31 July 2007

A MINHA VONTADE DE CAVALO


Se me dissessem agora
"Faça-se a sua vontade";
Eu cortaria o sol
E lhe meteria o sol goela abaixo
Como se fosse pedaços de melão
Faria da minha vontade
O que não fosse da sua vontade
Porque lhe quero desfrutável
E nem lhe quero analisando fatos
Minha vontade é coisa de pantomima
Nem bem lhe quero, mal também não quero
Nem a mim, nem ao resto do que lhe sobrou
Tenho pensado na vida
Tenho pensado na vida que se formou
Como a poeira depois do trote do cavalo

O que vem à frente é a espiadela do futuro
Ali, lá trás é que é o mal passado;
Eu sou o cavalo,
Você, a poeira
E essa é a minha vontade.



30 July 2007

AMAR UMA SOMBRA


Quando fui lhe ver
Emudeci diante do seu altar
Vi-lhe as velas
Vi seu semblante de olho vazado
Vi aquilo que chamam de manto
E a sua carne clara;
As vertentes da sua carne me foram sensuais,
Tão novas,
Tão cheias de asperezas
Tão inócuas
Fui lhe ver na intenção de saciar uma sede antiga
A sua antiguidade foi o que aniquilou
Fiquei muda,

E palavra que viesse
Não saía mais
Só fiquei lhe olhando, assim,
Pasma diante da sua assombração
Que me trouxe depois um histeria tonta
Que saí a rir
De mim
Do meu desassossego
Do feio termo que inventei para nós dois
Amo uma sombra
E essa sombra hoje de mim se descolou.


PARTA-ME


Se eu tivesse um sonho que pudesse ser sonhado
Eu lhe diria,
Sonho, cria vida e sonha
E se eu tivesse um pelo de gato
Um afago de mão
E um sopro do destino
Também lhes diria;
"Afague-me,
Suporte-me
E sopre-me"
E se eu tivesse um barco que pudesse ser lançado
Diria-lhe, somente;
"Parta-me".


29 July 2007

POEMA DO PARA SEMPRE


Vibro, aqui dentro de mim
Vibro-me
E não é de frio
Não é da aragem leve
Não é do sono
Grosso como o granizo de ontem à noite
Vibro-me em todas as notas de dó a dó
Faço sentir meu batimento de músculos e carne
E tenho todas as sensações
Meu olhar é que tem razão
Todos os sentidos meus ficaram absurdamente indóceis
Imagino-me surda, e surda estou
E se quero amargar-me em arrepios
Arrepio-me
Tenho sede, mas impeço-me
Beber agora não saciaria
Nem a mim, nem ao meu espírito
Que sabe esperar
Quero voltar ao antes e também me impeço
E quero vibrar-me, na ponta do trompete
Expandir-me nos metais
Para sempre, vibrar-me
Este segundo que passa,
O homem do biju que passa,
A chuva trazendo o frio, que passa
A tua presença, contida apenas na imagem,
Coisas fugidias, para mim,
São para sempre.


(Clique para ouvir)

POEMA DO DOCE DOS MEUS OLHOS


Quem nunca compreendeu o sal
Como eu,
Compreenderá o outro
Que está distante do meu eu
Nunca compreenderei o sabor do sal
Suas nuances de amargor e tempero
De mascarar o doce
E esconder o neutro
As semelhanças me afastam
Não compreendo então as semelhanças
Só acredito no polo oposto
Pois se no sal não me comprazo
No açúcar dos meus olhos
É que te vejo, longe.


28 July 2007

POEMA DE MATAR E MORRER NO AMOR


Porque te mato, morro
E porque eu morro
Mato-te
Morrer é delícia de espreguiçamento
Matar-te, entretanto
É dor de alma;
É o meu suor por sobre a cama
Em pranto.


27 July 2007

BRILHANTE DE CRISTAL


Era o sol que eu tinha
Um único brilho de sol
Virou a falsa luz do meu brilhante
De cristal...
Sol de uma constelação barata
Sol do ouro do meu anel
Sol de chacras
Volta a brilhar por trás
Das meninas arredias dos meus olhos
Meninas tristes,
Tão arredias meninas dos meus olhos,
Ainda tão meninas...


26 July 2007

DORMINDO


Jamais despertarei do meu sonho
E se despertar
Porque me despertaram
Vou sonhar de novo
Sem solução minha passagem por este mundo
Consciente
Preciso me enlouquecer
Sonhando o que não será possível
Tecendo minha história
Por trás do painel da sensatez
Quero enlouquecer,
Mas enlouquecer, dormindo
Nos sonhos os sancho-panças é que que movem os moinhos
Deixe-me sonhar mais um pouco
Que se dormindo, vivo
O que na realidade é fantasia.

25 July 2007

TRATA-ME BEM

Quando eu te pedir, trata-me bem
Quero sopa e quero pão
E quero o pão mergulhado na sopa
Quero céu de madrugada quando eu chegar, cansada
O frio leve por sobre a minha cama
E as minhas cobertas aquecidas, preparadas
Por tuas mãos antecipadas

Para o meu sono que não se sacia antes do outro dia
Quando eu te pedir
Dá-me a tua a palavra de ouro para que eu fique
E o teu silêncio de prata quando eu partir
Partir para o que é meu
Para o que me destinaram
E que eu soterrei
Naquele lugar longínquo onde ainda preciso ir
Mas eu estando ainda aqui,
Trata-me bem,
Como a cotovia trata o espigão

Objeto de sustentação e norte
Trata-me como eu trataria a tua natureza
A tua natureza de mãe
Atenciosa e terna
Vigilante e pacífica
Trata-me bem,

E quando eu pedir,
E quando eu não pedir
- Será preciso pedir?-
Ama-me também
Porque o teu cuidado

É que me revela o amor
Que busco há tanto tempo
E que buscando, guardo.


24 July 2007

O MUITO É QUE FALTA


Porque eu quero ir embora
Não penso em levar-te
Levar-te seria aumentar meu peso
E meu peso é um fardo,
Não vê que é um fardo?
Levo comigo minhas lembranças
Que são um cofre
E meus sentimentos
Trouxa de roupas,
Para eu arrastar sem auxílio
E porque preciso ir embora
Deixo-te,
Mas nao te deixo tão só
Fica com as minhas ironias
De quando eu emudecia, triste
Com meu jeito surpreso de quando eu acordava
E fazia fuzarca porque tinha sol
E tinha calor atrelado à tua imagem
Fica comigo então,
Apenas no espaçamento fugidio
Enquanto me vou
Pois não há mais como ficar aqui
Cansei-me tanto das tintas
Que te pintaram
E das tintas das quais me pintei;
Não sei se vou feliz
Só vou,
Feliz não é o que nos importa
Feliz é pouco para mim
O muito é que falta.

23 July 2007

ESCONDIDA

Ser poeta tem me poupado de muitas coisas dolorosas
E de algum constrangimento
Hoje foi dia de querer matar alguém
Porque me pisaram no sapato
Escrevi um verso que falava de um morrer
Que era um morrer fictício
E matei o sujeito bem matado
Dentro da poesia
Nunca me surpreenderão cometendo um delito
Mas ao ler meus versos
Prendam-me ou me batam
Minha felicidade é esta
Não me entendem quando me lêem
- Posso matar e morrer à vontade -

POEMA PARA OS GATOS AZUIS


Escrevo esse poeminha para um gato
Até a palavra "gato" é palavra que me inspira
Olhos de gato não coisa desse mundo
São extra-mundo,
E eu estou no mundo
Falo "gato" e penso em alquimias
Penso em mantras,
Sacrifícios,
Rezas para o maléfico
Para o bem que um dia vira mal
Todos os gatos são azuis
Mas nós os vemos negros, furta-cor
Ordinariamente pardos;
São azuis porque o azul contém um mistério
Que os só gatos adquiriram na essência
O azul, quando é fluido de alegria
É puro contentamento
Mas pode ser frio, cortante
Mordaz,
Longínquo e indiferente
Dentro de uma independência fastiosa
Que são a maciez e a repulsa
No mesmo ato.
Se os vemos dóceis,
Ou se os vemos indomados
O mistério é que está em nós que vemos torto
E não na natureza ardil da feitura de um gato
Gato que é gato, inspira
O que somos de fato;
O bem dentro do mal
Ou mal, em gato disfarçado.

POEMA DAS LINHAS DA SOLIDÃO


Quero pedir que me deixem
Mas não sei pedir que me deixem
Deixar-me novamente
É me ensiesmar
Mas é que não suporto
Que linhas me deixem do lado leste
Enquanto outros estão a oeste
De mim
Se eu soubesse rezar
Pediria que me deixassem só
E se os ouvidos do alto me ouvissem
E me deixassem na minha companhia
De cara com a solidão
Assim eu choraria
Por estar sozinha
Mesmo quando preciso
Estar só
E inutilmente, peço.

22 July 2007

POEMA DO DESERTO


Vim pra buscar-te
Ah, como é cruel a dor de buscar o traço
Do sentimento que foi abafado
E que foi pisoteado
Vim pra buscar-te
Para que te tornes como a samambaia
Farta e vulgar
Ordinária
Sem implantes de variedades,
Repleta de vida, porém
Vida que não me basta
Vim para buscar-te
Para que sejas
Um sorriso debaixo do meu sorriso
E um calor por sobre minhas três camadas
De calor
Quenturas de verão fora de hora
Vim para buscar-te
E se vim, quero que venhas
Oásis na paisagem do deserto
Onde me nasci, onde me criaram
Onde renascerei...
- Meu deserto é minha casa -
Não me fincarei até onde tu estejas,
Suave aparição como a dos astros
Vim pra buscar-te e que permaneças
Na árida paisagem, ao meu lado.

21 July 2007

EU, VERBO INTRANSITIVO




As verdades que você não me diz
A moça traduz
A moça me falou de um gostar acimentado
Que você dedica
A quem não sou eu
E teceu um saco de verbos transitivos
Sobre costurar uma vida
Onde estou como verbo intransitivo
Triste e desalentado,
Só e sem complemento
Porque não preciso de companhia
Tão logo me basto,
Tal a força que tenho
Em minhas frágeis personagens
Vejo suas palavras
E as palavras da moça, reveladas
Escrevo o que concluo
A moça sabe das coisas do mundo
Você só sabe de mim
Que sou intransitiva e desnecessária
Sabe das ciladas
De me postar no entre da sua malha
Que você teceu
Quando eu nem existia
No arraial do seu abraço
A moça me disse hoje
Na sua vida,
Na construção do que você teceu
Eu sou apenas o fio novo e solto da meada
Se a moça lhe traduz pra minha língua, eu choro
Se você me vem, no puro do intraduzível
Ainda choro
Choro traduzido assim,
Ainda tenho solidão,
Quando estou só,
Quando não estou só,
E é um choro perdido
Que nem mesmo alguém vê
Suas verdades são o preto
A tradução do seu preto é o meu pálido
Pela boca da moça,
O meu intransitivo e áspero desejo.

19 July 2007

POEMA DA FALTA DE ASSUNTO


Escrevo um fio de emoção
Escorre-se o fio
E a emoção é só uma calda
Dentro da fala
E dentro do aço da minha fala
Quero me repetir todos os dias
E nem bem me repito
Quero o inédito
E quero o novo
Hoje acordei com saracutico de tia velha
Que resmunga e fecha a cara
Se disse bom dia
Foi um bom dia que não quis ser bom
Foi um bom dia de travas
As vezes detesto quando o dia está bom
Porque pra poeta bom dia é mesmice
Quero tudo alvoroçado
Quero pimenta nos olhos
Dos meus olhos
E pimenta malagueta
Na perna do frango do jantar
Tudo o que fiz hoje foi arrebentar a porta
Das emoções
Pra ver se eu sofria um pouquinho
Não sofri;
Então escrevo assim
Se não sofro, não escrevo
Se não escrevo, eu paro.

GENTE SÉRIA


Não acho muita graça em quem faz graça
Gosto de gente séria que faz graça
Assim eu quereria a humanidade
Um bando de pinguins vestidos a rigor
Leões de jubas despenteadas e enormes
Da parada gay
São tão sérios os pinguins
E tão sérios os leões
No entanto,
Como me fazem rir
Com o natural que a natureza lhes deu
Risada boa
É aquele que sai de onde não se espera
Eu rio de mim também.

PAIXÃO, VÍRGULA, PAIXÃO


Vida tem que ter vírgula
Não é possível viver sem interrupção
Respiro e vírgula
Falo-lhe dos meus enroscos
Das coisinhas tolas que sonhei
E boto vírgula
Falo de mel e engulo ar
Mando outra vírgula
Deito-me e estendo a vírgula
Até que outro dia venha
E eu me virgulando
Entre as orações que faço
E eu me acabando em oração
Vida em mim é paixão
Paixão em mim é interrompida
Às vezes morro de paixão
Me reconstruo, séria e contrita
Vírgula
Caio de novo em paixão
E vírgula
Até a traição
Entre vírgulas
Paixão, vírgula, paixão.

IMPEÇA-ME


Impeça-me de tentar
E tentarei
Assim, mais avoada
Que o hélio que
Suspende o balão que passa
Impeça-me de prosseguir
Prosseguirei
Embora, cansada
Com os pés ardendo
O corpo trêmulo,
A fala já calada
Impeça-me de viver
Que viverei
Viverei como vivem os
Nômades de ontem
Cada hora um sentimento
Num lugar
Viverei contudo;
Viverei, impeça-me
Viverei;
Basta que haja um único
Vestígio de um passo
Que se atrele a outro passo
Eu viverei
Porque tem uma ponte à frente
Se não há pontes
Andamos sobre o ar...

16 July 2007

SETEMBRO


Aguardo um setembro que me dizem, virá
Acho os setembros fora do mundo
Ou fora do calendário
Em setembro me corrijo e repito para mim mesma
Que vou correr mais milhas
E superar os defeitos que nunca são superáveis
Setembro me ensinou tudo que sei
Desde a ser a poeta que teima
Até me tornar a mulher ordinária que sou
Rude nas palavras
Afeita a risos moles
E a espreguiçar prazer
O que desejei da vida
Ainda tenho um pouco
Generosidade no mínimo
E a plenitude do amor próprio
Em prol do meu amor
Não me confundo com a estação que setembro traz
Não é preciso que haja sementes
Nem promessas de sementes
Só o distúrbio de pronunciar
"Vem, setembro";
Apalpar-lhe a crueza
Mastigar-lhe a minha ansiedade por vida
Tornar a nascer...
Enquanto houver um setembro
Na sua possibilidade
Aí é que hei de viver
A esperança voltou a conviver comigo
Quero chuva e agora quero ar,
Quero amadurecer, sensata
Não à força de suavidade
Mas à custa de perplexidade
Quero reconhecer setembro
Apenas pelo ar
Mais madura, pois, mais esticada
Pronunciarei todos os dias
Aquilo a que me foi proposto
Ah, como me dói crescer!


13 July 2007

SE FOSSES...


Comparo-te com o hino nacional
E acho o hino nacional muito pouco perto da tua feitura
Tuas letras são enormes
E tua grandeza é grandiosa
Se fosses um dia
Serias o trinta e um de dezembro bem de manhã
Que é a melhor hora do último dia
- a hora da dor da despedida
Quando ainda se tem a alegria de não se ter despedida -
Se fosses um riso
Serias o meu riso
Alegre como água batendo
E ruidoso como vento em furacão
Se fosses de verdade
Serias um menino
Como aquele menino que vi passando à beira do sinal
Louro, alto, longos cabelos cacheados,
Que me sorriu de volta
O sorriso bobo que eu enviei de viés
Se fosses de verdade
Eu te teria chamado de meu bem
Dentre todos os bens benfazejos do meu ser
E teria te feito de sal
Para te provar dia a dia no meio do conforto
Se fosses meu
Eu te devolveria de volta para tu mesmo
Para que tomasses conta do teu ser
Etéreo e grave
Que vibra em pensamento
No meu pensamento
Dentro do teu.

12 July 2007

XÔ, XÔ

Minha poesia anda ultimamente recorrente sobre o tema "silêncio".
Minha poesia sabe tudo de mim e sabe mais do que eu sei.
Melhor então me calar depois desse poema.
++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++
Achei melhor silenciar agora
Melhor porque me respeito
E melhor porque me gosto
Silêncio não é ferimento
Embora as muitas vezes possa parecer que é
Silêncio é o hiato da palavra
E o coma do pensamento
Achei melhor
E agora, as sentenças longas que eu disse hoje
Todas voltaram prá dentro da garganta
Como minha avó fazia com as galinhas
Á hora e meia que anoitecia
Enfileiradas por cima do poleiro;
Xô, xô, palavras amorosas,
Recolham-se...

11 July 2007

DEIXEM-ME CALAR


Hoje não desejo escrever coisa alguma
Tudo o que escreveria seria o avesso das paixões
Que é a indiferença e a apatia
Deixem-me só, minhas letras,
Deixem-me no mais profundo e perplexo dos estados
O ver e me calar
O sentir e me calar
O ouvir e ainda me calar
Deixem-me calar.

05 July 2007

O MUITO E O BASTANTE


Porque não gosto de passar fome
E porque não gosto de fazer pão
Encostei-me nesse barranquinho
Deixe-me aqui encostadinha
Deixe-me só
Mas traga-me um pedaço de pão
À hora do meio dia
Não se demore
Nem faça sermão
Nem me diga que é hora de partir
Parta somente
E volte no outro dia
A sua volta é que é minha alegria
E o pão,
Dado por suas mãos
É o aniquilamento da necessidade
É o pouco do todo,
É o tudo todo dia
É o muito e o bastante
Nesse barranco quente,
Como o pão quente que recebo
Quente como a minha solidão
Parcial, mas solidão.


CALE-ME


Não falo de mais nada
Hoje fechei a tranca dos meus lábios
Foi-me permitido falar,
E quando falei,
Partiram-se as palavras
Que fiquei muda de instântaneo
E fiquei pálida
Os outros não me compreendem
Eu mesma nunca me compreendi
Embora tentasse
Mas disto ou daquilo que falo
Desisto
Não desejo mais do que soprar
Um ar quente que sai de dentro de mim
Uivando, como nos desertos do faroeste
Só levantando poeira
Pra depois baixar,
E por sobre o mesmo pó,
Inócuo,
Tirado do lugar

SEPARADOS


Olho meu suposto irmão
Para que me conforte
Meu irmão tem tudo de mim
As minhas pequenas causas
As dilacerações...
Não lhe tenho compaixão
Porque ele não me tem compaixão
Estamos sós;
Eu e meu irmão
Separados pelas indiossincrasias
Separados pela mesma verve
E pela mesma traça
Não quero meu irmão sorrindo
Nem quero meu irmão matando
Quero-me só,
Quero-lhe só,
Quero comparar-me a ele à hora do instinto
Se houver instinto pairando sobre nós
Depois não quero nada
Quero-me assim
Eu aqui, ele do lado
Meu suposto irmão
Aquele a quem eu deveria amar com a mim mesma
Mas nosso amor mutuamente castigado
Individualmente castigado,
Não me permite amar como devesse.

04 July 2007

SOLIDÃO E AR


São as minhas calças tristes,
Tão pretas,
Tão sombrias
São meus olhos que se cansam demais
Quando é de dia
São os gritinhos que dou
À hora do banho
De descontentamento
São as garças feias, que nem existem aqui
E que quero alimentar com pão de ontem
Sãos os pesadelos bravos
Que eu monto a cavalo quando durmo
E são as pedras de gelo
Que mordisco e engulo
São lágrimas que não quero verter mais
São mágoas que esqueci de envelopar
São feras que me domaram
São ventos que já passaram
São vacas pastando ao contrário
São as distâncias marcadas em milhas de rodagem
São solidão e ar.

02 July 2007

POEMA DO ADORMECER


São em dias como esse
Em que o sol cumpriu sua obrigação sem reclamar
Que a noite baixou sem nenhum traço de rebeldia
Ou de cansaço
Ou de mesmice
Que eu reflito sobre o que vivi
A mesmice que me acabará
O cansaço que me atou os pés
A obrigação de ser
Não mais a poeta que empilhas as letras
Mas a que indica o caminho
A que sinaliza o caminho
Que pavimenta e anima esse caminho
Por onde outros haverão de passar.

01 July 2007

POEMA DO SONHO DO POETA


Dá muito trabalho ser o que sou
No entanto,
Ao fim de cada trabalho
Sorrio e me digo
Que o trabalho foi bom
Eu sou o metal que no frio não se arranha
E no calor se pinga, lisa e satisfeita
Eu sou a palha que aninha e que afofa
Mas que se extingue quando se queima
Não me dê o seu silêncio, nem sua distância
Dê-me proximidade, dê-me seu calor
Porque posso me esquecer do fui um dia
Para você, que é mais morno que a tarde
Para mim mesma, que sou mais fria que o sal
Para o todo, que é o sal amornado do tempero
Sou tudo dentro do todo,
Sou intensa,
Com o raciocínio mais alerta que o coração
Para mim, a razão é tudo
O coração é só o ajuste da viagem
- Eu sou a poeta avessa,
Aquela que nunca sonha
Mais do que o sonho possa suportar.


POEMA DA ACEITAÇÃO


Faço arte das minhas palavras
Gosto de falar devagar e gosto de falar enrolado
Porque minha língua, muitas vezes fala por mim
Quando eu quero que sim,
E quando eu quero que não;
Mas sou uma mulher simples
E entenda o que é simplicidade
Como eu entendi um dia
Se amo, amo
Se sinto prazer, desmaio
E digo que desmaio
Se há alegria, me alegro
E o meu rosto brilha e ri junto com o ar risonho
E se há tristeza
Me afundo no profundo da tristeza
No resto sou normal
Acordo e abro meus olhos à força de motor
De manhã sou meiga, à tarde mostro meus dentes
Quando é noite quero que alguém me ame
A vida vai passando feito rolo compressor
E eu vou anotando no calendário a minha felicidade
Que é pouca, mas é sábia
Sabe que tudo têm um fim,
Sabe que os começos são mais atraentes que o meio
Pouco sei de mim, mas o que sei
É que me sei pouco
E que me aceito.