Meu amigo,
Você me pediu que lhe escrevesse via blog, então aqui vai o meu recadinho antes que estejamos morrendo de sono, não só para escrever, mas até para ler o que foi escrito, mesmo que seja em letras garrafais.
Não se importe com minha tristeza ou meus desavanços. Se um dia rio de tão contente, no outro desabo em casca imaginária de banana; as emoções são muitas e meu coração, descubro que não é de papel, como dizia aquela música.
Bem que a alegria tenta tomar conta de tudo, porque lá no meu intimo, devo ser uma pessoa bem alegre, mas é que a vida me deixou boquiaberta diante de tanta malvadeza e não há um único dia em que eu não repense a tremenda insanidade de terem me trazido para cá. Lógico que disfarço e nisso sou artista, porém às vezes até o disfarce cansa um pouco e eu volto a ser aquela que se entedia rapidamente com as coisas e com tudo. Até com as pessoas. Inclusive com as pessoas. Principalmente com as pessoas.
Sim, meu amigo, as pessoas me cansam; as pessoas não são maravilhosas e nem o mundo é Wonderful World. É um mundinho de carrapatos pensando que são os donos do cachorro, de gente absolutamente equivocada e triste, e nisso, claro que me incluo. Incluo você também, se me dá licença, porque tanto você como eu fazemos parte dessa selva de leões que briga com insetos. Luta desigual, meu amigo, você sabia disso antes de mim, todo mundo sabia disso antes de mim e eu descubro só agora. Como Dom Quixote e seu fiel Sancho Pança, também fui atrás dos moinhos de vento, mas encontrei só o vento, os moinhos estavam desativados e Sancho Pança me abandonou bem no meio do caminho, sem olhar pra trás, carregando a pança gorda para outras praças.
Faço de conta que o mundo é feliz jogando meus cabelos para lá e para cá, um cacoete que trago desde criança; a mulherada adora e os homens devem pensar que sou a criatura mais brejeira da cidade. Puro engano, meu amigo. Mexo nos meus cabelos como gostaria de mexer com minha vida, que ora deveria estar aqui e ora deveria estar lá. Só que minha vida não se mexe, criatura, está estática e insensível aos meus resmungos, embora eu tenha clamado às divindades por mudança, mas a minha comunicação com o paraíso deve ser falha ou devo ter me enganado enviando sinais de fumaça aos orixás quando deveria ter oferecido as prendas. Creio que eles se zangaram, porque aqui só há mudança climática na cidade, às vezes faz chuva e às vezes faz sol. Não há nada no entremeio, nem sol com chuva, nem sol na chuva, nem sol de chuva, nem chuva de sol. Uma mesmice de dar dó.
Mas não desanimarei de viver, meu grande amigo, porque não tenho propensão para suicida e muito menos desejo que me matem. Quero viver então de um jeito bem lentinho e sarcástico, observando tudo com esses olhos miúdos que me deram, cada vez mais incoerentes e fechados, contudo, bem abertos pra dentro. Abertos para dentro, primeiro para saber mais de mim, o que eu penso, o que aprendi e o que desaprendi também, porque nem eu mesma sei depois de tanta madrugada em pé, andando pela sala e decorando a cor do quadro. Depois, quero viver também para saber do mundo, do que há aqui fora, e humanamente falando, do que há de sobrenatural, porque muita gente mentirosa jura que vê e sente, mas eu francamente desconfio que não exista nada. Mentir também é parte do jogo, meu amigo, as vezes eu sei jogar, as vezes não. Burrice minha, saber jogar bem o jogo da mentira é passaporte para a comodidade. Saber jogar o jogo da verdade é ticket para o precípicio, portanto a gente tem que aprender rapido a contar as verdades mentirosas para sobreviver aqui. E sobreviver de pé, porque há muita gente que sobrevive mendigando atenção , afeto, dinheiro, calor. Assim não tem graça, é preciso sobreviver à custa da gente mesmo, do que se inventou e se acreditou que estava certo.
E portanto, meu amigo, por isso é que eu escrevo. Escrevo para jogar a frustração
master para fora da minha circunferência do dia, só que o tiro sai pela culatra, e quanto mais me leio, mais acho que estou certa e que nada vai dar certo no final.
Também lhe rogo que não se importe mais com o meu pessimismo. Meu pessimismo é coisa fina, garimpado com bateia grossa e irônica para separar somente o que não presta.
Não é o pessimismo de sempre, meu amigo que me faz a companhia feito pajem, é só a constatação de que a gente se conforma com os finais das coisas quando as coisas nem bem chegaram ao seu final. A gente diz: “ Final Feliz” , mas aí é que o diabo ri escreve o fim do livro.
Então, creia em mim, meu caro amigo. Não vou morrer afogada em minhas próprias lágrimas e nem mesmo me pintarei de verde para me confundir com samambaias de plástico, porque louca ainda não sou, embora já até tenha pensado comigo mesma que seria uma tremenda de uma solução. Contudo, a minha mente lúcida e prática ainda me patrulha de fuzil em punho, e isso é o que é há de pior; viver nesse mundo idiotizado e ainda manter a lucidez. Coisa para marmanjos, meu amigo; a vida não foi feita para qualquer um.
Mas assim eu vou vivendo cada dia, pateticamente sem o respeito mínimo pelo que me cerca. Também não exijo respeito algum por mim, basta que me errem cada vez que me olharem direito e que eu seja uma espécie de fantasminha camarada, que poucos vêem e quem vê gosta. Isso me bastará.
Finalmente, lá para frente, quando estiver uma velhinha consciente e sem dentes, sem esses cabelos fartos que eu arrumo e desarrumo, quando tiver que fechar os olhos para sempre, quero mesmo é dar uma boa gargalhada final e já quase eterna, e dizer para quem quiser ouvir; ao gato siamês debaixo da minha cama, à neta chata que chegou de fora, ao genro rico que me tirou a filha, ao ex-marido que me tirou o ar:
“
Isso é o que chamaram de vida”? Daí, eu vou. Contente por ir. E principalmente porque já me cansei daqui.
A carta foi longa demais, meu amigo? Você dormiu?
Hum, eu também. Dormi no ponto.
Beijos e até mais.