25 November 2007

GUARDA-ME VIDA


Tenho pensado na solidez da vida
Tenho tirado esse dia para pensar sobre o que a vida foi
E está sendo ao derredor de mim
Tantas pessoas que conheci
E que deram um pouco delas, tanto que ficaram grudadas em minha carne
Outras pessoas passaram, como um trem passa, onde só vejo os trilhos
E nem mais a fumaça
Amei um tanto de coisas, outras aprendi a desamar
Para desamar é preciso o dobro do esforço de se ter amado
Por isso, o arrancar de sentimentos, para mim
É como ceifar uma campo de trigo, gigantesco
Olha-se o horizonte, desolado e é preciso ceifar mais,
Até que o corpo diga "Não mais!" e a gente desiste
E é nessa hora da desistência que o desamor acontece...
Tenho tido noites serenas e noites infernais
Nas noites serenas eu me revigoro e penso que o amanhã vai ser de paz
Nas noites infernais, o sono é infernal
A cama é infernal
E eu acordo infernal, infernizando tudo
A vida é uma constante batalha, me dizem alguns
Mas quero sair da batalha
Porque não fui feita para guerrear
Não nasci com as armas corretas, como todo mundo diz que se nasce
Nasci com um sentimento profundo e largo
De uma tristeza coletiva
De um grito de guetos
E de um suspiro longo e desanimado das multidões cegadas
Quanto mais penso na vida,
Mais me distancio dela
A solidez da vida para mim então é isso,
Quero-me só, à sombra da minhas febres de quarentena
das mutilações as que me condenei...
O mundo é pião, e gira, gira
Eu sou o chão, que segura o frenesi do pião.
Guarda-me vida!



POEMINHA DA MANHÃ CINZA DE DOMINGO


Nublado, como um pensamento
Cinza, como as ceras desgastadas
Triste, como o tapete sobre o chão
E vazio de gente, como as festas mornas que acabam cedo
Assim é o dia que amanhece
E que me estenderá até que a noite venha
Se houver paciência, que venha a paciência
E se houver alegria, que se apresente.





24 November 2007

POEMA DA DESPEDIDA SUAVE


Gostaria que meu poema de hoje fosse uma despedida
As despedidas que conheci foram todas irrompantes
Quando perdi, perdi assim, de repente
Embora as ausências já tivessem sido plantadas antes
E o adeus tenha sido apenas uma leve confirmação
Gostaria que meu poema de hoje fosse uma despedida amorosa
Que ainda não conheci
Uma despedida que atrele em si a mais pacífica palavra
O mais brando distanciamento de todos os distanciamentos
O desenlaçar dos dedos, suave,
E que eu leve a lembrança agradecida de quem me curou quando eu estava doente
E de quem tratou a minha pele quando tive frio
Gostaria de me despedir hoje,
Neste poema, no meu último poema da minha última tentativa de engate,
Na minha tentativa desesperada de kamikaze que perdeu a visão,
E se jogou no último minuto, sobre o azul que escondia a fé.

Hoje eu desejaria me despedir, devagarinho
Não como o frio intenso que se despediu deste último inverno
Fazia frio, eu estava enrolada em lã,
E subitamente, a qualquer hora da madrugada, sem que eu esperasse,
Sem que eu me preparasse em vigília,
Em meio ao meu sono distraído e denso,
Foi-se.



FIU, FIU


Assobiando uma canção antiga;
Fiu, fiu...
Há meia hora que assobio e há meia hora que não páro
A canção antiga já estava em mim desde que a conheci
Mas tinha ficado guardada
Fiu, Fiu...

Conheço meus amores
Mas me conheço mal
Guardava os amores como eu guardava o assobio
Estavam em mim, mas eu não os cantava
Não os pronunciava,
Só os mantinha vivos, em mim,
Quietos, a esperar, algum resgate

Agora, que assobio
Descubro, que todos se evaporaram
Só ficou essa canção antiga, triste, triste,
Dentro de mim, mal formada,
Fiu, fiu...


18 November 2007

ANTES DO SONO


Estou tão só;
A poeira dos móveis que me fazia companhia
Agora nem companhia, nem desalento quer fazer
Quer retirar-se daqui, louca para repousar em outros planos
Também tenho meus planos, bem mais inócuos,
Então, que vá, poeira, e que vá logo,
Eu vou dormir.


POEMINHA DE QUEM ESTÁ LONGE DA PRAIA


Não quero a praia,
Quero a alegria da praia
Os risos das crianças à beira do mar
O cheiro ocre do azinhavre que se desprende das rochas
O barulho farto e afônico das águas...
Ah, se eu tivesse hoje a alegria da praia,
O meu contentamento seria o da gaivota que lá está;
Ingênuo, sincero,
Intrínsico, em parte do cenário.


17 November 2007

E O QUE VIRÁ?


E o que virá?
Ainda não sei bem o que virá
Mas de tudo que passou, há de se ter uma possível certeza,
Todo homem sonha,
E todo sonho é factível de ser pensado
Portanto, dentro da minha fraqueza de humano
Da minha fragilidade de rosa,
Dos meus medos arrebentados do covarde,
Dentro do meu egoísmo que diariamente me faz correr mais
E mais depressa,
E a me esquecer do outro,
Caso haja outro,
Caso eu veja um outro,
Os sonhos continuarão a ser sonhados...

EU, ARARINHA, EU


Amo as ararinhas verdes
Não porque sejam somente ararinhas,
ou porque possuem um verde
Que eu nunca repoduzirei igual
Nem porque voam, rápido, enquanto estou
na velocidade do pensamento,
Amontoadas por sobre as árvores altas,
fazendo uma arruaça anormal, infantilóide, ruidosa,
arruaça de quem não tem o que fazer,
Alegre e esticada.

Nem amo as ararinhas porque são pequenas, frágeis
Ou porque carregam em si uma vida acidental,
Sem eira nem beira,
sem os propósitos master de uma crise;

Amo as ararinhas,
Porque tenho uma única e vasta razão para amá-las,
E para guardá-las dentro de mim,
Amo-as porque lhe chamaram de "ararinhas"
Um nome que é o puro ar
Do ar mais puro que preciso
Da minha contemplação do que virá
Eu, ararinha, eu...



DISTÂNCIA


Falar de distância é falar do abstrato. Podem-me medir a distância em milímetros, centímetros, metros, quilômetros e milhas, ainda assim, a distância para mim, será a mesma. Volta-se o olhar para trás, mesmo que se esteja junto, instarou-se a distância. Se porventura fecham-me os olhos à minha visão aflita de querer me explicar de alguma negligência, a distância amarga.

Distância, distância, é o fechar do coração e o alargar do espaço, mesmo que não fosse físico.

Hoje estou em distância, e até mesmo de mim, que maldosamente, me esqueci de contatar meu eu desregulado nesses dias de feriado. Esqueci-me de tratar-me como devia, de cuidar-me como me cuido e de dedicar-me aos momentos de solidão para paparicar meu eu e saber como estou indo por dentro.

Andei às tontas e distraí-me com o que chamo de supérfluo; tentei ler revistas, fui às ruas e tomei vários banhos, cada um com diferentes sais. Distanciei-me de mim mesma, que estava dentro, pequena e frágil, e agora, vou buscar um resgate de alma.

Volto então agora para minha cama quente, olharei longamente para o teto à busca do movimento anterior das hélices do ventilador, agora parado, me resolverei como sempre me resolvi. Volto-me para mim que sou a expressão mais simples da tradução do mundo. Se estou bem, o mundo gira bem. Se não, é preciso reorganizar o mundo.

Deixe-me, neste sábado de manhã com um pouco de sol e alguma alegria, reajuntar as peças do meu mundo, empilhar os sentimentos e guardar o que necessite ser guardado. Quero passar longas horas agora, silente e só, apartada do que é corriqueiro e do que é mortal. Quero-me agora, escondida dos outros e revelada à minha posse de alma e vontade de calma.

Chega de distância de mim, quero-me perto.



16 November 2007

NADA A DECLARAR


Não sei se vou, ou se fico
Não sei se fico, ou se vou
Se vou, eu sei que não fico
Se fico, eu sei que não vou...


POEMA DA DOR DE ESPERAR


Faz frio e hoje é um dia interminável
Os poucos sambas que aprendi a dançar são velhos demais
Não sei-lhes mais a letra,

e meus calçados agora apagaram os passos
do " prá lá e prá cá "
Vamos comer farinha de mandioca misturada com chuchu
Vamos rever a lua de abril com as estrelinhas tontas a boiar no ar
Vamos retirar de nós as insatisfações do humor
E vamos colocar de novo o humor dentro do sal...
Se hoje fosse um dia de me render à alguma surpresa
Juro que não me faria de rogada
Iria para a rua quando tudo estivesse à venda;
Comprava-lhe um sol de tarde, e daria-lhe o sol na tarde;
Comprava-lhe pimenta verde;

e encheria-lhe o corpo com o perfume verde
da pimenta
Comprava-lhe um amor novinho,

desses que não se fazem mais,
Sem marcas e sem arranhão,
E lho ofereceria, embrulhado em papel reciclado de bobagem
Faz frio aqui, o dia está interminável,
Ainda tem muita vida a despencar da sua cascata,
Vamos esperar...



15 November 2007

VOLTA


Quero pedir a meu bem que volte
Volta, meu bem, volta
Volta para o que não foi
As manhãs continuarão a ser manhãs
A despeito de
Volta, que amanheço
Como as manhãs amanhecem aqui
Cheias de esperança e sem nenhum mistério.



ESTOU DE BICO


Não faz muito tempo, aprendi a fazer bico.
Fazer bico é a coisa mais simples de se aprender, uma vez aprendida, pega-se o cacuete para o resto da vida, a gente nem nota mais, e está fazendo.
Nunca pensei que fazer bico fosse a prática mais deliciosa das práticas, porque não custa nada, pode-se fazer a qualquer hora e tem-se a vantagem de se exercitar os músculos da face na prevenção das rugas. Fazer biquinho então, é fazer uma meia careta, meio ensaio de cara feia, mas no fim, é só um bico feliz.
Primeiro eu observei uma pessoa que fazia seus bicos no intervalo das frases. A pessoa falava, e torcia a boca para um lado, e depois para o outro lado, olhava para cima e continuava o pensamento, para três pensamentos depois, repetir o ato exagerado.
Comecei timidamente, na intenção de praticar sozinha e sem que me dissessem "Olha essa cara feia!" Sentada ao computador como fico, horas a fio, achei que esse momento era o mais apropriado para se praticar a mania do bico. Escrevi uma frase, olhei para o alto, entortei a boca para a direita, os lábios bem fechados, apertados... Gostei. Fui adaptando então as torturas dos lábios para lá e para cá, tanto que parei de escrever por completo, e assim fiquei, uns cinco minutos alternando os longos olhares para o teto e apertando meus lábios em diferentes rotações. Quero também ressaltar, que no meu caso, enquanto faço os bicos, um monte de idéias luminosas me ocorrem, e que até achei que passei a escrever melhor. É como se o bico fosse um start up para o pensamento pegar no tranco, e depois quando tudo embola, a gente pára e refaz o bico, a fim de continuar dentro do ritmo de antes. O bico, compreenda, tem a função de pinça que vai desenroscar o que estava perdido. Bico, hoje para mim, é o intelecto em exercício.
Confesso aqui, aos meus poucos leitores, que ainda não ensaiei meus bicos em frente ao espelho e não o farei; não quero me contemplar na mímica dos gestos; agora é fazer ou fazer, nao adiantará mais verificar se está correto, feio ou impróprio.
Ontem à noite, porém, em meio a uma conversa muita dura, em meio a uma falta de compreensão injustificável, e uma dor de coração que não tinha mais jeito de crescer, descobri uma nova modalidade de bico: o bico da dor de alma. Meus lábios, involuntariamente, foram se apertando e se revoltando para fora da boca, enquanto as lágrimas caíam por sobre o que se formara deles; dois montes de lábios, um aporte monstruoso, uma justaposição sem ensaio, um bico de impotência e dor. Bico de quem está na mais profunda melancolia e que não julga mais ter-se de volta a alegria perdida, bico de quem se fechou para sempre e não quer negociar, bico de quem sabe que jamais voltará a sorrir como antes, mesmo que um dia, depois de algum tempo, se sorria como antes, e tenha-se se esquecido um dia da maltratação da alma. Porém, a hora do bico é essa, a impossibilidade de. Bico de gente adulta é bico sério, portanto, um bico de proporções senior, um puta bico, para maiores de idade.
Hoje de manhã, quando acordei e me olhei no espelho, o teimoso ainda estava lá e saibam, posso senti-lo agora aqui, enquanto escrevo, do jeitinho que me foi encomendado.
Portanto, meu caro leitor, estou de bico, e esse bico agora está permanentemente em mim, ostentoso e vísível, como se me tivessem feito uma cirurgia trabalhosa e não me tivessem retirado os pontos. Estou em estado de recuperação, mas ainda estou em dor.
Bico, nas horas boas, é divertido, inconseqüente, bizarro. Entretanto, acabo de descobrir, nas horas do sofrimento de verdade, é o sinalizador do seu espírito.Os olhos combinam com a boca, ficam apertados, retidos, meio caídos. O corpo também ajuda o bico da dor a ficar mais bico; a gente anda até um pouquinho torto, pesadamente, sem alinhamento, no contrapeso do tamanho do sofrimento. Dor e bico, acredito, são irmãos siameses.
Não me peça para sorrir hoje, quero estar aqui, solitária, triste de dar dó, nesse dia nublado, nesse feriado desesperançado, nessa falta de diálogo que se instaurou, só e só, eu e meu grande bico.




14 November 2007

QUE ALTURA?


Que altura me darias?
Dê-me a altura do broto da grama que cresce
Furtivo e ascendente, mas breve
Dê-me a altura verdadeira,
Pois que sou tão pobre de alma
E tão pobre de afeto...




A FAIANÇA DE VERA


Poema dedicado à Vera Milunovic, sensível, bela, generosa, artista plástica, arquiteta, autora dessa obra de arte chamada Faiança.
No momento em que vi seu "prato de bolo", vi de um tudo, menos um "prato de bolo" o qual ela, erroneamente, na minha opinião, o chama. É simples, como tudo deve ser simples, e portentoso, como tudo que é simples também o é.
Achei que fosse um lugar de adoração, onde eu colocasse lá em cima um amor bom, e o deixasse assim, absurdamente quieto, apaziguado, a fim de que eu o contemplasse e o adorasse, por sobre liso branco.
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Porque hoje o dia foi um porre fenomenal
Que eu torci para que fosse bissexto
Quero um presente,
Não me tragam estrelas,
Não me tragam coisas inatingíveis, como as estrelas
Abstratas, suficientemente altas

Arrogantes, por sua distância,
Pequenas e desprezíveis, por sua distância,
Tristes,
E frias, as estrelas ...
Nem me tragam um amor de espadachim dos tempos lá de trás
Aquele amor que mira certo e ataca
E prende o adversário com o fio da espada junto a jugular,
Sem chance de escape
Que vem por cima,

Que conhece e julga o golpe,
Que abate...
Quero um presente hoje que eu possa ver, tocar
Um presente que seja simples, como eu fôra simples
De uma simplicidade de rei e uma nobreza de ordem
E elegante, como eu gostaria que meus atos fossem
Mas meu atos são pagãos, covardes,
Não existem nem em dicionário
Quero um presente para me adornar,
E me tornar mais bela do que já fui
Já que a beleza que havia em mim, agora se dissipa e foge,
E esplêndidamente muda, morre.
Dê-me este presente, hoje, quero-o logo,
O prato de faiança
Um suporte vazio, que seja meu pedestal
E meu altar,
Meu púlpito e meu mestrado
Porque essa vida me exigiu demais,
Porque essa vida me marcou demais
Hei de colocar nesse prato os meus ganhos,
E não aquilo que eu deixei passar
A faiança branca, mais pura do que eu que já fui pura
Mais útil, do que já pude me doar.

Um prato de faiança é aquilo que devemos esperar;
Nele, as estrelas frias,
Nele, as confissões do amor vingado,
Nele, a vida.


13 November 2007

QUE ME CALE


Sinto uma paradeira de água,
Sinto um medo, um pavor de escuro,
Sinto uma qualidade de temperamento que não fôra mais meu
E que voltara,
Sinto um fio de prata me esticando à revelia, à estrada
E sinto frio.
Jamais pudera acreditar no que me espera;
Dias acumulados sobre dias,
O calendário a virar as folhas com mensagens
E eu, parada na primeira estaca.
Se há um recomeço,
Se ainda há uma única chance,
Se há uma chance de recuar e redesenhar sobre o pano,
Que eu me resigne, espere e que me cale.






11 November 2007

POEMA DA MIGRAÇÃO


Dei-me a entender o que eu queria
Mas foi em vão,
Teus olhos não conhecem a linguagem de libras
Nem os sinais que meus lábios emudecidos, tentam representar
Tudo entre nós virou a milhagem de pássaros que migram
Sabemos onde estamos, sabemos para onde ir
Sabemos a rota da sofreguidão
Mas, no ensaio diário da partida
Perdemos a bússola interna que nos norteava
Que era o nosso amor, de antes, ingênuo e preservado
Agora confuso,
A rodopiar no espaço.




POEMA DA PÉROLA PERPLEXADA


Deste-me uma pérola
Uma gota, onde havia o grito histérico de dentro de nós
Se ela soubesse sofrer, sangraria
E se falasse, diria,
Diria coisas truncadas, indizíveis
Como eu queria falar-lhe, mas não podia
Minha boca cerrava-se, os dentes me fechavam
Nada do que eu dissesse poderia interromper o curso do teu rio
Ou do teu mar,
Desconhecido, incoerente, difícil,
De onde a pérola,
Como eu, perplexada, veio.




ENXURRADA


Chove, chove, chove...
Chove em mim o roseiral inteiro
Chove pitanga e chove luz, se há luz
E leva na enxurrada pouca o que não me serviu
Leva a fundeza da mágoa.



10 November 2007

LAGARTIXA



Tenho medo do escuro, lagartixa,
Tenho medo do frio, lagartixa
Tenho medo da viscosidade, lagartixa
Tenho medo do sapato, lagartixa
E da força do sapato vindo em direção a mim...
Ensina-me a viver sem medo, lagartixa
Ensina-me a ser lagartixa como tu
Desobediente criatura de Deus,
Que me mandou que eu ficasse como estava
Não sei mais viver de onde eu estava,
O meu estava era antes de tudo,
Mas tu,
Se te perdes, te repões, e voltas a repor-te,
Nesse círculo incorreto do normal
Perdi-me, lagartixa, e nao me acho
Onde então, o livre arbítrio de mudar-me?
Dentre todos os meus medos,
Dos confessados, e dos abafados,
Também tenho medo de ti.



POEMA PARA O ANJO BOM


Guarda-me na palma da tua mão, meu anjo bom
Se és anjo, verdadeiramente,
Se tens corpo de anjo,
Razão composta de anjo
E o vôo rasante dos muitos anjos que conheço
E não me venhas a retirar-me o sono
Tão valioso para quem tem medo;
Nem me aborreças com teu cuidado,
Esse vai e vém apressado que tudo prevê
E que tudo apaga
O mais delicado gesto teu pode derribar a revoada;
Deixa-me no bem,
Mas deixa-me também com um pé no trágico;
Guarda-me apenas, livre, na palma da tua mão
Nem feches a mão para que eu não esmoreça
Suspende-me até onde estás,
Onde o infinito existe e
Onde a altura não sobe mais;
E lá em cima, deixa-me.



08 November 2007

DE TANTA DOR


Bota reticências no seu boa noite
E parta já;
Quero ficar assim, amendoada
Olhos mais verdes,
A esperar que o final não seja a madrugada
Mas eu, no ponto inicial do meu calor
De noite, eu me escureço
De dia, amadureço, de tanta dor.





POEMA PARA DISFARÇAR QUE SE ESTÁ TRISTE


Tenho as minhas bobagens
Sou louca por fera de circo engaiolada
Louca para ver a animosidade do animal,
Preso, assustado,
Os pelos eriçados,
Para depois acostumar-se com o cativeiro
- Dias monótonos passados em picadeiro e grade -
Fui louca por livro
Hoje não folheio nada,
Ninguém mais me diz o que é bom e o que é eterno
De resto, quero dedicar-me a não sofrer nem mais um tiquinho
E se doer, eu me belisco
Que é para a dor do beliscão ficar mais roxa

Que a roxa dor da paixão que me devorou
As minhas bobagens são poucas,
E são alegres, leves, inconsequentes, calmas,
Quando quero, rio
E quando não quero
Sou a carranca que enfeita a ponta do barco que ruma para Belém

Feia, mas cheia de beleza,
Tanta feiúra que chega a doer, de tão bom
Se meus pensamentos valessem peso
Eu era um fardo que carregava os vales
Mas pensamento não tem viagem, nem ticket,
Nem assento de primeira que me leve agora para os ares
As selvas dos meus anseios, eu mesma abro em picada
Guarda-me, meu anjo bom, das pessoas ruins
Porque de ruim já tenho eu, que não me guardo.



07 November 2007

AS MAIS LOUCAS PAIXÕES


Dê-me hoje uma rosa
E eu lhe oferecerei o perfume que nela há
Só o perfume,
As mais loucas paixões são a fragrância da rosa
Ao primeiro momento, enlevo do botão,
Fechado, promissor e frêmito,
Depois, o azedume insuportável do passar do tempo.



02 November 2007

IT

Por que sou feia e sem it?
Por que não caminho como as cobras
Nem me enfeito de pavão?
Por que minha voz é tijolo batendo ao chão,
Não tem a suavidade do sabão de pedra
Só o azedume do limão?
Sou feia mas sou feliz
Não, Ceci,
Feia e infeliz.
Vá logo lamber sabão.

A MEIO PAU


Estou meio arara, a meio pau
Me dependuraram de pernas para baixo
Morro parcelado todos os dias
Quando me falta o ar
Sabemos que as revoluções
Primeiro começam na mente
Depois explodem lá fora,
Não importa o dia ou a hora
A minha mente já perdeu todas as batalhas
As que passaram, as que estão mostrando no cinema
As que virão, cheias de tecnologias
E a estratégia rasa é o que sobrou
Eu, a meio pau;
Triste, igual pinguim torrando ao sol
Feia, feito as chinelas de meu pai
Solta, como o fio da antena que não tem sinal
A meio pau.


CECI-CECI


Vislumbrei um bem-te-vi
Um bem-te-vi bobinho,
Que só sabia cantar as notas do seu nome
Bem-te-vi, bem-te-vi
Ao espelho, nem bem vi meu rosto marcado
As linhas tortuosas que vivi, do meu passado
Cantando por sobre mim,
Por dentro do meu olhar bobinho,
Ceci-Ceci....

01 November 2007

FLOR CECI


O que eu quero de ti?
Uma flor branca que se batize de Ceci
Um cuidado à hora mais fria,
De encostar no meu braço
Hora que eu abro o verbo
E conjugo as declinações pretéritas
Para depois jogar,
Declinando um verso que só eu sei fazer
Quero a voz que fala, mas que não canta
Cantar é para mim,
Que sei entoar
De dó a dó as pautas em solfejo
E sei sofrer de dor, que a voz também entoa,
E quero isso só;
O resto,
O que for de resto,
Eu restarei à sombra da mangueira
Que pôde escutar os desfios de lamentos
A que estou acostumada a desfiar
Depois, quero que te quedes,
Sóbrio e grave
E que não fales nada
Deixa que meu olhar te entenda
E que teu sorriso me abra
Para o que virá...
Virá a flor branca
Que batizastes de Ceci
Uma flor que julgamos ser pequena,
Como eu sou pequena
E breve,
Como eu sou breve
Mas que traz a promessa
Que eu imaginei de ti...
Quero-te agora
E quero-te aqui.