28 April 2007

NOS PRATOS DA BALANÇA


Para você, que ficou
Ficou também um partido de coração
Uma angústia de passagem
Um grito que abafou a garganta
E um sentimento repleto de pavor
De que eu não volte mais ao meu estado
Que eu enfim me restabeleça do turvo e do passado
E que eu lhe veja, agora longe
Mais distanciado
Ainda sou mansinha,
Ainda tenho a carne tenra e um jeito de menina
Ainda sei amar
Mas na lonjura, no vértice dos seus olhos
É que vou entrar nos pratos da balança
Saber o que é meu
E o que nunca mais será


27 April 2007

COMPREENSIVA?


Tenho sido compreensiva por cinqüenta anos.
Nasci compreendendo; nasci de sete meses e compreendi que não valia a pena esperar mais a fim de que minha mãe logo se acostumasse comigo. Compreendi e aceitei o nome que me deram, a família que me impuseram, o afeto que me dedicaram.
Compreendendo vida afora, fui me afastando do que era amarfanhado, mas o amarfanhado não adianta afastar; a vida está cheia deles, nem bem a gente se desvia de um já está esbarrando em outro. Então, foi pulando uma cerca de preocupação, uma ribanceira de mágoas represadas, um rio turvo de lágrimas que jorravam, que compreendi que a complacência foi inútil e exacerbada.

Tenho sido compreensiva com os fortes, mas também com os fracos. Entendi a dor dos outros assumindo as minhas próprias. Dediquei-me ao fundo no mais negro porão, sabendo que nem sabia sofrer direito ainda; fiz do monturo um parque nacional, emendei as lástimas até de madrugada, chorei o choro de criança já adulta e me desesperei quando as portas que eu chutava não se abriam.
Fiz de mim uma Joana D´Arc fajuta e miserável; tentei vencer as causas de terceiros e de quartos, quando não tinha nenhuma causa íntima para lutar, vi os anos se passarem como se fosse um filme, e quando o The End apareceu na tela eu já estava exausta de tanto dar rewind.
No momento em que eu já estava tonta de tanto rodopiar, recebi uma rasteira que me jogou ao solo; nem assim deixei de sorrir e de pensar que a subida seria mais gloriosa.
Recomeçar para mim é baba, fingir que está tudo bem é coisa que acho mais do que normal.

Compreendendo tudo, fui ficando irônica, as palavrinhas que eu escolho a dedo são ácidas; tem gente que não percebe, então eu vou jogando e adocicando aquelas que preciso suavizar.

Mas a notícia que meu coração neste momento declara é direta como o tiro no pardal.
Compreensão aqui, depois de cinqüenta anos, já parou.
Não lhe compreendo, nem vou um dia lhe compreender. Farta estou de excuse moi.
Se a compreensão tem validade, a minha já amarelou.
Consulta a validade dos meus sentimentos e prepare-se para o pior. O pior aqui é só a ausência da minha paciência e o fruto indesejado do meu mau humor.
Tem coisas na vida de outros que são infinitas; na minha, quero que tudo tenha prazo para acabar.
Sou compreensiva numa coisa, aceito-me, vou aceitando-me assim no percurso dos atos; mas certa de que não sou mais subserviente, e o que repica agora eu rebato.
Vamos recontar a vida de hoje em diante de trás pra frente, primeiro não lhe aceito, depois, eu só recolho aquilo que já me baste.

Antes de me pedir compreensão, primeiro vive a vida que vivi, depois remonte-se, ponha-se de pé, analisa a sua conduta, daí quem sabe a vida lhe sorria e você seja como eu?
Um pouco dura e muitas vezes, sombria.

NEM BEM NEM MAL


Neste momento de caos
Nuvens escuras aneladas
Terror dentro de mim, eu acuada
Rezo para que todos os santos da esquerda
- os da direita não me deram bola -
Livrem-me do mal
E o mal está por perto
É bicho de pelo com olhos animais
Tirem-me do laço
É armadilha de vento que pega no ar
Livrem-me do choro
É punhal que ataca e lâmina de sal
Primeiro, quero esquecer
E depois sorver
Uma simpatia emprestada
E um sorriso enganoso de quem já conheceu a serenidade
Pouco conheço da serenidade
Os que me querem bem, só mal me fazem
Os que me querem mal, nem bem nem mal lhes faço.

25 April 2007

PRAZER NA DOR


Para a minha irmã, Azália, que sempre se assusta com o pensamento e a palavra do poeta.

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Por que você me julga nas palavras?
Não sabia ainda que um poeta é o arrebatador das próprias emoções?
O que é feio na linguagem?
O dizer "nunca mais", o "acabou"?
É trágico e cômico o caminho que eu percorro
Preciso hiperbolar, exagerar,
Transformar o cotidiano simples em
Poesia
Não me julgue demais
Se a poesia
Que eu escrevo é o extremo da sua visão.
Poesia é isso,
É dor no prazer,
Prazer na dor.

DIA DOIS


Antes, quando eu era feliz,
Gostava de tudo
Apreciava tudo
Via beleza até na tampa do lixo
Que está respingada da tinta do quadro novo
Que enfeita a sala.
Agora, nunca mais vou amar um dia 2.

24 April 2007

ESTRELA NOVA


Jamais vou sentir de novo
O deslumbramento de ter visto um céu de abril
De noite;
O escuro-escuro era um azul-tablado
E as estrelas, umas jóias assentadas.
Aquela que eu vi, estrela nova,
Que apaziguava a ardência das demais
Era a estrela nova que ardia, vaidosa,
Eu também ardia,
Essa jóia em mim,
Nem tão resplandecente,
Nem tão nova,
Mas numa ardência de quem conhece os sonhos
Só daqui debaixo

POEMA DA PREPARAÇÃO


Um dia eu não lhe direi mais
" Estou cansada",
Nesse dia, veja se abre bem os seus olhos enevoados
Iludidos,
E me enxergue pela última vez
Porque eu não saberei nem lhe dizer que fui
Quando já tiver ido.

PRIMEIRO POEMA DA MANHÃ


Macio, feito o capinzal fresco e alto de uma mata
Forte, como o sangue grosso e quente do espanhol
Livre, assim como a parábola que a gaivota inventa
Quando risca o céu
E azul,
Assim seria o poema que escreveria agora
Um lago, isolado
Porém, azul;
Que o barro decantado lhe fosse removido
E que lhe pintassem de aniz a superfície.
Assim eu desejaria meu primeiro poema da manhã
Um tanto de água que fosse azul torquoise
Lembrando-me um amor em prismas, espelhado
E uma vida simples,
Que é o acordar, o respirar sem dor,
Sem me dar conta
Dormir à sombra de mim mesma,
Esquecer racionar,
Esquecer o escarnecimento do lógico
Esquecer que um dia pensei, pensei

Sem que houvesse interferência do pensar nos atos.
Assim seria o primeiro poema da manhã
Essa paz de ninho, esse azul de água
Essa alegria pequena , dentro dessa calma.

23 April 2007

INTEIRA


Muitas vezes me pergunto se alguém me lê, regularmente.
Todas as vezes que penso, acho que não. Penso que estou escrevendo igual a nada e alma nenhuma sabe que eu existo. Em suma, que estou “fazendo careta prá cego”, como diria meu pai.
Mas se alguém me lê neste momento, saiba que tudo o que escrevi até agora é frágil e mutável. O que penso hoje não pensarei amanhã e não desejarei pensar amanhã de manhã; porque a cristalização do ser me fastia; o previsível me enoja. A mesma coisa me cansa, como me dói viver dentro da mesmice de todo dia! Sou e não sou, acabo de falar e já desfalei, assim, se eu morrer aos noventa e dois, como supunha que viverei, já terei sido o que nunca quis imaginei ser. Inteira.

FELICIDADE É SORTE


Fiquei escutando uma conversa sobre o que é ter felicidade. Falaram e falaram; ouvi gente falar de dinheiro e da falta de dinheiro que para alguns, também é felicidade. Outros falaram em conhecer lugares, a maioria concordou que tudo é um estado de espírito.
Mas que estado de espírito? De que espírito falam e falam?
Não falei nada, nem posso; a minha felicidade é única e incompreensível para os outros; só faz sentido aqui dentro de mim mesma, que é acordar sem pressa, cantarolar baixinho uma música de Tony Bennet que ando ouvindo sem parar; à hora do banho imaginar que nasci na água e na água vou me acabar, passar meu batom cereja que toda manhã amadurece em flor, me perfumar com absinto e o aroma da cerveja de anteontem que permaneceu em mim, e ir para a rua; olhos de rua e ventre em outro lugar, já imaginando que vou me arrastar de amor até que meus dias me morram.
Amanhã minha felicidade estará mais exaltada, porque às terças feiras, além de ter feira ao ar livre bem aqui na minha rua e o burburinho da multidão gritar cenoura e bater feijão, terei uma manhã de caprichar do alto dos cabelos até a planta dos pés. Amanhã vou acordar mais cedo, vou tomar leite de cabra, depois deitar de novo, apertar bem minhas pernas contra o travesseiro, chamar os bem te vis só para me verem de perto, saber que haverá mais uma tarde de chá e sorte.
É isso, felicidade é sorte.

POEMA DA MORTE PERFEITA


A morte deve ser a melhor coisa do mundo
A morte não deve ser fria e escura
Deve ter risada e calor;
Para mim, a morte para ser perfeita
Teria que ter todo o tempo infinito de fora do mundo
Um lápis bem apontado,
Um bloco de papel branco que se renovasse,
E a minha poesia, cadente e pontual
Sem a preocupação de quem me lê e quem me julga
Morte perfeita é paz
A paz é aquela que nos deixam em paz.

POEMA DO AFETO VERDADEIRO


Se eu tivesse um afeto verdadeiro agora
Primeiro, cortaria-lhe bem rente, as unhas dos pés
Que é pra ele nunca me machucar na hora do amor
Ou na hora da displicência do amor
Depois não faria mais nada;
Ficava olhando esse afeto ir e vir
Passar e tropeçar.
Afeto verdadeiro a gente não segura
Nem lhe interrompe a caminhada
Passa, a gente suspira
Volta, a gente agoniza
E o amor fica assim,
Verdadeiro,

No sobressalto do hiato

O ETERNO NA POESIA


Porque hoje é uma segunda feira promissora
- As segundas feiras eram meu terror quando eu era ansiosa –
Acordei querendo ouvir piada de papagaio
E me enfiar dentro do freezer só pra saber que sentir frio às vezes é bom
Tenho comigo que para ser feliz
Basta ter duas pernas como eu tenho
Uns olhos líquidos que não deságuam marrom

Deságuam um mar inteiro, que é movimento e sal
E um coração fino, que pensa e sabe
O resto é coisa que inventaram
Se eu pudesse, eu jogava mel por sobre a minha virilha
E deixava que insetos me sobrevoassem
E tudo que fosse flor nascesse em mim
Vou viver o dia de hoje do jeito que comecei
Primeiro eu sonhei, depois acordei
E continuei sonhando
Em levar minhas pernas para outro lugar que não seja esse
Mas a minha cabeça ficará nessa segunda feira amorosa que eu criei

O que é efêmero para os outros,
Para mim é gozo prolongado
Tudo que faço prolongo um pouco mais
Para morrer de prazer à frente, mais adiante,
Conheço a dor, mas sei que o prazer é dor também
Dor de doer por dentro de tanta dor.
Meus cabelos estão lavados e brilhantes
Dane-se se vai chover
O que sei, o que saberei, contudo
É que ainda é abril no céu da minha janela
Sempre será abril em mim enquanto eu viver;
Minhas forças são máximas
E meus desejos, cabíveis
Em mim, na poesia, no eterno.

21 April 2007

PREGUIÇA, PAPAIA E BAHIA


Tem muito tempo que tenho preguiça, pecado, senão mortal, pecado de qualquer maneira.
A preguiça nunca deveria ser confessada publicamente, mas não tive ainda o menor pudor de confessá-la, já que a confesso no meu íntimo todos os dias. Adoro ter preguiça e sempre adorarei; este é um dos meus defeitos mais exaltados e cultivados que trago em mim; se defeito todo mundo tem, a preguiça é um dos mais saudáveis, na minha opinião. Se não prejudica ninguém, pelo menos inspira os apressadinhos a tirar o pé do acelerador. E como é bom descansar!
Minha avó Mariquinhas era a representação do movimento; já velhinha, ainda estava atrás dos outros, na cozinha, verificando almoço, janta, lanche, roupa de cama. Na minha familia há muita gente assim. Minha irmã Azália também vive num afã de começar uma coisa e terminar outra, as mãos sempre ocupadas com os objetos, trocando-os toda hora de lugar, ajeitando aqui e ali, os olhos no vão das coisas.
Tenho outra irmã assim também, Suzana, cavalo no horóscopo chinês, cuja lema é "trabalho". Se não está trabalhando, está limpando a casa ou passando roupa, o soninho da tarde no final de semana é o sono dos justos; só depois de tudo arrumado. Meu irmão Júnior é a força motriz dele mesmo, levanta cedo, trabalha como um zumbi não questionando nada, nos fins de semana, abre o "briefing" e toma lava moto, lava carro, supermercado, despachante.
Tive uma tia assim também, tia Madalena, sossegada, tão boa, a tia Madalena, cujo mote da casa era de dar saracutico em santo. Comidinha lá não virava, era ceia todo dia. Pernil sobre a mesa, da hora do almoço até a janta, pão de queijo saindo do forno, bolo de fubá, e tudo com a quela calma de quem reza terço. Nem bem sentava, levantava-se, girando assim feito mariposa em cima da gente.
Minha mãe também foi uma mulher diligente, se ela se deitava um pouco, era para depois recomeçar a lida com os filhos, cada um numa idade e exigindo tudo. Não reclamava de nada, só ia fazendo, fazendo, até a hora da gente se deitar. Como eu admirava minha mãe!

Acho que sou o avesso da familia e a ovelha, senão negra, bem rebeldinha da matilha. A pressa dos outros ainda me assusta, a correria mata-me. Vivo no meu ritmo e tentar dançar a dança dos outros me faz um aviltamento que não me permite querer prolongar a vida.
Já de manhã me levanto com preguiça de tomar café, fazer o café é ritual então que tento fazer de olhos ainda fechados que é prá não sentir o peso da obrigação.
Hoje de manhã foi assim, abri um dos meus olhos bem miudinhos, e vi que por sobre a geladeira, na fruteira, tinha um mamão papaia no ponto de maduro; era comer hoje ou não ia prestar mais. Pensei por um segundo.
E a preguiça de abrir a gaveta, pegar uma faca, cortar o bicho ao meio, tirar as sementes, colocar num prato, e deliciosamente sorver a polpa da papaia?

Sossegue, meu amigo, fiz tudo isso como um dever de monge, e agora, fiquei feliz. O gosto macio do mamão, doce como a minha infância, o cheiro bom da fruta recém cortada, a possibilidade de se comer uma pasta alaranjada e mole que nos espera, paciente e a sofreguidão de ter-se comido finalmente a doçura dos melados que não contêm o artificial, tudo isso valeu a pena. A minha preguiça hoje não me venceu, e quando é assim, congratulo-me comigo mesma. Venci uma barreira, e foi divinamente conquistada.

Acho que poetas são preguiçosos mesmo, e ainda acho que vim nascer no lugar errado. Eu deveria ter nascido na Bahia, e a esta hora já devia estar debaixo do coqueiro, falando assim para o primeiro bobinho que estivesse perto de mim: " - Oh, meu rei, pega aquele côco ali, que se ninguém pegar ele não vem sozinho aqui..."
Poeta e Bahia são coisas inseparáveis. Devia ser proibido na poesia nascer e crescer num lugar tão ritmado como o estado de São Paulo.
Quanto mais vivo mais descubro que a melhor coisa para um poeta é ficar paradinho, olhando o nada, sentindo a brisa passar, o dia passar, o ano passar, a vida passar, e a gente, só poetando por dentro, e ficar imaginando como seria doce comer a outra metade da papaia, que está lá a minha espera. Mas vou deixar prá outro dia, já aprendi que papaias podem esperar.

20 April 2007

PRÁ CRISTO É JUSTO?

Estão me perguntando porquê peguei o papa "prá cristo".
Primeiro preciso pedir perdão às almas mais nobres que me lêem; não é do meu estilo ficar denegrindo ninguém, além do mais uma autoridade como o papa, mas também, "pegar o Papa prá cristo" não é ofensa nenhuma., visto que os dois, Cristo e Papa são da mesma área. Campos afins, tudo fica dentro de casa mesmo, ninguém sai mortalmente ferido.
Seria diferente pegar outra pessoa pública "prá cristo", por exemplo, aquela loirinha sem graça chamada Eliana, que acaba de se separar do chef-apresentador da Record. Os programas da tarde não falam de outra coisa.
Nunca a pegaria "prá cristo" pelo simples motivo de que ela não me interessa em nada, o ex ou ainda marido também não, e porque essas loirinhas vivem disso, de casar e descasar toda hora, então não seria justo. Ué, não foi ela quem namorou o Justus?

MAIS UMA DO PAPA BENTO XVI (AI, AI, AI...)

CIDADE DO VATICANO - Os teólogos do Vaticano estão convencidos, após vários meses de reflexão, que o limbo não existe e que as criancinhas mortas sem o sacramento do batismo vão diretamente para o paraíso. (Site da Uol de 20/04/07)

Para os desavisados: Limbo é o que em inglês chamam de "nowhere", ou seja, não é nada, um vácuo onde as almas não passam por julgamento e ali ficam, perambulando.
Pensei que os poetas fossem pra lá, pelo visto, não, só as criancinhas sem batismo é que iam, agora, não vão mais; paraíso para elas agora é vôo non-stop.


E os poetas, Senhor Papa? Estão onde e para onde irão?
Após mais reflexão, será que os teólogos não poderiam fazer um mapinha mostrando onde a poesia nasce e onde ela desemboca?
Esse Papa deve ter uma comunicação direta com o Senhor, tipo fone "hot line"; tá sabendo coisas que ninguém poderia saber e os teólogos do Vaticano estão carimbando tudo.

O penúltimo Papa, o querido e finado João Paulo 2o. era um papa pop, beijava o chão já no aeroporto onde quer que fosse, mas não abria os mistérios do céu prá ninguém. Só beijava e seguia, montado no papamóvel, sempre acompnhado do coral de criancinhas e uma Fafá de Belém nacional em cada terra que passasse.
Este agora, é um vanguardista, está revolucionando os céus, internacionalmente. Nada de performance em aeroporto. É tudo lá em cima mesmo.
Amanhã, por exemplo, posso, sem me surpreender, encontrar na web uma entrevista de que Deus virá ao Brasil na comitiva Papal, e pior, que o Henry Sobel será perdoado durante o Jornal Nacional.
Aff !!!

SE QUISER ME AMAR


Se alguém quiser me amar
Tem que contar primeiro até cem
Depois recontar ao contrário pulando os números primos
E finalmente decorar meu nome de cabeça prá baixo
Dando pulinhos num só pé,
E ainda assim se contentar em amar sozinho.

Amar um poeta é a tarefa mais difícil que se possa empreender
Poetas não sabem dividir o amor, poetas não possuem faca de fração
Nem lei de doação,
Poetas amam só a poesia, e a poesia está em nós.
Os poetas amam-se a si próprios em primeiro lugar,
E depois de tanto auto-amarem-se,
Os poetas descansam no amor insatisfeito dos outros que eles amaram.
Amaram, sim, mas amaram, mal.

THE DAY AFTER


Hoje, depois de ter escrito sobre as felicidades de se apreciar um feriado antecipado e um vinho tinto solitário, acordei igualzinho à Tiradentes: um nó previsível na garganta, um incômodo no pescoço, a cabeça decapitada que deixei no primeiro gole e aquela sensação de morte lenta de quem sabe que vai ficar na história.

19 April 2007

TIRADENTES E O MEIO CHEIO, MEIO VAZIO


Hoje ainda é quinta feira e o feriado de Tiradentes aproxima-se, ainda longínquo, no sábado. Estou feliz; Tiradentes esse ano cismou em morrer num sábado e eu não estou nem aí para a sexta. Por mim, Tiradentes acaba de morrer nesta quinta feira às 21:50, portanto estou exultante. Amanhã não dou aula nenhuma, vou acordar cedo, tomar café bem preto, comer uma macia e pequenina bisnaguinha Jack com margarina light e sair pra caminhar no Curupira, certa de que a vida é assim mesmo. E tome Tiradentes antecipado!
Tiradentes deve ter sido um mártir e tanto, estou me sentindo tão plena de vida, que ainda o martirizarei mais amanhã o dia inteiro, para acabar de matá-lo no sábado até que eu vá dormir. Quero que Tiradentes morra toda a hora que bater o sino; e que morra muito, que morra devagar, e para meu próprio bem.
Porque estou feliz, abri uma garrafa de vinho tinto. Porque mereço. Porque gosto de me sentir assim, descompromissada com tudo e comigo mesma. Porque o vinho aquece a alma e alegra o rosto. Não preciso ir ao espelho agora conferir no meu rosto os olhos mais brilhantes e a pele ruborizada. A alegria traz o que o vinho revela, o rubor do conforto e a premissa de ventos bons que ainda virão. Agora, então, verifico, contente; tudo está bem.
Enquanto escrevo, observo o cálice de vinho ao lado deste computador. O copo alto está meio vazio, o que me lembrou agora aquela estória estúpida de Polyana, de ver um copo pela metade, positivamente meio cheio, negativamente, meio vazio. Não gosto desta visão simplista das coisas. Acho que as implicações eternas e impermanentes da vida são mais complexas do que são e o buraco é sempre mais embaixo. Mas há pessoas que simplificam tudo; Polyana é um baita de um sucesso há pelo menos duas gerações e eu me mordo de revolta por saber que há pessoas que acreditam no quem lêem, e o que é pior, passam a tese adiante. Se a humanidade é burra, sou também, já que sou parte do todo, mas também nunca me conformei com a humanidade, isso não quer dizer que sendo parte, concordo em ser. Nunca concordarei, e aí é que está a graça.
Mas, hoje, especialmente hoje, tudo está meio cheio em mim. Meio cheio de vida, meio cheio de alegrias, meio cheio de amor por mim mesma, pela vida que construí e que ainda me embala e pela vida que pavimento, agora só, sem as responsabilidades por compartilhar atos alheios. Eu faço e permito-me fazer. Eu decido e sigo, eu lamento e recuo, sozinha nesta minha decisão. Meu leme tem uma única mão e toco o barco absurdo de papel, sentindo segurança nesta mão. Mão meio cheia, agora nada vazia. Nestes anos que vivi, edifiquei paredes de solidão e hoje derrubo essas paredes. Cimentei comportamentos, hoje chapinho por sobre eles. Quero ser, e sou. Serei, portanto; já me sinto como sendo, porque quero assim.
Tiradentes e eu somos uma única pessoa neste momento, morremos todos os dias, ele por causa alheia, eu, por causa própria, matando o que houve de usurpação em mim. Ele venceu, virou feriado, eu venci; virei mais eu e faço feriado em mim quando me dá na telha.
Tenho absolutas verdades e meio pressentimentos. Falo e espero a reação, não me importo mais sobre a força dessa reação; a minha frágil força hoje me basta. Se o vento sopra prá cá, acerto as velas prá esse lado, se está soprando para lá, vou ver o que vou fazer. Suspiro, e decido. Sozinha.

Nunca me conformei com o mundo; o pé de mundo que plantaram no meu quintal nunca deu fruta boa. Ainda me inconformo e agora mais. Não quero quer dizer - não quero - e " desejo", para mim quer dizer " hoje, conseguirei" . Luto e tenho resolvido, falo e decreto uma posição. Nem sempre dá certo, mas a intenção é sóbria, e o desejo, verdadeiro.
Tenho planos de mil folhas, as folhas que escrevi estão fechadas, mas não as lacrei, ainda as revisito, e como suspiro de feliz ao ver que as escrevi! São mil folhas de noites solitárias, de incompreensões, de distanciamentos, mas de adventos únicos, de como me empinei numa noite de sábado em que chovia, e eu estava tão só, mas me lembrei num instante da força de minha mão, do meu coração de lebre, que corre e safa-se, daí eu sosseguei.

Toda a minha vida foi aquela sucessão de corrida e parada, puxando o ar quando pudesse, aquietada, para correr mais um pouco adiante e parar de novo. Venci correndo a corrida dos loucos, correndo eu sei do quê, mas nem sempre sabendo porque parava.
Minha vida tem sido um despencar e arribar constantes, mas neste minutinho, concluo que não foi por mim mesma que a roda louca rodava. Os fatores mais do que externos me agitaram, como à uma água parada e tive que marolar, marolar, até chegar aqui, crespa e instável. Se permaneço neste estado, sinto que preciso revirar, hábito de quem enxergava o copo meio vazio. Hoje meu olho de mártir simplificado enxerga um copo que está meio cheio, o vazio dele é a falta de compreensão de quem anda em volta de mim.
A plenitude de uma felicidade foi habilidade de peão que tive que aprender rapidamente a usar. O montar o touro mais forte que saltar sobre Minotauro e esperando que a porteira se abrisse; tudo que tive que fazer foi benzer-me e cair na sorte.
Meu touro foi mais bravo do que eu supunha, mas a morte não me pegou, muito menos o tombo final. Tive, foi sorte. Caí e me ajeitei, deslizei e voltei ao prumo. Aprendi a jogar, a me fingir de morta e a apertar no lugar certo o lombo da besta. Aprendi que a vida é certinha pra quem sabe ter corpo mole. Enrijeceu, perdeu. Fui adquirindo aquela consistência de molusco por sobre o duro da vida, cai aqui, ajeita ali, e assim, meio encaixa, meio monta. Vida é balanço, é movimento, ganha quem sabe montar.
Hoje sou santa de terreiro, aquela que fala com propriedade o que a vida é. Quem me vê não me conhece; quem fala comigo, não me compreende. Mas tenho o respeito de meia dúzia e quem me vê de longe sabe que não entro em briga, no máximo, aposto, no mínimo, fujo.
Mas há quem diga que sou doce como a pedra azul do fundo do aquário ou ingênua como a menininha sem sapatos que conheci no Bairro Alto quando eu era criança.
Não sou, nem uma coisa nem outra. Sou dura por dentro e por fora, macia, e agora, meio cheia e meio vazia, como o taça que vejo à minha frente, com o perfume da uva tinta que pintou meus ais, ou do vermelho do meu rosto que ruboriza meu passado.
Sou meio cheia de sonhos e meio vazia de dores. Os sonhos, eu alento, as dores, já quase me esqueci. Tenho pena de quem carrega dores; é gente de corcunda baixa e andar arrastado. Gente de dar dó. Eu só inspiro.
Sou serelepe e surpreendentemente ainda criança; aprendo e sei desaprender depressa, ando empinado, sou cheia de esquecer do que me fizeram. O que eu faço, também esqueço, portanto, ando ereto.
Sou como Tiradentes agora, meio mártir na quinta, cheio de dor no sábado, dor de quem morreu por causa alheia, não porque quisesse, mas porque foi obrigado a morrer, para que eu tivesse esse momento interno e profícuo como agora.
Vinho tinto que desce gostoso, uma noite inteirinha pra dormir, feliz, uma paz de quem cumpriu seu deverzinho de viver um dia de cada vez e um desejo de que o mundo não se acabe no sábado e Tiradentes aguente mais um pouco para que eu prolongue meu prazer.
Tiradentes foi necessário nesta noite para mim. Que venham as conspirações! Eu tenho um copo, agora, meio cheio, meio vazio. Mais cheio que vazio. Me basto.
Tiradentes, me desculpe, mas vá morrendo devagar, meio culpado e meio antecipado, e se puder, tenha uma boa noite. E morra todo ano, por favor, com vinho tinto derramado sobre o sábado. Perdão, é a solicitude da vida que vibra e clama; não morro mais por ninguém, e nunca mais, nem mesmo por mim.
E tome vinho!

18 April 2007

QUIRERAS


Se há uma coisa que eu detesto são aquelas pessoas, que depois de nos prestarem um imenso favor nos acolhendo, dizem-nos: - Desculpe qualquer coisa”.
Qualquer coisa eu não desculpo, eu nunca desculparei. Ignoro-as.
Um ato gentil em favor de nós jamais deveria ser colocado à prova de desculpas ou julgamentos; é um ato solidário, que está acima de qualquer admoestação. Grande em si, enaltece quem o faz, endivida quem o recebe.

Só me interesso pela compaixão nos grandes erros e nos grandes deslizes. Eu mesma, quando cometo grandes faltas, peço perdão, primeiramente à pessoa que foi afetada, e depois a mim mesma, por não ter compreendido a grandeza da ocasião.
O resto é quirera que passarinho come, nem faz peso, nem faz montão.

CONTINUANDO... SOBRE O PAPA


Esse assunto não me larga hoje, então lá vai:
" O Papa Bento XVI declarou que o segundo casamento é uma praga".
E o primeiro, é o quê ?????????
(Papa que não se explica é papa tudo, é só papatada)

CÉU E INFERNO


Hoje acordei com o céu e o inferno declarados dentro de mim. Nem bem resolvo acordar, leio uma declaração do Papa Bento XVI que há inferno; e que é eterno.
Suspirei, aliviada. Dentro das polaridades positivas e negativas as quais tanto me refiro, se há diabo, há santo, se há alguma forma de tortura, haverá também algum alento. E eternos.
Céu e inferno sempre foram imagens renascentistas fortes em mim e de gosto duvidoso, os artistas carregavam pesadamente nas tintas para definir que o que é azul e bom; se é vermelho, é pérfido.
Não que eu prefira imensamente os vermelhos borrados, a cor de sangue derramado em potes, mas somente aquele azulzinho de manto de Virgem Maria referendando o céu nunca me impressionou. Azul relaciona-se com o firmamento, que reflete a cor do mar, portanto mar e céu são de uma só cor, embora as nuances possam variar de acordo com a luz. Para mim, então céu é luz, que reflete tons, e luz não tem cor, embora seja a soma de todas as cores transformadas em branco quando giradas em hélice. Concluo entao que o céu deva ter vermelhos e os alaranjados pecaminosos também, tal qual o inferno pintado por Dante.
Será que o papa não poderia dar mais detalhes então do que ele chama “inferno eterno”? Não haveria lá uma corzinha pálida, amena,pasteurizada, que nos fizesse ansiar pelo mar, embora tão distante dele? Não seria esse o castigo maior, o de arder nas trevas vendo a cor do mar, e não poder transpirar o mar, entrar no mar, revestir-nos das cores azuis e espumadas, sentir-nos parte dele, confundindo-nos quando começa o céu e onde acaba a água?
E por que esse papa não declarou que o céu é também eterno?
Só pode ter uma explicação, se o céu é bom, não é eterno.
Tudo que conheço que foi bom, para mim acabou loguinho. Que pena que para o papa, também. O mundo não tem salvação!

POEMA DA ATITUDE


Antes que queira quedar-se, morno
E perigosamente indolente e vão,
Antes que te queixes muito
E que te encobertes, vitimado
Pela pele de cordeiro
Ao invés da carne vigorosa do leão
Pensa na tua vida
E apela para o teu íntimo
Faça-te de forte
Mesmo sabendo de que não o és
Porque o querer é que nos traz a força
Retirando a fraqueza na fração

Instalada dentro do teu ser.
Luta e sobe
Rechaça e não se vergue,
Arme-se, enquanto haja uma pequena chance em ti
Não seja morno, pois
Seja como o frio azulado da espada
Ou como a quentura esplêndida do inferno.

IR PARA O CÉU


Se um dia eu morrer,
E me levarem para o céu
Vou querer saber tudinho
De como se faz a triagem das almas pecadoras
Dentre aquelas que também são pecadoras, mas desculpam-se
Se ainda houver um São Pedro obsoleto à porta
Antes que pense em me colocar pra dentro
Ou me faça sermões quanto ao meu comportamento
Vou perguntar a ele
Quem foi o maior santo que já tenha entrado ali
Dependendo do discurso e da resposta
Vou sorrir, dar meia volta, volver
E correndo, retornar para onde nunca devia ter saído
- Para dentro do paraíso de mim mesma -
E a redenção renovada que me faço, languidamente,
Dia a após dia,
Santa redenção daquela que foi ínfima!
Santos e sermões são coisa fina
Eu não me dou com esse tipo de poesia
Minha poesia é farta das falhas que me imponho
Não há céu ou inferno que a limite.

16 April 2007

CÉU DE ABRIL


Quem viveu mil anos sobre a Terra
Como eu, que fui aprisionada em cativeiro e fuga
Compreendeu enfim, que a felicidade pequenina e intocada
Estava naquele céu de abril que repetia-se
Profundo como a mágoa que eu trazia
E azul como o desprendimento do qual me vestirei.
Claro que haviam os passarinhos
Que vieram por certo celebrar meu novo norte
Estavam curiosos por me ver lá fora
Enquanto eu estava, como estou agora
Aliviada, por sabem que eles viriam
Como têm vindo, certos, ao longo da jornada.
- Para mim o passarinho é o aviso que a poesia
Não me abandona, não foge, nem se distancia
Onde quer que eu vá, ela suspira. -

07 April 2007

SAUDADE DE MIM


Por que o tempo passou
E levou meus olhos grandes
Loucos para viver,
Esses cabelos que brilhavam
Sem que shampoo algum os conquistasse
Esse sorriso, embora triste aqui
Fosse a minha maneira tímida de participar do mundo?
Por que já não existe uma filha pequenina a quem eu abrace,
E no abraço surja a dependência desse laço?
- Por que o tempo não faz como eu fiz,
Esquece-me e passa?

06 April 2007

FOI-SE


Bastava que dissesse,
“Vem, meu amor”
E eu teria ido;
Mas fechou-se,
Lamentou-se,
Conformou-se
E foi-se,
Numa nuvem de lembranças tão velhas,
Misturada às novas emoções sucateadas
Que eu já tinha inventado no passado
Que me cobriu por tantos anos
E que me apagou
E sendo assim,
Conformando-se, foi-se.

REI DE ESPADAS


Senhor, inclina o coração do rei
Para a direita
Temos andado à esquerda mais pavorosa do atalho
Temos destroçado as possibilidades
Do acerto na louca matemática do acaso
O coração do rei está embaralhado
De sentimentos que não me fizeram bem,
E mal me faço
Inclina, Senhor, esse coração
De um rei de espadas
Ao acerto da parábola
Onde as espadas quentes que me trespassaram
Feriram-me de morte
Embora tenha havido amor,
Amor intenso,
Que durou tão pouco,
Montado na indecisão,
E agora, predestinado a nada.


04 April 2007

CHORA COMIGO


Deixa-me com minha dor
E tendo porque chorar,
Chora comigo,
O fundo de rio em mim esburacou-se
Enervei-me à custa de meus atos
Mas chora baixinho comigo,
Chora agora;
Teu choro também há de consolar-me.

POEMA DA PERDA DO AMOR


Quando te amo, amo-te
E quando não te amo mais,
Não há mais som na voz que te mascara
Nem me sinto amar-te
Tornando a amar uma parte desligada à tua
Possível amor de perda
Impossível dúvida
Que te amo, contudo
Sem amar-te mais.

PREPARAÇÃO AO IRRESISTÍVEL

Meu pai costumava ter muitos passarinhos em casa. As gaiolas ficavam enfileiradas numa só parede, mas aos domingos, depois de limpá-las uma a uma, cuidadosamente, ele colocava os bichinhos em lugares diferentes para que se motivassem a cantar mais. Um na frente do outro, um na varanda, outro ali perto da janela, pegando um pouco de sol.
Um dia deixaram uma das gaiolas abertas e um canário da terra, amarelo ovo, biquinho esverdeado, escapou, lá se foi embora... No meio da confusão, meu pai dizia: “ Ele não vai longe, não sabe voar, deve estar aí pela vizinhança, tem muito tempo de gaiola”.
Enquanto lastimavam, eu não. Entre assustada com o movimento, eu pensava, aliviada: “ Que bom que não se conformou e fugiu”.

Toda vez que vejo um pardal, uma rola, um bem te vi, acabo me lembrando do canarinho da terra, que arriscou a vida pela liberdade natural que lhe foi tirada e ainda acho que ele fez bem, uma decisão difícil de ser tomada, já que nunca havia praticado vôos altos e tendo o alpiste e alface colocados ali diariamente. Se morreu logo depois, não sabemos, jamais saberei. Mas quero acreditar que não, que aprendeu a voar, senão alto, o suficiente para conhecer os quintais e árvores que ele podia vislumbrar à distância. Deve também ter sentido o sabor do vento e a deliciosa busca pela sobrevivência. Durasse três dias, viveu intensamente três dias.

Abriram-me também a gaiola um dia, e eu escapei.
Estou ainda pela vizinhança, arrisco um salto e volto, pupulo e me delicio. Há um vento ameno que me trespassa e um céu que me apresentaram que eu pensava ser só de cartão. Todo dia eu penso que se escapei foi uma decisão de átimo, decisão-minuto, daquelas decisões de gente que age primeiro e pensa depois.
O bom foi que quando me abriram a gaiola, imaginaram que eu não resistiria. Resisto ao tempo, resisto-me, resisto ao que virá.
No final, fiquei sabendo que gaiola é a preparação ao irresistível.


02 April 2007

MUNDO ESTRANHO



Saí ontem de manhã para caminhar na Nove de Julho. Não era tão cedo, a avenida estava vazia, coisa muito incomum de acontecer num domingo e que pela hora, já devia estar cheia de gente como eu, caminhando, apressada.
Eu vinha pela ilha, debaixo das árvores, muito entretida com as músicas swingadas da Norah Jones que estavam tocando altíssimo nos meus ouvidos vindas do MP3 que estava escondido preso à minha cintura debaixo da malha. Quando caminho, muitas vezes não presto atenção às coisas ao meu redor e tenho que em concentrar pra isso, dizendo para mim mesma, a toda hora, que é preciso observar as calçadas, as lojas, as pessoas passando. Se vou escutando música, tudo que minha mente quer é prestar atenção na música e só na música, e assim vou andando sem notar quanto tempo andei, norteada somente pelo percurso que já sei de cor.
Mas ontem, naquela paradeira de domingo, sol forte e calor de já quase 30 graus, avistei, em direção contrária, pelo lado esquerdo da avenida, um senhor e um garupa, de bicicleta, muito simples, quero dizer, ele, assim como o garupa, simples e a bicicleta, também simples, vindo encostados ao meio fio, bem vagarosos. Sobre o quadro, uma criança de uns dois anos no máximo, porém, à frente, empoleirado entre o guidão e o selim. Vieram passando bem perto de mim e os dois imediatamente me olharam fixamente, certamente curiosos também por me ver caminhando ali, sozinha, toda de preto, óculos escuros pretos, cheia de fios enrolados em volta da orelha. Jamais esquecerei a cena: Nós três nos grudamos os nossos olhares; o homem pardo, camisa azul clara e calças jeans bem surradas e o garotinho de boné branco, shorts, camisetinha regata, óculos escuros e uma chupeta azul enorme enfiada-lhe à boca.
Viver cinqüenta anos para ver um nenê de chupeta, boné e óculos escuros foi para mim uma experiência ímpar. Imagino que deve haver milhares de crianças que brincam com óculos e bonés quando ainda usam chupetas, mas essa cena de quem já se personificou de adulto ainda tão criança me pareceu uma cena externa dantesca de filme mexicano de quinta. E o máximo, pegando uma carona de bicicleta.
Mas adorei. Os olhares dos dois me vendo passar enquanto eles também passavam decodificaram algo em nós de pura síntese de expressão; uma fração de segundos de ligação de pensamentos e possibilidade de troca de desejo na urgente comunicação humana. Enquanto eu pensava na bizarrice dessas duas figuras em meio à uma avenida elitizada como a nossa, achei na hora que eles bem que poderiam ter pensado: "Coisa estranha, essa mulher doida, vestida como um urubu, cantarolando baixinho, e ainda por cima, andando movida por fios!" O nenê certamente não pensou diferente, quase que a chupeta lhe cai da boca quando me vê, os olhos tão abertos, a expressão muda!
Sei que causei uma impressão forte neles; em mim, trouxeram-me a ambigüidade da vida e o sabor do absurdo em meio ao contraste.
Mundo bom esse, quando a gente sai, nunca volta como antes...

POR WOODY ALLEN


Quer fazer Deus gargalhar?
Conte a Ele os seus planos....

01 April 2007

POEMA DO ENGANO


Não desejo mais ser enganada por ti
Recuso-te às vísceras
Tuas palavras todas eu as viro ao contrário
Tu falas pedra, mas pedra é pássaro
Tu sorris, eu fecho a cara
Tu me mordes, eu te assopro e passo
Tua enganação é a límpida taça
De onde te bebo
E de onde me extravaso
Mas não me enganas quando me enganas

Pois que agora também te engano com meu ar
De quem confia em ti;
Mas sabe-te.

MUITO BEM


Estou indo muito bem
Minhas pernas ainda sabem caminhar pra frente
Embora eu retroceda cinco ou seis passinhos
Para correr depois e enganar o tempo
Muito bem eu estou indo
Esqueço como sou ridícula às vezes
Falando como parva às vezes,
Enrolando a língua para parecer mais ávida
De uma vida vazia, entrecortada e imprópria,
Com um destino enviesado e pobre

Mas ir bem é contemplar agora
As letras que eu encravo à marra
Os poemas extraídos de uma identidade enterrada
Um ar de quem sabe o que faz,
Embora não saiba nada

Estou indo muito bem
Acordei cedo e cantei para mim mesma uma canção de roda
Daquelas que a gente esquece, mas que nunca morre
Falo macio e penso áspero
Amo-me e mal me agüento
Quero silêncio e falo às bateladas
No entanto, estou indo bem
Para o fim da fila
Onde me ajeito,
E aguardo.