das químicas dos metais
E do feitio dos bordados das chinesas
Tenho uma única pergunta
Que me angustia,
Que me fragmenta,
Que não me deixa dormir
Que me obriga a questionar a quântica das físicas;
- Pitangueira dá flor? -

POEMA PARA QUANDO VOCÊ CHEGAR


Logo, logo você virá
Entregará seu discurso de doce de amora
Eu me desmancharei,
Como a amora
Desmancha-se de fato
Seu chegar é um acontecimento estelar
Deve haver festa no céu
E greve com diabo
Mas é imperceptível aos que nunca lêem
Meus olhos, minha fala,
A maneira como penteio meus cabelos.
Logo, logo, você estará colocando seu rosto sobre o meu
Serei feliz,
Pois é isso que procuro desde que cresci,
Quando penso que cresci
A felicidade não consiste em farsas
Consiste nisso
Um olhar primeiro,

Depois a eternidade.

19 March 2007

A MÃO QUE GUARDA


Hoje Clarissa acordou blasmefando o tempo nublado
Abriu um tico da porta da varanda
E colocou lá uma planta
Os pés pra dentro, as folhas olhando para fora,
As ramas cabisbaixas e ansiosas
Indagando que medicina era aquela
De se colocar meia cura e meia praga
Atravancando a entrada.

Clarissa e as plantas entendem-se e não se matam
Uma é cuidado, outra é a angústia de querer cuidado
Eu só passo e olho
E não digo nada
A minha poesia é observar
Que há tanto luxo na vida
O luxo simples que busca o sol
E acha a mão que guarda.

A POLPA DA PAPAIA


Gostei da regalia que me deram
Deram-me uma tristeza refinada;
Aquela tristeza de dar dó a quem não sabe
Acho-me, de todas as criaturas, a mais afortunada
Quem pode ser como eu,
Quem é que pode me imitar?
Por dentro, sou mole feito a polpa da papaia
Brilhante e lisa, nessa casca inventada
E nos meus trejeitos
De falar em meio ao riso
De chorar em meio ao trágico

De fingir que não lhe vejo
Sou mais feliz do que esse
Que me lê neste momento.

FLOR DE MINUTO


Hoje eu falo de flor
Não há porque não falar de flor
O dia está que é puro breu
Tem borrão de nuvens jogando-se aqui dentro
Mas falar de flor ficou um absurdo
Tem flor no meu quarto
Dentro dos cabelos
Na ponta do vestido
Tem flor em tudo que eu vejo
Tão subitamente, que viro flor em cheiro
Tenho cheiro de flor
O cheiro bom da flor do limoeiro.

Pega meu cheiro e me toma
Mergulha em mim,
Aspira-me e goza-me
Porque sou flor de minuto
Flor que vai embora.

TRANSIÇÃO PARA A FELICIDADE


Se na sua transição há reticências
Na minha arrancada de zás trás houve um parágrafo
Um parágrafo profundo, e triste
Cheio de ocultos e inexistentes
Um parágrafo porém, dentro da sua forma,
Consistente
De palavras mais macias,

Palavras que mereço.

Não desejo mais o estampido em voz
Tampouco as ações de medo que me arrefeceram
Desejo e ainda desejo a suave condução do espaço
Meus gestos lentos, cheios de vontade.

Minha vida não estancou, nem se perdeu no vácuo
Qual o broto de flor que se estira e vibra
Ao contrário, expandiu-se, armou-se de vida no silêncio


Foi me dado saber
Nas voltas que me dei
Que me deram
Que me hão de dar

Que ainda há silêncio
E é o silêncio mais do que perfeito
Eu sou, estou, dentro de mim mesma
Pacífica e calma
Ainda sou a mesma.



18 March 2007

AVE MARIA!!!!


Em você, procurei dúzias
Não encontrei um avo
Vixi, ave!

17 March 2007

MARIA


Deixe-me ser só Maria
Não soube segurar os afetos
Até os tive,
Mas o que tive,
Se me escaparam das mãos?
Só soube rezar
Quando a coisa ficou feia
As rezas emprestam aos fatos
Um amortecimento de dor
Mas não resolvem a dor
Quero ser só Maria
Somente para revelar a simplicidade
O caos que havia em mim resumiu-se numa coisa
Falta de vida
Falta de vontade.

O CARRO NÃO PARTIRÁ


Hoje meu carro não partirá
Não quero ir e meu carro, portanto, não sairá do lugar
Quando eu era criança, sonhava que um dia possuiria um carro
Nem me vinha à cabeça os altos impostos que pago por ter um carro
Nem a freqüência ordinária aos postos de gasolina
Implorando, “Encha o tanque”, “ Encha o tanque”
E desenchendo minha sede de guardar mais
O carro para mim era a liberdade das minhas pernas
Confortáveis, muita visão e a comodidade de transpor espaços
Mas hoje, não partirá
As pernas não partirão
Nem o carro terá a ignição faiscante
A criança que se foi não é mais quem eu sou
Vejo o carro
Vejo o tráfego
Deixo-me aqui,
Meus olhos poderão partir
Meus desejos poderão ir
Mas meu corpo não irá mais
Meu corpo rendeu-se, introverteu-se, desesperançou-se
Jamais partiremos, pois.

13 March 2007

POEMA DA FEBRE




Chega um dia em que a sabedoria não importa mais
Estou aqui, com mãos estúpidas de sabedoria
Li tantos livros; não os quero mais
Questionei tudo,
Todas as coisas foram dardos contra contra mim
Chega um dia em que se diz “ basta”
E nem o basta está falando mais alto
Agora é tarde demais
Esse demais é que fez a diferença

Tudo em mim é que não se importa em ser demais;
Chega um dia em que tive febre
Como hoje,
Tive febre e tenho frio
Dentro dos meus arrepios
De que me adiantaram os livros?

12 March 2007

POEMA DA DOR DAS PEDRAS


Hoje acordei com pedras à volta da minha cabeça
Nada mais me vem à mente;
Tudo que estou respirando é pedra
Tudo que estou exalando é a dor estanque da desolação

Entra pedra, sai o deserto, calado.

ANTÍTESE


Para mim, até hoje
A antítese da pedra
Ainda é o passarinho
A pedra é o desejo do vôo,
Porém, sem asas.

MINHA TRISTEZA


Preocupam-se os jovens com minha tristeza
Os velhos também preocupam-se
Os que estão perto
E os que estão na esquina franzem-me o olhar
Que vida triste, dessa menina!
Como é melancólica
Como sofre,
Como não se ergue!
Dentro de mim, preocupo-me também
Ah, não fosse essa minha poesia
Essa cantilena que me acorda e que me cobre,
Que vida triste eu teria!

AMARROTADA


Se eu fosse Deus
Não deixaria que o tempo passasse;
O tempo não é um bom passador
Para mim o tempo só lavava
Lavava a dor, lavava a mágoa
E entregava-me, assim, de volta,
Esturricada, seca, amarrotada;
Sou eu quem sei que me passo.

OS ESPELHOS DE CECI


Todos os espelhos que me refletem
Nunca me disseram que sou mulher
Lanço-lhes um olhar,
Eles me devolvem, apatetados;
"Poeta, sempre poeta,
Ainda poeta,
Mas por que poeta, Ceci?"
Eu? Eu dou risada.

11 March 2007

PEDRA


As pedras sempre intrigaram o poeta
As pedras são poeticamente indecifráveis
Mas como são poéticas as pedras,
Nas suas indagações de massa dura
E impraticabilidade de mudança de lugar!
Olhamos uma pedra e dizemos: “Pedra”
A pedra nos olha e nos diz:
"Tu, na tua feitura de alma,
És por dentro mais pedra
Da pedra de que sou pedra".

DE POETA PARA POETA - AH, ESSE TIO AMILTON...


Querida, acabo de me atualizar em seu maravilhoso blog. Wilma também. Gostamos muito. Mas fico a imaginar como conversar com uma autêntica poeta ou poetisa, utilizando de um linguajar que lhe toque o coração. Falar da vida com suas dificuldades e incompreensões? Falar de coisas concretas ou abstratas? Falar da dor ou da alegria? Do perdão ou da vingança? Do amor ou do ódio? Dos sentimentos tristes ou alegres? Da morte ou da vida?
Quisera muito ter o dom de acalmar o seu coração, mas sem sufucá-lo, sem retirar-lhe essa voz que encanta a todos que a amam...Mas como fazer, para quem não tem alma de poeta?
Penso muito em você e no pesado lenho que tem lhe provocado tantos pisões e cortes profundos, até a alma. Que a fazem sofrer, mas, por outro lado, que são perenes fontes de inspiração... Não daquela fonte de água crespa e cristalina de suas recordações de outrora. Mas que, embora sombrias e misteriosas, também matam a sede de paz. Isto, principalmente de paz. Deixe o coração desabafar, mas sem perder a fé e a esperança. Deus não nos abandona nunca.
Continue cantando, como uma Cecília Meireles, como um Álvares de Azevedo. Coragem!. De vez em quando busque um lenitivo qualquer... Estarei daqui sempre torcendo e rezando por você. Beijos do
Tio amilton

08 March 2007

UMA QUALQUER


Tem três dias que não escrevo
Hoje o jornaleiro me olhou, insatisfeito, por baixo dos óculos
Fingi que não vi
Há três dias que não tenho alma
Nem espírito
Na minha fraqueza, futilizo-me
Sou uma qualquer,
Por que me incomodo com isso?

MULHER


Tudo em mim é mulher
Meus olhos, mulheres virgens
Não viram tudo
Olhos imaturos, que passeiam,
Pelos prazeres interrogativos
De extrair desejo e devolver arrepios
Meus seios, mulheres na prisão
Feitos para a liberdade,
Conchas isoladas no confinamento
E voluptuosos na vontade
Meus cabelos, as mulheres mais ciganas
Que bate o vento e as muda de lugar
Uma hora cá, outra lá,
Lisos, escorregadios,
Que eu teimo em encrespar
Consoante à minha têmpera de graça
Meu coração porém, é a fêmea parda
Fêmea no cio,
E diáfana.

05 March 2007

POEMA DA FALTA


O que dizer de mim
Depois da roseira balançada?
Dormi ao relento essa noite
Acordei de madrugada
Havia uma nesga de sombra
E uma mina de trevas que me acobertava
O dia já raiou para toda a gente
Para mim, entretanto
Hoje de manhã é noite,
À tarde será noite
À noite,
Seremos nós,
Eu, noite,
A noite, noite.

04 March 2007

POEMA DA SOLIDÃO


Meu Deus, estou morrendo demais;
Deixa-me morrer,

E tendo que morrer,
Deixa-me morrer só um pouco.

POEMA DO AMOR ACABADO


É assim um amor que se acaba
Fica um gosto travoso de fruta que se comeu à hora mais errada
Mas fica também um cheiro de quem suou, suou
E não suportou o esforço do abraço.
Ficam-se os azuis,
Morre-se a todo instante
E para sempre.

MEU ÍNTIMO


Não me importa mais escrever para descrever meu íntimo
O que importa mais é que meu íntimo já se revelou
Aqui dentro pinto uma garça deselegante que anda em círculos
Um céu nublado, mas que nunca chove
Um cantinho em santuário
Que eu levantei para cada noite que passasse
No mais, há lágrimas secadas
Um afeto terno,
E as quireras das emoções despedaçadas.
Contemplo meu íntimo
Nada é igual ao o que tenho aqui fora;
Moro num livro,
As orelhas estão despedaçadas;
Aqui já não há garças,
E o nublado se virou para o nordeste
De alguma constelação galática
Se tem secura em lágrimas,
Foi porque o destino mandou que eu fosse assim
Uma mulher atenta, montada em decisão
As duas mãos cheias para oferecer
Mais um restinho de amor emprestado
Um coração que não bate mais
Só repreende, castiga, grita, esperneia
E ecoa.

02 March 2007

POEMA DE QUEM EU SOU


Ceci, afortunada...
Tenho duas virtudes
Uma é desprezar o mundo
E tudo que há no mundo
Outra é gostar de ser o que eu sou
O resto é defeito, é mágoa.

01 March 2007

SER POETA


Nunca desejei ser poeta
Quisera ter sido antes,
Uma confeiteira,
Uma passadeira de roupas, caprichosa,
A cozinheira dos pudins e camarões.
Sou poeta porque me é necessário acordar
Respirar o ar próprio e o alheio,
E despejar a angústia do mundo que trago entre meus dedos
Trago uma poesia rebelde, involuntária
Porque se eu existo, é quando a poesia é
Mas se eu morro, a poesia não fenece.

MEUS AIS


Roubaram-me os ais
Roubaram-me tudo
Agora tenho um punhado de ais
Fora do meu mundo
Mas como sinto falta do chorar profundo!

POEMA DE QUERO VIDA


Vida, dá-me o sonho de possuir um sonho
Dá-me a interna solução no aprendizado
Dá-me certezas
As pueris certezas
E dá-me a paz que escondi cá dentro
Bem escondida, porque nunca a vejo
Dá-me a estrada
Mas tira-me a porteira
Dá-me o barco

Mas ponha-me as velas
Dá-me o cavalo
Mas assente-lhe a sela
Dá-me a luz
E apaga-me a candeia.